Na semana passada, uma boa notícia fez-me viajar por alguns dos momentos felizes da minha adolescência e num exercício de pura nostalgia, deliciei-me com as lembranças de capítulos, pessoas e lugares que me marcaram nessa vida. Falo do regresso do desporto escolar aos estabelecimentos de ensino de São Tomé e Príncipe, anunciado pelo Secretario de estado da juventude e desporto. O desporto escolar no meu tempo, envolvia muitas valências e varias modalidades, mas a sua vertente competitiva a nível do futebol era sem dúvida, a parte mais apetecida. Quem viveu a experiencia dos campeonatos de futebol 5 inter-turmas nas escolas secundárias, saberá certamente do que falo e não deixará de sentir uma certa saudade dos momentos de camaradagem, união e convívio que esses campeonatos nos proporcionaram, além do natural amor à prática do desporto, que esses jogos despertavam na malta jovem.
Lembrei-me primeiro da minha turma da 6ª classe, na ex-Associação dos socorros mútuos na Trindade, uma espécie de posto médico abandonado que durante alguns anos foi transformada em escola secundária improvisada com 5 salas de aulas. A turma G era a turma dos mais velhos, quase todos repetentes e apenas por um atraso no processo da minha transferência de Luanda, fui para lá remetido. Ainda bem. No campeonato do ano lectivo 88/89, a nossa turma dominou e “massacrou” os adversários, terminando a competição só com vitórias, tanto no sector masculino, onde pontificava o Kichu, jovem talento que mais tarde chegou mesmo a envergar a camisola da equipa principal de futebol 11 da Trindade, como no sector feminino, onde davam cartas, a Alcinda “mulata”, ponta de lança mortífera e uma guarda-redes aguerrida que defendia tudo que havia para defender, cujo nome não consigo recordar. Na altura, a timidez em mostrar os meus dotes futebolísticos em público e o excesso de craques, impediram-me de fazer parte da equipa. Como era o benjamim da turma, tive que contentar-me com a posição de homem da logística (vulgo, “aguadeiro”). Os fins-de-semana de competição eram uma festa que apenas por motivos maiores alguém falhava. Assistíamos os jogos, ríamos, brincávamos, gozávamos com os adversários, as vezes zangávamo-nos, mas no fim, éramos todos felizes.
Lembrei-me depois da minha turma da 7ª classe, ainda na ex-Associação dos socorros mútuos. No sector masculino, a turma B já não foi tão bafejada pela sorte no que toca ao talento futebolístico, por isso, no campeonato do ano lectivo de 89/90 ficamos nos últimos lugares, embora me lembre do nosso esforçado guarda-redes, o Hermes, de Monte Café, cujas exibições impediram-nos de levar várias “cabazadas” e que mais tarde, tornou-se titular da equipa de futebol 5 de Belém. No sector feminino, à Alcinda, juntaram-se a Carla e a Joly, formando um trio de respeito que foi impedido de celebrar a vitória no campeonato pela batotice do professor de edução física, árbitro da final que jogamos com a 7ª C, a turma da qual ele era director. Desses tempos, lembro-me sobretudo que os dias de jogo eram também pretexto para as raparigas saírem de casa para os namoricos e, dos momentos de diversão que passávamos no “Vasco”, um “fundo” de um riacho que passava por trás da escola nova da Trindade, cujo nível relativamente raso da água não nos impedia de “dar cabeça fundo” com toda propriedade. No final dos jogos, era no “Vasco” que íamos festejar as vitorias e amargurar as derrotas e lá, adversários de ocasião transformavam-se todos em companheiros de brincadeiras e éramos todos felizes. Ah, lembrei-me também do “matraquilo” velho do senhor Ministro (era esse o nome do homem), em Uba-flôr, para onde muitas vezes transportávamos a saudável rivalidade inter-turmas em torneios improvisados. Uma “mão”, custava na altura 20 dobras. Bons tempos!
Lembrei-me também da minha turma da 8ª classe, já na “escola nova” e por incrível que pareça, passados quase 20 anos, ainda sei os nomes de quase todos os meus ex-colegas ex-professores da turma A. Sinal de que as memorias daqueles tempos continuam bem vivas na minha mente. Na altura éramos todos como uma família e cultivávamos valores que hoje em dia não passam de miragens no deserto de egoísmo e futilidades que se transformou a nossa sociedade. Também nesse ano lectivo de 90/91 o campeonato de futebol inter-turmas teve um sucesso retumbante, embora a nossa equipa feminina não tenha participado por falta de jogadoras (as nossas colegas na altura eram muito “finas” e estavam mais viradas para o clube de poesia criado pelo professor Chandinho) e a equipa masculina tenha sido eliminada na fase final. Ficamos em 3º lugar, se bem me recordo e como prova da marca indelével que esses momentos deixaram em mim (acredito que em todos os outros também), fica aqui, como puro exercício de memória, a constituição da nossa equipa na altura: Nelson Bixi-pô na baliza, Diallo e Agnaldo na defesa (os duplex, como lhes chamávamos), Nilton Garido e Adriano na frente, sem falar dos suplentes de luxo: Laureano, Maizí, Ailton, Gilberto e eu. Um verdadeiro “dream team”.
Com a passagem para a 9ª classe, tivemos que abandonar a nossa querida e pacata Trindade para irmos estudar no Liceu Nacional, na cidade Capital. Desse tempo, no ano lectivo de 91/92, lembrei-me primeiro do facto de alguns colegas terem desistido de continuar a estudar por falta de recursos dos seus pais para lhes pagar a deslocação diária à capital, que mesmo nos falecidos autocarros “ Scania”, ainda ficava caro. No que ao desporto escolar diz respeito, naquele ano, houve um campeonato de futebol 5 e de voleibol, mas apenas no sector masculino. Fomos eliminados logo na primeira volta, nas duas modalidades. Como escolhi o Futebol 5, não posso falar do que se passou no voleibol. No futebol 5, mesmo a grandisosidade do liceu não dispersou o entusiasmo dos alunos. A titulo informativo, fiquem a saber que a culpa da nossa derrota foi claramente o facto de não terem utilizado as “estrelas” da Trindade (eu e o Diallo) e também devido ao excesso de individualismo dos nossos melhores jogadores (senhores Braulio, Burindá e Botelho, a culpa foi vossa, “ouviram”?! Lol). No final do jogo, discutimos bastante, já que era ponto assente que tínhamos melhores jogadores que o adversário, ficamos uns dias amuados, mas depois passou. Aprendemos a lição e hoje continuamos grandes amigos. É essa, a última lembrança que tenho do desporto escolar em São Tomé e Príncipe, na sua vertente de competição.
Nesse remoer de memórias que fatalmente me fez visitar outros aspectos da minha adolescência, uma parte de mim desejou que o tempo voltasse atrás e que, para além das experiências inesquecíveis que a prática do desporto escolar me proporcionou, pudesse também reviver outras situações que hoje em dia, os alunos do secundário, infelizmente deixaram de vivenciar: As festas do 1º de Junho que eram comemoradas até à 7ª classe e onde mais importante do que a roupa e sapatos novos, era o convívio entre alunos e professores; Os “esbanjos” que assinalavam com pompa e circunstancia as lições nº 100 de cada disciplina; A inocência dos namoros de adolescente e os beijos roubados na hora de saída da escola; O companheirismo e a entreajuda entre os alunos, sempre presentes nas horas das provas trimestrais e que se estendiam às épocas dos exames, onde os mais aplicados, os que ficavam dispensados, faziam questão de ajudar os colegas com maior dificuldades nas horas de estudo, sem pedir nada em troca; O respeito e a admiração que nutríamos pelos professores e que eles faziam por merecer e por ultimo, os dias de trabalho cívico na escola. Sim, senti saudades dessa invenção socialista introduzida pelo MLSTP no nosso País. Senti saudades dos sábados que íamos capinar, lavar e pintar a nossa escola, a escola que nos ensinaram a amar e cuidar, a construir e a conservar.
Posto isso, creio que não restam dúvidas sobre o papel preponderante que o desporto escolar pode ter na vida dos nossos estudantes e na sua formação cívica. Não falo apenas do benefício que trás à saúde e da possibilidade de poder-se descobrir alguns talentos nessas competições, mas falo sobretudo do impacto que esse tipo de competição pode ter na vida social dos alunos e na formação do seu carácter. Falo do espírito de equipa, de união e de camaradagem que deve ser cultivado desde tenra idade; Falo do convívio e sociabilização que essa actividade promove entre os alunos, num ambiente diferente da sala de aulas e da possibilidade de poderem ocupar os tempos livres com uma actividade saudável e barata em vez de andarem na "má vida"; Falo da possibilidade deles aprenderem a compartilhar sucessos e insucessos e lutar por objectivos e sonhos colectivos e, falo também da necessidade de se incutir nos nossos jovens desportistas os valores do fair play e da competitividade saudável, para que deixem de cultivar pelos seus adversários, sentimentos como ódio, a inveja e “sede de sangue” que de uma forma geral, graça no desporto São-tomense e influencia o comportamento dos praticantes, dirigentes e adeptos. Por tudo isso, saúdo veementemente a ideia do Secretario da juventude e desporto em ressuscitar a pratica do desporto escolar e faço votos que ele consiga levar esse projecto à bom porto( como quem diz: Que haja dinheiro e vontade politica). É claro que me alegraria muito mais se fosse anunciada a reforma geral do nosso sistema de educação, mas isso são contas do outro rosário.
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