terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CRÓNICA DE UM PARLAMENTO PREGUIÇOSO.

“Até quando querem fazer de nós, submissos idiotas úteis?”

Descobri essa frase numa das crónicas semanais da jornalista portuguesa Maria João Avillez na revista “Sábado”, referindo-se à classe política portuguesa, e não pude deixar de reflectir sobre a universalidade dessa questão, que podia muito bem ser colocada à esmagadora maioria dos políticos e politiqueiros desse planeta, sem mudar uma vírgula sequer. Naturalmente que não tenho a presunção de filosofar sobre a política mundial e nem sequer, sobre a política em si, naquilo que são os seus fundamentos e objectivos, mas depois de ler a essa frase, dei por mim a pensar que em São Tomé e Príncipe, de uma forma ou outra, estamos sempre a fazer essa pergunta ao presidente, ao governo e aos tribunais, negligenciando por completo o quarto órgão de soberania nacional, quiçá o mais importante, que é o parlamento, órgão com competências e poderes importantíssimos no nosso sistema de governo e que se os usasse, poderia influenciar ou condicionar de forma assertiva as decisões do poder executivo, consequentemente, o rumo da nossa nação. Se duvidas houvessem quanto à importância da Assembleia Nacional no nosso panorama político, o artigo 92 da constituição elucida-nos:
“A Assembleia Nacional é o mais alto órgão representativo e legislativo do Estado”

Posto isso, a pergunta que se impõe é a seguinte: Será que nestes 20 anos de vigência da actual constituição, que coincide com a abertura democrática no nosso País, a Assembleia Nacional tem cumprido o seu papel, enquanto o mais alto órgão representativo e legislativo do Estado?!

Claro que não! Digo eu, peremptoriamente. Naturalmente que sendo um órgão colegial, o todo (A. N) não pode ser analisado sem as partes (os deputados) e nesse ponto, é justo dizer que até temos alguns (poucos) deputados com certa craveira intelectual e com reputada capacidade de trabalho, aliás, seria também desonesto não reconhecer que na primeira e segunda legislatura do pós democracia a nossa Assembleia Nacional era mais participativa e gozava de alguma credibilidade junto da população, em razão da competência e capacidade intelectual de grande parte dos deputados que a compunham e da ausência de tantos escândalos financeiros ligados aos deputados, como acontece hoje, mas em termos gerais, as competências da Assembleia Nacional, principalmente na área de produção de legislação têm sido claramente subaproveitadas, por interesses obscuros, por incompetência ou simples preguiça mental. Até a sua credibilidade tem se perdido no tempo e hoje, constatamos que a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe, no que toca a sua funcionalidade e produtividade, há muito que se transformou num gigante adormecido, que não exerce nem 1/3 dos poderes que a constituição lhe confere. Aliás, outra coisa não seria de esperar, no estado em que ela se encontra. Como pode, por exemplo, a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão fiscalizador, quando a maioria dos deputados que por lá passam, apenas o fazem para obter o famoso e ultra desejado passaporte diplomático e a aconchegante imunidade parlamentar?! Como pode a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão legislador, quando de uns anos a essa parte, na sua essência, apenas se tem limitado à aprovar ou reprovar Orçamentos de estado, Grandes opções do plano e volta e meia, moções de censura?! Como pode a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão essencialmente político, quando a função de deputado é vista como um “emprego” em part time ou uma ocupação secundária para os nossos empresários, comerciantes, caixeiros-viajantes, advogados, pseudo-escritores, médicos, carpinteiros, taxistas e afins?! Sem mencionar o facto da “qualidade” e reputação dos nossos deputados serem cada vez mais duvidosas e de se dedicarem mais às lides e intrigas partidárias do que propriamente às funções de deputado. Aliás, como deputados, quase só se preocupam com situações que possam traduzir-se em algum ganho pessoal ou partidário. Fora isso, nada interessa, nem mesmo os superiores interesses de quem os elegeu.

Foquemos um exemplo prático do desleixo e da preguiça (para não lhe chamar outra coisa) que reina nas bandas do palácio dos congressos: Para quem não sabe, a actual Assembleia Nacional tem poderes de revisão constitucional ou seja, como a última revisão da nossa constituição aconteceu em 2003 e são precisos cinco anos para que se possa despoletar novo processo ordinário de revisão constitucional, os deputados eleitos em Agosto do ano passado, estão automaticamente legitimados para desencadear novo processo de revisão constitucional. Mesmo assim, alguém ouviu falar, na intenção de alguns deputados avançarem com propostas de revisão constitucional?! E sobre a intenção de rever e actualizar algumas leis obsoletas que nos causam sérios problemas, ouviram alguma coisa?! Afinal, o que andaram os nossos deputados a fazer nesses últimos quatro meses?! Eu respondo: Aprovaram o OGE, o GOP, discutiram o caso dos 30.000 barris de petróleo e ouviram as lamentações do Procurador-geral da república na comissão dos direitos humanos.

Sabemos que as leis são feitas no abstracto, obedecendo a um horizonte de sentidos e valores que têm a sua lógica num certo enquadramento temporal e contexto social, mas a sua aplicação prática nos pode revelar lacunas e falhas que não eram claras na altura da sua concepção e noutros casos, o próprio tempo, a evolução natural das sociedades e mentalidades nos obrigam a rever os nossos conceitos. No caso da nossa actual constituição, passados 20 anos sobre a sua concepção e 7 sobre a última revisão, esperava da parte dos nossos deputados um sinal claro de que é chegado o tempo de se abrir um debate sério sobre alguns pontos desajustados e / ou desactualizados da nossa constituição e de algumas leis, dos quais, posso sem esforço enumerar alguns:

- Muita gente tem questionado o nosso sistema de governo (semi-presidencialista) e atribuído a ele a culpa de muitas das crises políticas que enfrentamos. Não será altura para abrirmos um debate sobre esse ponto e, dependendo das conclusões, pensar séria e responsavelmente em alternativas viáveis?!

- A nossa lei eleitoral e lei dos partidos políticos datam de 1990, quando não tínhamos ideia nenhuma de como seria a nossa experiencia democrática. Não será altura para actualizar e adaptar essas leis à nossa realidade actual, de forma a eliminar verdadeiras aberrações ali contidas, como o facto de se poder criar e manter um partido politico com apenas 250 militantes ou a inexistência de cláusulas barreira, que tem facilitado a proliferação de pequenos partidos políticos sem expressão eleitoral?! E o que dizer dos valores das multas ali previstas?!

- Nesse momento, quase 1/3 da nossa população reside fora do País. Não é chegada a altura para se criar as condições para que esses emigrantes possam votar nas eleições legislativas e eleger no mínimo, dois representantes na Assembleia Nacional?!

- Temos 55 deputados para cerca de 160.000 habitantes, o que dá uma média de 1 deputado por cada 3.000 habitantes. Não será altura para revermos a composição da nossa Assembleia Nacional?! Temos deputados que durante a legislatura não produzem nenhum projecto de lei, que marcam presença apenas nas sessões obrigatórias e que não fazem nenhuma intervenção no plenário. Não seria melhor privilegiar a qualidade em vez da quantidade?! Não seria melhor reduzir o número de deputados e dar-lhes melhores condições para se dedicarem exclusivamente ao cargo de deputado, eliminando assim os conflitos de interesses inerentes ao facto de serem deputados e simultaneamente, exercerem funções remuneradas no sector privado?!

E a obrigatoriedade da declaração publica do património para as pessoas que ocupam os mais altos cargos do Estado?! Não devia ter força de lei, em nome da luta contra a corrupção?! E todo o acervo da nossa legislação que está obsoleta e emperra o sistema judiciário, não devia começar a ser actualizado?! E o tal artigo 72, sobre as incompatibilidades da função do presidente da república?! Não justifica por si só, uma revisão constitucional para tornar mais fácil a sua compreensão e evitar que outros presidentes caiam na tentação de querer ser também presidentes de partidos políticos?! O que tem andado a fazer afinal, o nosso parlamento, enquanto órgão legislativo por excelência?! Quase nada! É claro que isso dá trabalho e tem custos, mas se bem me lembro, foi para isso que foram eleitos, ou não?!

Em jeito de conclusão, permita-me a Maria João Avillez que dê um torcicolo no pescoço da sua frase de modo a colocar essa questão não ao presidente, não ao governo, não aos tribunais e nem ao parlamento, como como acabo de fazer, mas à todos aqueles que de alguma forma, não se querem resignar à essa realidade que nos é imposta:

“Até quando VAMOS CONSENTIR que façam de nós, submissos idiotas úteis?”

Um comentário:

  1. Devo dizê-lo q tem plena razão, fala muito bem no seu texto.
    Entendo S.Tomé e Príncipe sem democracia. A razão base de funcionamento de qualquer Democracia está inabalavelmente residente na qualidade, composição, acção da sua Assembleia Nacional. Tb do seu presidente da república, do seu governo, tribunais, órgãos da comunicação social! Em S.Tomé e Príncipe estes factores característicos de uma Assembleia Nacional - A.N. - com funções reais em Democracia, e característicos tb dos demais órgão de soberania, estão ausentes.
    Estas ausências referidas prendem-se com o facto das pessoas naquele país terem ainda por descobrir o seu papel real incontornável em Sist Democrático. Tal cenário é triste, medonho, e totalmente compromete toda e qualquer perspectiva de futuro. Quem é q vai projectar o futuro? Quem vai fazer alguma coisa por S.Tomé e Príncipe? Será q vai ser o estrangeiro como tds ainda param e esperam? Sabem q os do estrangeiro tb querem a sua parte do "quinhão" e mais nada?
    Sem pessoas esclarecidas, não há sistema q funcione, muito menos haverá órgãos de soberania em sistemas tão obscuros q possam funcionar, dado q os seus elementos são os mesmos pouco esclarecidos q compõem o sistema. É uma questão de base. Está nas pessoas. Propaga-se a tudo onde elas estão. Um Sistema dito Democrático não se projecta e nunca funcionará nestas andanças perniciosas!

    Meu caro Wuando!

    Não adianta termos alguns intelectuais q se sobressaiam aos demais. Não nos servem estas pessoas q aqui e ali demonstram alguma agilidade no pensar. É preciso q elas enquanto responsáveis da Nação, enquanto membros da Assembleia, e ou enquanto Governantes, dêm o exemplo, façam coisas, ponham outros a mexer e a fazer! É isto q não se viu ainda! Não se vê em S.Tomé e Príncipe! Mas da parte de ninguém se viu ou se vê! É tudo e todos a favor do mesmo! Assim não dá! Em lado nenhum deu e não vai ser em STomé e Príncipe q este mal-fazer vai resultar!
    Meu caro!
    Um tal tema como revisão e alteração da constituição, carece de concertação alargada, debate extensivo e esgotável (ou quase), reflecções e acuidade extremas e profundas! Deve ser abordado sobretudo numa ocasião como a de uma campanha dos partidos pª as eleições rumo ao poder! O meu caro viu ou ouviu algo de género nestas últimas campanhas ou nalgumas? E não se ouve ou se vê tão simplesmente pq os q estão ao caminho do poder nem sabem sequer pª o q concorrem ou pª onde estão a pensar ir arranjar "tachos" e meu amigo refriu isto bem.
    O resultado só pode ser esta tristeza assombrante que assistimos até agora, esta degradação enorme a q as pessoas estão votadas no tempo, e este inferno onde os governantes Santomenses convencem à população a viver tranquila, feliz e em paz! Pura DEMAGOGIA dos nossos políticos, autênticos enganadores das esperanças alheias, e usurpadores do bem q é de todos e só deles nunca deve ser, e portanto não é e se o têm é roubo!

    São tantos os atropelos ao q é de direito, ao q é de lei, ao q deve ser observado e respeitado... São tantas mentiras e defraudações das esperanças das pessoas... São tantas as incompetências e malandrices! São tantos ladrões com a lei a proteger! Isto é DEMOCRACIA??? Não me parece de todo e não é!

    Entramos na Democracia sem noção nenhuma do q é esta geringonça! Estamos a pagar caro por ainda e até agora andarmos a dormir sem saber a utitilidade duma ferramenta tão poderosa, valiosa, e justa q escolhemos com o virar pª o multipartidarismo! Enquanto as pessoas não se despertarem pª o exercício q lhes é exigido em democracia, meio de todos viverem em equilíbrio aceitável, nunca faremos algo de jeito! Enquanto ficarmos no "banho" e no " chêê nada pa gente!??" o nosso destino é único: a ruína, a miséria, a desigualdade, a falta de infraestruturas básicas, a falta de saúde, a corrupção no seu elevado grau, o anafalbetismo cultural total, e só dois ou três a viver "a grande e a francesa" com o o q é de todos e com o q é do povo!
    Ai como isto me doi!

    JoshuaC_Victor

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