* Dois compatriotas armados em intelectuais, trocavam umas ideias sobre a façanha do Procurador-geral da república:
Compatriota I - Definitivamente o nosso sistema de justiça encontra-se mergulhado numa crise sem precedentes.
Compatriota II - Olha, isso para mim é novidade. Não sabia que existia um sistema de justiça em São Tomé e Príncipe.
I - Não sejas tão sarcástico. As coisas podem não funcionar como deviam, mas daí dizeres que não temos um sistema de justiça, é um bocado exagerado.
II - Achas exagerado?! Um sistema, seja lá do que for, pressupõe a existência de uma organização minimamente estruturada, submetida á preceitos funcionais e a uma cadeia hierárquica bem identificada que a faça cumprir de forma efectiva os objectivos que nortearam a sua criação. No que a justiça diz respeito, vês alguma coisa parecida com isso em São Tomé?
I - Epá, temos Tribunais, temos um Ministério da Justiça, uma Procuradoria, Juízes, advogados, prisões, Policias e.t.c. Creio que a soma dessas partes é que forma o sistema de justiça de um País.
II - Estás enganado, meu caro! O que temos são alguns bons advogados, 3 ou 4 Juízes razoáveis, um Ministro da Justiça preguiçoso e acomodado, um Procurador-geral da Republica pouco imparcial e ávido de protagonismo, um conjunto de leis do tempo da outra senhora que poucos estão interessados em actualizar, uma polícia criminal que investiga à base do cassetete, funcionários judiciais mal formados, alguns até sem formação nenhuma, sem esquecer a desavergonhada influência que o poder político exerce em grande parte das deliberações judiciais, o que viola o princípio sagrado da separação de poderes. Achas que nessas condições se pode dizer que temos um sistema de justiça em STP? Daqui a bocado vais dizer-me que também temos um sistema de saúde ou um sistema de educação, não é?
I - Está bem, não vou tentar contrariar-te! Reformulo o que disse: O nosso pseudo sistema de justiça está mergulhado numa crise sem precedentes. Está melhor assim?
II - A parte do pseudo sistema soa melhor. Quanto a isso de crise sem precedentes, creio que não é bem assim. Alguma vez sentiste que não estávamos em crise nessa área? Alias, se o próprio País vive numa crise geral há mais de 34 anos, porque que carga de água é que no sector da justiça as coisas teriam que ser diferentes? Assim a vista desarmada dá para identificar apenas 3 ou 4 sectores económico-sociais que nunca entraram em verdadeira crise no nosso País: O da construção de moradias, o da comercialização de viaturas 4 x 4, o das bebidas alcoólicas e o das catorzinhas. Todo o resto acompanha a degradação que se vive na área da justiça.
I – Podes até ter razão, meu caro, mas embora se possa dizer que há uma crise permanente na nossa justiça, creio que, com essa história do Procurador-geral da Republica ter arrombado ou mandado arrombar o gabinete do procurador adjunto para lhe roubar o processo STP - Trading, batemos no fundo. È totalmente surreal, essa atitude do Procurador-geral.
II – Mas isso já foi confirmado? A Procuradoria não emitiu um comunicado a desmentir essa história e a dizer que os autores da denúncia estavam a ser tendenciosos?
I – Emitir, emitiu. Mas agora foi o próprio procurador adjunto quem escreveu uma carta ao Presidente da Assembleia a corroborar a versão apresentada pela ordem dos advogados e a fazer outras acusações ao Procurador-geral. Acho até que já apresentou uma queixa na PIC por invasão do gabinete e desvio do processo.
II – Épa, não tinha conhecimento dessa carta. Isso é gravíssimo! E o Procurador-geral já reagiu à essa carta?
I – Que eu saiba não. Mas como os fins-de-semana na nossa terra são dedicados exclusivamente aos forrobodós e aos comes e bebes e não há nada que faça quebrar essa rotina, talvez só na segunda-feira teremos uma reacção. É como eu te disse, desta vez, batemos no fundo.
II – Como diriam os Brasileiros: bota fundo nisso! Era só o que nos faltava, depois de termos advogados que roubam processos no tribunal, juízes que comem água semanalmente com advogados e arguidos, advogados que protagonizam fugas espectaculares do tribunal e juízes que decretam prisões preventivas por truta e meia nuns casos e noutros pedem escusa por medo, agora temos um Procurador-geral da Republica armado em arrombador de portas.
I – Tudo isso porque estava a expirar o prazo para a dedução da acusação ao Armando Correia e ao Osvaldo Santana no âmbito do processo STP-trading. E o mais grave é que o Procurador adjunto diz que não encontrou matéria suficiente para levar o processo adiante e recusou-se a cumprir uma ordem do procurador-geral nesse sentido. Pelos vistos já estava decidido que o processo tinha que avançar a qualquer custo.
II – É mais um caso jurídico com contornos políticos. Sempre achei que nessa história da STP-trading a montanha iria voltar a parir um rato, como tem sido apanágio nos casos em que estão envolvidos peixes graúdos em STP.
I – Pode ser que com esse desvario do Procurador-geral, a coisa possa ter contornos diferentes.
II – A tua ingenuidade as vezes espanta-me. Acreditas mesmo que isso vai dar em alguma coisa? Vais ver que ainda vão inventar uma história descabida para justificar esse imbróglio todo, isso se não for o próprio Procurador adjunto, depois de devidamente pressionado, a vir desmentir tudo e dizer que não foi ele que assinou a tal carta, para salvaguardar o seu futuro profissional. Sempre foi assim, os gordos arranjam sempre forma de fazer vingar com todo rigor a velha máxima que diz que as leis são como as teias de aranha, apenas os pequenos insectos ficam presos nelas, os grandes atravessam-na.
E com essa pérola da sabedoria popular, deram por encerrada a conversa.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
ÁFRICA - SOB O SIGNO DA MÁ GOVERNAÇÃO
Há cerca de três anos, Mo Ibrahin, um multimilionário Sudanês, Fundador da empresa de telecomunicações Africana Celtel International, decidiu “inventar” um prémio para estimular a boa governação em África. Esse “generoso” senhor teve a simpatia de aplicar uma pequena parte da sua fortuna pessoal (cerca de 3.5 mil milhões de euros que ganhou com a venda da sua empresa em 2005 a um operador do Koweit) num prémio inédito que distingue anualmente antigos chefes de Estado ou de Governo Africanos por práticas reconhecidas de boa governação e cujo objectivo é "melhorar as perspectivas sociais e económicas do povo Africano", nas palavras do seu criador, e incentivar a diminuição/irradiação de um dos maiores cancros do nosso continente, digo eu!
Nas duas primeiras edições, em 2007 e 2008, foram agraciados com esta honrosa distinção (honrosa e choruda distinção, melhor dizendo) o ex-presidente de Moçambique, Joaquim Chissano e o ex-líder do Botswana, Festus Gontebanye Mogae que vão ter as respectivas contas bancárias engordadas em cinco milhões de dólares norte-americanos, que serão distribuídos durante dez anos em tranches anuais de 500 mil dólares. Nada mau, nada mau mesmo, se levarmos em consideração que esses senhores foram merecedores desse prémio, segundo o júri da Fundação “ Mo Ibrahim”, “apenas” por terem cumprido com seriedade e transparência os cargos para o qual foram eleitos, ou seja, fizeram o que se espera de qualquer político eleito para os mais altos órgãos de soberania de uma nação: Cumprir os mandatos respeitando os preceitos da boa governação. Eu também não me importaria nada se alguém inventasse um prémio de “boa governação do lar” e me premiasse por pagar a renda da casa onde vivo dentro do prazo ou as contas da agua e da luz (a comparação pode ser um pouco redutora, mas creio que faz sentido), mas infelizmente ninguém é maluco o suficiente para dar prémios aos outros por coisas consideradas “normais”. Costuma-se premiar o “extraordinário”, o “diferente”, o “original” e para mal dos nossos pecados, ainda não é “normal” na nossa África, aparecerem dirigentes políticos que promovam as práticas da boa governação, daí o premio para aqueles que marcam a diferença, os “anormais”, nesse caso.
Estranhamente (ou não), esse ano, o juri presidido pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e que tem entre os seus membros Graça Machel, presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) e a ex-presidente da República da Irlanda Mary Robinson, decidiu não atribuir o prémio a ninguém e a pergunta que se impõe é aquela que vinha estampada na camisola do “super” Mário Jardel na época em que jogava no melhor clube de Portugal: "Porque será?" Não, não é do guaraná e como os membros do júri reservaram-se no direito de não dar explicações para não ferir susceptibilidades, começam a circular à “boca pequena” boatos de que o coitado do Mo Ibrahim está um bocado “desferrado”, por isso decidiu não dar os 5 milhões de dólares a ninguém, ele que há quatro anos era detentor de uma fortuna de 3.5 mil milhões de euros (creio que mesmo com a crise e supondo que o homem também tivesse entrado no esquema do Madoff, um gestor cauteloso e empreendedor como ele, não iria por todos os ovos no mesmo cesto de forma a “queimar” tanto dinheiro, mas nunca se sabe). E se eu vos disser que entre os líderes Africanos que deixaram funções recentemente estão os antigos Presidentes da África do Sul, Thabo Mbeki, do Ghana, John Kufuor e da Nigéria, Olusegun Obasanjo? Entendem agora porque que o prémio desse ano não foi atribuído?!
Quer queiramos, quer não, a verdade é que muitos dos graves problemas que ainda hoje assolam o nosso continente se devem exclusivamente a falhas graves na governação por parte daqueles que têm conduzido o destino dos nossos Países desde que se tornaram independentes (salvo as raríssimas excepções). Se no princípio podiam desculpar-se com a inexperiência e a falta de qualificação dos quadros, resultante das políticas discriminatórias que restringiam o acesso à educação por parte dos nativos no tempo colonial, hoje em dia tal premissa já não é valida, dado que a esmagadora maioria dos nossos políticos são pessoas formadas, informadas e viajadas, logo, conhecedores de diferentes realidades, o que por si só, devia lhes conceder pelo menos a capacidade de importar o que de bom se faz noutras latitudes, já que se têm mostrado incapazes (na maior parte das vezes) de criar qualquer coisa de jeito. Se no princípio o desnorte deveu-se à incompetência, à burrice e à negligência, hoje juntamos (ainda) a incompetência, à má fé, à preguiça e à ganância.
Mo Ibrahin, um visionário nos nossos tempos, quis marcar a diferença e disponibilizou-se a recompensar com o seu dinheiro todos aqueles que queiram mudar o rumo dos acontecimentos numa África que é de todos os Africanos. Pode-se não concordar com a estratégia utilizada, mas temos que homenageá-lo pela iniciativa. Mas, serão os 5 milhões de dólares suficientes para fomentar uma mudança de mentalidade dos nossos governantes? Aqueles que governam Países pobres de parcos recursos se calhar até acharam gira a ideia, mas os outros “tubarões” que facilmente conseguem ter nas suas contas secretas o dobro ou triplo desse valor por vias travessas não devem “ estar nem ai” para o prémio.
Tudo isso faz-nos questionar se a não atribuição do prémio esse ano foi a excepção que confirma a regra ou se a excepção foi a descoberta de dois espécimes raros nos anos anteriores. Quem viver, verá!
Nas duas primeiras edições, em 2007 e 2008, foram agraciados com esta honrosa distinção (honrosa e choruda distinção, melhor dizendo) o ex-presidente de Moçambique, Joaquim Chissano e o ex-líder do Botswana, Festus Gontebanye Mogae que vão ter as respectivas contas bancárias engordadas em cinco milhões de dólares norte-americanos, que serão distribuídos durante dez anos em tranches anuais de 500 mil dólares. Nada mau, nada mau mesmo, se levarmos em consideração que esses senhores foram merecedores desse prémio, segundo o júri da Fundação “ Mo Ibrahim”, “apenas” por terem cumprido com seriedade e transparência os cargos para o qual foram eleitos, ou seja, fizeram o que se espera de qualquer político eleito para os mais altos órgãos de soberania de uma nação: Cumprir os mandatos respeitando os preceitos da boa governação. Eu também não me importaria nada se alguém inventasse um prémio de “boa governação do lar” e me premiasse por pagar a renda da casa onde vivo dentro do prazo ou as contas da agua e da luz (a comparação pode ser um pouco redutora, mas creio que faz sentido), mas infelizmente ninguém é maluco o suficiente para dar prémios aos outros por coisas consideradas “normais”. Costuma-se premiar o “extraordinário”, o “diferente”, o “original” e para mal dos nossos pecados, ainda não é “normal” na nossa África, aparecerem dirigentes políticos que promovam as práticas da boa governação, daí o premio para aqueles que marcam a diferença, os “anormais”, nesse caso.
Estranhamente (ou não), esse ano, o juri presidido pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e que tem entre os seus membros Graça Machel, presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) e a ex-presidente da República da Irlanda Mary Robinson, decidiu não atribuir o prémio a ninguém e a pergunta que se impõe é aquela que vinha estampada na camisola do “super” Mário Jardel na época em que jogava no melhor clube de Portugal: "Porque será?" Não, não é do guaraná e como os membros do júri reservaram-se no direito de não dar explicações para não ferir susceptibilidades, começam a circular à “boca pequena” boatos de que o coitado do Mo Ibrahim está um bocado “desferrado”, por isso decidiu não dar os 5 milhões de dólares a ninguém, ele que há quatro anos era detentor de uma fortuna de 3.5 mil milhões de euros (creio que mesmo com a crise e supondo que o homem também tivesse entrado no esquema do Madoff, um gestor cauteloso e empreendedor como ele, não iria por todos os ovos no mesmo cesto de forma a “queimar” tanto dinheiro, mas nunca se sabe). E se eu vos disser que entre os líderes Africanos que deixaram funções recentemente estão os antigos Presidentes da África do Sul, Thabo Mbeki, do Ghana, John Kufuor e da Nigéria, Olusegun Obasanjo? Entendem agora porque que o prémio desse ano não foi atribuído?!
Quer queiramos, quer não, a verdade é que muitos dos graves problemas que ainda hoje assolam o nosso continente se devem exclusivamente a falhas graves na governação por parte daqueles que têm conduzido o destino dos nossos Países desde que se tornaram independentes (salvo as raríssimas excepções). Se no princípio podiam desculpar-se com a inexperiência e a falta de qualificação dos quadros, resultante das políticas discriminatórias que restringiam o acesso à educação por parte dos nativos no tempo colonial, hoje em dia tal premissa já não é valida, dado que a esmagadora maioria dos nossos políticos são pessoas formadas, informadas e viajadas, logo, conhecedores de diferentes realidades, o que por si só, devia lhes conceder pelo menos a capacidade de importar o que de bom se faz noutras latitudes, já que se têm mostrado incapazes (na maior parte das vezes) de criar qualquer coisa de jeito. Se no princípio o desnorte deveu-se à incompetência, à burrice e à negligência, hoje juntamos (ainda) a incompetência, à má fé, à preguiça e à ganância.
Mo Ibrahin, um visionário nos nossos tempos, quis marcar a diferença e disponibilizou-se a recompensar com o seu dinheiro todos aqueles que queiram mudar o rumo dos acontecimentos numa África que é de todos os Africanos. Pode-se não concordar com a estratégia utilizada, mas temos que homenageá-lo pela iniciativa. Mas, serão os 5 milhões de dólares suficientes para fomentar uma mudança de mentalidade dos nossos governantes? Aqueles que governam Países pobres de parcos recursos se calhar até acharam gira a ideia, mas os outros “tubarões” que facilmente conseguem ter nas suas contas secretas o dobro ou triplo desse valor por vias travessas não devem “ estar nem ai” para o prémio.
Tudo isso faz-nos questionar se a não atribuição do prémio esse ano foi a excepção que confirma a regra ou se a excepção foi a descoberta de dois espécimes raros nos anos anteriores. Quem viver, verá!
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