quinta-feira, 23 de abril de 2009

REFLEXÕES SOLTAS II – A UTILIDADE DA MORTE.

Um dia li num desses livros aparentemente inúteis que se vendiam nas antigas ferias do livro em São Tomé, um poema de um poeta Brasileiro que, se a memoria não me atraiçoa, num dos seus versos dizia o seguinte: “ Não consigo entender três coisas, o tempo, a morte e o teu olhar”.

Na época, não reflecti de uma forma seria sobre essa frase, porque estávamos naquela fase da adolescência em que um poema bonito declamado na altura certa, poderia significar o sucesso de uma conquista amorosa e acabei apenas por decora-lo de forma “desligada” para um ocasião daquelas. Hoje, com a maturidade e o "vivimento" que só a idade proporciona, ao escolher a morte como o segundo tema das minhas “reflexões soltas”, dei comigo a pensar seriamente no alcance e conteúdo filosófico dessa frase.

Concordo plenamente com o autor quando diz que não entende o olhar da sua amada (embora nunca a tenha visto) porque partindo da premissa universal que o olhar de uma mulher é imperscrutável, só tenho que assinar por baixo.

O tempo, também não o entendo, pelo menos hoje. Pode ser que daqui há algum tempo possa vir a tentar entendê-lo e quiçá escolhe-lo como o tema de uma das minhas futuras “reflexões”, mas hoje não! Hoje apetece-me apenas divagar sobre a utilidade da morte.

O que é então a morte? Significara ela o fim de tudo ou o princípio de algo de muito bom? E como seria o mundo se ela não existisse?

Como não sou bruxo e não conheço ninguém que tenha experimentado a sensação de estar “do lado de lá”, não posso ter a pretensão de saber a resposta para algumas dessas questões complicadas e nem me atrevo a desenhar cenários floridos sobre algo que ninguém consegue provar, pelo menos até ser embalado nos tentáculos frios da morte (mesmo chegando a esse ponto, trata-se de uma “experimentação” em que não se pode partilhar as conclusões com mais ninguém, a não ser que os outros queiram também, a titulo de curiosidade, viver a experiencia na sua plenitude, que é como quem diz: Viver a morte…Irónico, não é?). Posso sim, enfatizar a premissa muito verdadeira de que, num universo de variáveis relativas, apenas o carácter absoluto e definitivo da morte é incontestável. Todos acabamos por morrer um dia, alternando na equação da vida apenas as variáveis “como”,” onde” e “quando”. Logo, posso concluir com toda a propriedade e de forma irrefutável que sob certo ponto de vista, não está errado afirmar que nós viemos ao mundo para morrer e que é esse o nosso propósito final e o único “objectivo” comum de todos e de tudo nessa vida.

O facto de chegar a essa conclusão não significa que concordo com a existência da morte ou que valorize a sua utilidade, aliás, sou um acérrimo critico da morte desde que ela levou o meu pai há cerca de 26 anos atrás, deixando a minha mãe desamparada com 4 filhos pequenos para criar.

Naturalmente que o meu lado racional aceita a morte como uma coisa necessária para manter o equilíbrio no nosso mundo e até para valorizar a própria vida, mas o meu lado emocional, não! O meu lado emocional não vê utilidade nenhuma na morte e até preferiria que ela não existisse. O meu lado emocional adoraria não ter que experimentar os sentimentos de dor, de perda e de saudade que nos varrem o corpo e a alma sempre que morre alguém que nos é querido. O meu lado emocional daria o “seu dedinho da mão esquerda” para que se inventasse um estratagema infalível para enganar a morte sem por em risco o tal equilíbrio natural que a própria morte garante. O meu lado emocional rejubilaria de alegria se o meu pai não tivesse morrido, se as minhas avós também estivessem ainda vivas e com elas, todos os familiares e amigos que já perdi nessa vida. Mas como o mundo não gira a volta do meu umbigo, também os pais, os avôs, as avós, os amigos e familiares de todos ainda estariam vivos. Como seria então? Onde caberíamos todos? Será que chegaríamos a nascer, nós, cujos antepassados já existiam há tantos milénios atrás e com a ausência da morte certamente chegariam a um ponto em que deixariam de fazer o amor com o intuito de procriar? Talvez esteje a exagerar um pouquinho nesses desejos desvairados do meu lado emocional, mas já que estamos todos fatalmente condenados a morrer, custava "inventarem" algumas regras basicas para a morte ser menos penosa?! E se por exemplo, apenas fosse permitido morrermos durante o sono de forma totalmente indolor? Custava assim tanto implantarem essa regra?! E se fosse proibido morrermos antes dos 40 anos, de forma a permitir que todos pudessem experimentar a vida de forma mais prolongada e evitar que as crianças e os jovens perdessem a vida prematuramente?! Fazia assim tanta diferença?! E se fosse totalmente inconcebivel os filhos morrerem antes dos Pais?! A morte em si é algo doloroso, mas garanto-vos que não há nada mais doloroso e traumatizante do que os Pais perderem um filho. E se não fosse permitido morrer mais do que uma pessoa de cada vez na mesma familia?! Tendo em conta as despesas de um funeral, até na parte financeira estariámos mais aliviados. Ficam assim registadas algumas das minhas reivindicações dirigidas à entidade que inventou a morte.

Posso então concluir que se hoje estou aqui a escrever esses impropérios contra a morte, a ela o devo, porque se ela não existisse, também eu não existiria. Resta-me pois, dar primazia ao meu lado racional e aceitar a morte como algo natural e necessário, sem cair na tentação de tentar entende-la, limitando-me a fazer figas para que eu a encontre apenas no ocaso da minha existência, porque apesar de tudo, parafraseando o meu amigo Uva (assim chamado pela sua tendência para exagerar no consumo do vinho tinto): A VIDA É BELA E QUEM MORRE É BURRO!!!!!!

Não consigo entender o tempo, a morte e o teu olhar, dizia o poeta. Continuo sem conseguir entender o tempo, a morte e o olhar das mulheres, digo eu, resignado.

Um comentário:

  1. Olá,
    Sou Dildo Afonso (vulgo managem).
    Achei o teu Blog lendo Um dos tantos jornais de São Tomé. Gostei das suas reflexoes "descontraídas" sobre os assuntos referentes ao nosso país. Estou aqui para felicitar-lhe e dizer que gostaria de ler mais artigos teus nos jornais de São Tomé.
    OBS: Leio os jornais de São Tomé acompanhado de uma boa "UVa Líquida", acho que assim as notícias sao melhor degiridas :D.
    Estou estundando no AMAZONAS, distante de casa.
    Felicitações

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