terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A EMERGÊNCIA DA 19º PROVÍNCIA.

Vivi em Luanda até aos 11 anos de idade e foi lá que estudei até a 5ª classe. Lá conheci os meus amigos de infância, roubei o meu primeiro beijo, fui pioneiro de Agostinho Neto e inclusive, aprendi o hino nacional de Angola antes mesmo de saber cantar o “Independência total” do meu País natal. Como se não bastasse, é lá que está enterrado o meu pai. Nesse período, apenas ia para São Tomé nas férias grandes e quando fui morar em São Tomé, passei a fazer o trajecto inverso, também nas férias grandes, até 1995, ano da minha ultima visita ao bairro do São Paulo, onde, apesar de dois acontecimentos traumatizantes (a morte do meu pai e a guerra pós eleitoral de 1992), fui muito feliz. Essa introdução (um tanto nostálgica) serve para enquadrar as fortes ligações que tenho com Angola e com os angolanos, para que não me venham acusar de xenofobia, depois de lerem esse texto.

As relações históricas entre São Tomé e Príncipe e Angola há muito que extravasaram o tradicional relacionamento diplomático entre dois estados amigos, sobretudo devido à ligação próxima entre os dois movimentos independentistas que acabaram por assumir o poder nos dois países logo após a independência, o MPLA e o MLSTP. Isso salta à vista de todos e creio que não estarei a exagerar se disser que no seio dos PALOPs, STP e Angola são mais “irmãos” do que os outros. Desde pequeno que tenho a noção desse relacionamento privilegiado, até pela forma condescendente, a roçar o paternalismo, que os angolanos sempre trataram os emigrantes são-tomenses (os santomistas ou santolas, como eles nos chamam) e sobretudo, pela facilidade com que os são-tomenses se integravam na sociedade angolana. Diziam na altura (meio a brincar) que São Tomé e Príncipe era a 19ª província de Angola, dada à nossa pequenez territorial e populacional, à dependência que tínhamos (e ainda temos) do petróleo angolano e à amizade pessoal e uma certa subserviência dos nossos dirigentes em relação aos dirigentes angolanos (nesse aspecto pensava que era só os dirigentes do MLSTP que rezavam por esta cartilha). Até há bem pouco tempo, achava um disparate essa afirmação, mesmo tendo noção que a dependência que sempre tivemos em relação à Angola estendia-se também aos outros sectores (económico, diplomático, social, militar e.t.c) mas hoje, se analisarmos bem as coisas e sobretudo, em razão das noticias que vieram a publico na ultima semana, começo a recear que, da forma como as coisas se têm desenvolvido, é apenas uma questão de tempo até que o nosso São Tomé e Príncipe seja “vendido” aos angolanos e nos tornemos de facto, na 19ª província de Angola.

Os angolanos (pessoas e empresas diferentes, é verdade, mas todos ligados ao comité central do MPLA) começaram por comprar a Rosema, o club Náutico e a empresa Porto Alegre. Depois compraram o banco Equador, a Enco, casas de praia, algumas roças, os terrenos mais cobiçados e as vivendas históricas da empresa Água Izé. Agora conseguiram a concessão do porto e do aeroporto de São Tomé, com previsão de “tomarem” parte da EMAE e da STPairways , sem mencionar outras negociatas que se ouve falar à boca pequena em São Tomé. Só falta mesmo tomarem de assalto a CST para terem o controlo quase absoluto sobre os sectores fundamentais da nossa economia. E como no mundo de hoje (e o de ontem também), o poder económico prevalece sobre o poder político, não me admira nada que daqui a pouco, o rumo do nosso País comece a ser definido pelo inquilino do Palácio da Cidade Alta, em Luanda (se é que já não é).

Haverá quem defenda que a privatização ou venda dessas empresas é a única saída, dado o estado de falência técnica em que se encontravam e a pouca capacidade do nosso estado para injectar “ferro” na nossa economia, mas era mesmo imperioso meter todos os ovos no mesmo cesto?! Não havia outra forma de se fazer esses negócios?! Com outros parceiros, quiçá?! E os terrenos?! E as roças?! E as casas que tê sido vendidas aos angolanos de forma desenfreada à peso de ouro, com reflexos irremediáveis no mercado imobiliário?! Ninguém se preocupa com isso?! É claro que o estado não deve meter o bedelho nos negócios privados, mas tem que estar alerta para as consequências desses negócios (totalmente desajustados à nossa realidade) num mercado tão pequeno e frágil como o nosso. Quanto aos negócios com o estado, a coisa até pode funcionar, mas qual será o preço que teremos de pagar?!

Há uns anos atrás, havia pessoas que no auge da desolação pelo rumo que tomou o País, ou melhor, pelo rumo que demos ao País, diziam que se calhar, o melhor era entregarmos outra vez STP aos portugueses ou á um outro País qualquer, para ver se a situação melhorava. Ao que parece, mesmo sem nos darmos conta disso, começamos a caminhar fatalmente para a concretização desse paradigma, e, ou muito me engano, consciente ou inconscientemente, a escolha já foi feita. Pensávamos que com derrota do MLSTP e consequente subida do ADI ao poder, as coisas podiam mudar de rumo (talvez em direcção ao Gabão, Nigéria ou mesmo, à Líbia), dado o certo “distanciamento” que sempre houve entre Luanda e os Trovoadas. Puro engano, como se viu na visita de estado, ou melhor, na convocatória de estado que o presidente angolano fez ao nosso primeiro-ministro, 38 dias depois da sua tomada de posse, logo apôs ele ter cometido o “desplante” de visitar primeiro o Bongó Filho e o Goodluck Jonathan.

Patrice Trovoada voltou de Angola a falar “outra” língua e como se começa a notar, não estava a brincar quando afirmou que iria terminar com a política dos dois parceiros estratégicos, implementada por Rafael Branco. Antes tínhamos dois, agora é só um. Quem viver, verá as consequências dessa opção.

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