sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

HÁ QUEM LHE CHAME "MUDANÇA" - Parte I

Em Agosto passado, uma nova onda de esperança invadiu o território de São Tomé e Príncipe e encheu o espírito martirizado e politicamente desiludido dos São-tomenses com o anúncio quase messiânico de dias melhores para todos, em todos os níveis. Tal facto deveu-se à inesperada vitória do ADI nas eleições legislativas, como castigo ao anterior governo (sobretudo) pelos sucessivos escândalos financeiros que envolveram os nomes da maioria dos seus membros e também, ao excesso de confiança, à desunião, guerrilhas internas e ao desnorte que se vivia nos outros grandes partidos da nossa praça. O povo expressou mais uma vez a sua vontade nas urnas e com algum mérito seu, mas, sobretudo por grande demérito dos outros, o ADI recebeu quase de mão beijada, uma benesse que nem nos mais coloridos sonhos do seu presidente parecia possível. Estava assim inaugurada (mais) uma nova fase no (des) governo do nosso querido São Tomé e Príncipe e outra vez, decidiram baptiza-la de “mudança”.

A nova “mudança” começou desde de cedo a querer mostrar serviço e alimentar a ingénua alma dos São-tomenses: Mesmo sem ter a maioria dos deputados que lhe garantiam a necessária sustentabilidade parlamentar para governar com alguma propriedade e segurança, o ADI, numa atitude irresponsável, decidiu avançar para um governo minoritário, sem tentar coligações e sem negociar acordos prévios que lhe garantissem no mínimo, a aprovação do OGE ou, em futuras crises politicas, a não aprovação de uma moção de censura, afinal, os partidários da nova “mudança” não se podiam misturar com os rostos do passado, não é?! (Ou estava na calha, nova compra de deputados?!) E depois, quem precisa do parlamento para governar São Tomé e Príncipe?! O povo aplaudiu!

Formaram um governo com rostos novos, alguns pseudo -independentes e a maioria, jovens quadros que não tinham ainda se lambuzado no mel do poder e que não carregavam o espectro da corrupção. Mas o que lhes sobrava em vontade de trabalhar, em “sangue na guelra” e em espírito patriótico, faltava em experiencia, maturidade política e quiçá, algum “jogo de cintura”, sempre necessário no embrulhado e imprevisível cenário político nacional. A maioria das pessoas nem notou que alguns sectores fundamentais do funcionamento do País, ficaram aparentemente sem “dono” no organigrama do novo governo (turismo, economia, e, pasme-se, agricultura e pesca), mas isso era só um detalhe irrelevante, talvez os dossiês desses departamentos seriam tratados num processo de rotatividade ou de improviso pelos ministros que estivessem mais desocupados em determinadas alturas, o importante mesmo era inovar e não imitar os antecessores, ou não seria pressuposto último da “mudança”, mudar, seja lá no que for. O povo voltou a aplaudir!

O novo primeiro-ministro entrou a todo gás, promovendo uma série de medidas populistas que ficam sempre bem nos tempos de mudança: apontou quatro grandes metas do seu governo que fizeram delirar a opinião pública nacional, mas esqueceu-se de explicar como pretendia atingi-las; garantiu que a corrupção seria sua inimiga de morte e respondendo a um repto lançado por um ilustre cidadão numa carta aberta, disse que iria fazer a declaração pública dos seus bens e mais, iria fazer disso, prática corrente para todos os altos dirigentes do estado; realizou uma série de “visitas surpresa” à sectores chaves da economia nacional, denunciou directores que dormiam muito, enumerou alguns que, segundo ele, não produziam o suficiente e criticou os funcionários atrasados; proibiu o uso de viaturas de serviço do estado aos fins-de-semana e em horário nocturno (o que obrigou os altos funcionários do estado a terminarem cedo o expediente e a não trabalharem aos fins de semana), cortou-lhes também o combustível e os gastos com os telemóveis; disse que passaria a premiar a competência e quem estivesse a fazer um bom trabalho, iria continuar no seu cargo, independentemente da cor política que vestisse; falou na reposição da autoridade do estado e dos valores democráticos; fez visitas de estado de emergência a vários países amigos para agradecer o “apoio” na campanha eleitoral, perdão, para estabelecer novas formas de cooperação e começar já o habitual peditório para o orçamento de estado. Trouxe de lá promessas de investimento, um hotel de 5 estrelas e uma factura avultada para os empobrecidos cofres do estado, perdão outra vez, as viagens e estadia foram oferta dos dirigentes dos países amigos. A “mudança”, afinal tinha vindo mesmo para ficar e o povo, extasiado, aplaudiu mais uma vez!

A nova dinâmica implementada pelo governo e as promessas de dias felizes contagiou tudo e todos. O presidente da república, o presidente da região autónoma do Príncipe, adversários de outras lutas, ilustres membros da sociedade civil e da diáspora São-tomense apoiaram publicamente o novo governo, manifestando a total disponibilidade para trabalharem em conjunto, lançando simultaneamente apelos dramáticos aos partidos da oposição para que deixassem “os homens” trabalhar em paz, por um São Tomé e Príncipe (finalmente) melhor. Até os mais cépticos, os compatriotas realistas e descrentes no futuro do País, habitualmente apelidados como “os do contra” decidiram dar-lhes o beneficio da duvida, acreditando que dessa vez, a coisa poderia ser diferente.

Era esse, o cenário de quase unanimidade, que o governo de Patrice Trovoada conseguiu promover no inicio do seu mandato (transportando-nos para os tempos áureos do PCD de 1991, também ele, portador da bandeira da “mudança”) e nada fazia prever o descalabro que hoje verificamos, ainda mais, sabendo que se avizinham as eleições presidenciais, onde acredito que o próprio Patrice Trovoada não resistirá à tentação de voltar a candidatar-se, deixando o governo do País nas mãos do primeiro-ministro sombra, perdão (hoje não acerto uma), do ministro secretário do governo, que já anda em treino intensivo para cumprir esse “destino”. Tinham pois, a faca, o queijo e até o fiambre na mão, mas, em menos de 4 meses, já perdemos a conta dos sucessivos casos e imbróglios que têm ensombrado o palácio do governo e posto em causa, não só o discernimento intelectual e competência técnica dos membros do governo, mas sobretudo, as “promessas” que prometeram, começando pelo caso “deputado 28” e terminando (para já) no caso “São Lima”. A tão anunciada e super propalada “mudança”, afinal não passou de mais um embuste. Triste sina a nossa.

Um comentário:

  1. Fantástico, excelente análise e leitura da actual situação política do país.

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