domingo, 13 de fevereiro de 2011

"O POVO É QUEM MAIS ORDENA"

Zeca Afonso celebrizou essa frase na música que despoletou, por assim dizer, a revolução dos cravos no dia 25 de Abril de 1974, que, como sabemos, derrubou a ditadura do Estado Novo e fez implantar a democracia em Portugal. O ano de 2011 trouxe-nos (para já), mais dois exemplos que confirmam a validade intemporal dessa premissa: Os povos da Tunísia e do Egipto, empolados por uma necessidade desesperada de melhoria das suas condições de vida e simultaneamente, pela vontade frenética de abraçar e vivenciar os preceitos da democracia representativa, saíram às ruas e ORDENARAM o fim dos regimes ditatoriais do Ben Ali e Hosni Mubarak que os governavam há 23 e 30 anos, respectivamente. O efeito de contágio dessas corajosas acções é já inegável e irreversível e, embora muitos outros ditadores daquela zona de África (e não só) comecem a precipitar a implementação de algumas reformas “ de fachada” nos seus regimes, creio que não tardará muito para que a revolução também lhes bata à porta, ou melhor, lhes entre pelo palácio dentro, sem bater à porta e sem pedir permissão, como aliás, deve ser apanágio de uma “boa” revolução.

Ao assistir o desenrolar desses acontecimentos, não pude resistir à tentação de imaginar um cenário semelhante no nosso São Tomé e Príncipe e essa tentativa de dar asas às ilusões esbarrou logo numa questão fundamental: Será que nós, São-tomenses, seriamos capazes de nos congregar em volta de um objectivo ou sonho comum de forma a forçar a criação de condições para torna-lo realidade?! Duvido muito, mas, embora pareça contraditório, quero acreditar que seja possível. Já perceberão porquê.

Naturalmente que a nossa revolução, a acontecer, não seria para conquistar a independência ou a democracia, porque essas, com maior ou menor sacrifício, com maior ou menor luta, já as conquistamos e, com maior ou menor expressão, já as vivemos. Mas nós, enquanto povo de um País consecutivamente adiado, com problemas estruturais graves, sentimos que ainda temos muitas conquistas a fazer e certamente muitas delas requererão a emergência de uma alma revolucionária que até hoje tem andado perdida ou subjugada pela pacatez e comodismo que caracteriza o homem São-tomense, cuja expressão máxima podemos encontrar no nosso tão falado “leve – leve”, que, consciente ou inconscientemente, adoptamos como filosofia sagrada da nossa existência. “Leve – leve” para tudo, “leve -leve” sempre.

Noutro patamar, como ficou mais uma vez provado na Tunísia e Egipto, uma revolução para ser bem sucedida carece de 5 ingredientes fundamentais: União, altruísmo, coragem, sacrifício e perseverança. Ou seja, exactamente todas as características que desapareceram (ou nunca chegaram a fazer parte) do ADN da maior parte do povo São-tomense. Somos egoístas; somos desunidos; somos invejosos; somos cobardes e poucos dados à sacrifícios, principalmente à sacrifícios colectivos. E se juntarmos à tudo isso, a facilidade com que actualmente se vende e se compra consciências no nosso País, concluímos que qualquer tentativa para desencadear uma revolução morre logo à nascença. Senão vejamos: Em STP, se alguém tiver a brilhante ideia de “inventar” uma revolução, o nosso tradicional comodismo o convence logo a desistir, dizendo que não vale a pena lutar, que as coisas não vão mudar. E se ele for teimoso e quiser mesmo assim avançar, terá sérias dificuldades em arranjar apoiantes para a sua causa, mesmo que ela seja uma causa colectiva. Se por um passe de magia, conseguir convencer os outros a juntarem-se à ele e avançar com os protestos na rua, a nossa cobardia nos fará recuar assim que a polícia de choque aparecer, ou, no limite, assim que alguém levar com um cassetete no lombo ou um tiro intimidador for disparado para o ar pelas “forças opressoras”. Se mesmo assim, houver pessoas decididas à darem o corpo ao manifesto, como quem diz, à dar o lombo aos cassetetes e o peito à balas, sacrificando-se por um bem maior, o nosso egoísmo e desunião falará mais alto e acabaremos por nos dispersar de imediato, todos contentes por não termos maculado o nosso querido lombinho. E se mesmo assim, num cenário já utópico, decidirmos continuar com a revolução e enfrentar unidos, todas as consequências desse acto corajoso, o poder instituído chamará os cabecilhas da coisa para uma reunião à porta fechada e lhes acenará com uns tostões em troca da rendição incondicional (se calhar isso acontecia assim que o nosso revolucionário conseguisse juntar uns gatos pingados e ameaçasse fazer barulho). Saiam todos contentes do tal encontro, recolhiam os megafones e cartazes, se os houvesse, anunciariam aos outros coitados o fim da revolução e dirigiam-se para o bar mais próximo, onde iam vangloriar-se da sua esperteza saloia e gastar parte do dinheiro arrecadado na comemoração, que hoje em dia é sinónimo de “ comer água” como se não houvesse amanha. É por tudo isso que tenho sérias dúvidas que sejamos capazes de nos “revolucionar” como mandam as regras.

Por outro lado, se quisermos ser optimistas, sob certa perspectiva, podemos afirmar que em São Tomé e Príncipe já vai havendo uma espécie de “minis revoluções” de tempos em tempos, a título individual ou envolvendo pequenos grupos de pessoas, embora o facto de não serem acções consertadas de massas, lhes confira por ora, o redutivo título de “pequenos motins”: Os protestos sobre a falta de água e luz em determinadas zonas; Os protestos sobre a falta de géneros de primeira necessidade no mercado ou sobre o aumento dos preços dos mesmos; Os protestos sobre a situação da justiça; Os protestos contra a exagerada cedência de roças e terrenos aos políticos, também em determinadas zonas; Manifestações de determinados sectores da sociedade (ora jovens, ora motoqueiros, ora funcionários públicos, ora palaiés) e.t.c. Todas essas “minis revoluções”, na sua essência, têm se revelado inócuas e infrutíferas, já que são efémeras, dispersas no espaço e no tempo, não conseguem mobilizar a opinião pública de forma sustentada e duradoura e, são facilmente reprimidas, por acção da policia, pela intimidação politica ou pela força do dinheiro. Sem falar que na prática, nada de concreto conseguem alcançar, além do sistemático renovar de promessas. De qualquer forma, é por esses pequenos laivos de indignação sectorial que quero acreditar que o nosso espírito reivindicativo não está totalmente morto e que sim, que podemos nos congregar em torno de um desígnio nacional e nos “revolucionar” de verdade, como um povo que ORDENA e constrói o seu futuro, caso a situação do País venha a tornar-se realmente incomportável. Continuemos então, com as nossas “minis revoluções” e quem sabe um dia, com a prática, conseguimos dotar-lhes dos elementos necessários para que elas se tornem GRANDES. Acredito que a próxima tenha já data marcada para finais de Julho, nas eleições presidenciais. Vamos ver se o dinheiro continua a falar mais alto do que o nosso amor à pátria.

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