Nota de introdução: “Banho” é o termo popular que em São Tomé e Príncipe designa o fenómeno de compra de consciência, ou compra de votos por parte de agentes dos partidos políticos, que tem sido prática comum e reiterada nos diversos processos eleitorais desde os meados da década de noventa. O “banho” pode ser dado em dinheiro “vivo”, em serviços ou em géneros.
A memória colectiva situa o aparecimento do fenómeno “banho” nas eleições legislativas antecipadas de 1994, ainda em pequena escala e praticado apenas por um partido político, a quem se atribui a paternidade da coisa (não menciono aqui o nome do partido porque apesar de todos saberem da sua existência, o “banho” é algo que ainda não foi cientificamente provado e nem juridicamente punido, logo, posso ser acusado de estar a prestar falso testemunho). Nas eleições presidenciais de 1996 o fenómeno já foi mais visível e acredita-se que teve um peso assinalável no resultado final das mesmas, tendo atingindo o seu “boom” nas eleições legislativas de 1998, quando todos os grandes partidos enveredaram definitivamente por essa prática. De lá para cá, foi sempre a subir e hoje, perto de atingir a maioridade, pode-se afirmar com toda propriedade (mesmo sem as tais provas cientificas) que o “banho” está entranhado no ADN dos processos eleitorais em São Tomé e Príncipe (incluindo as eleições para os órgãos internos dos partidos políticos e votações na Assembleia Nacional) e que, tirando os pequenos partidos políticos que não dispõem de liquidez financeira, todos os outros o praticam, em maior ou em menor escala, com mais ou menos meios, dependendo dos recursos que conseguem “mobilizar” junto dos parceiros estratégicos no estrangeiro (até para as batotices, somos dependentes da “boa fé” da comunidade internacional, pois nenhum partido politico em STP tem outra fonte de financiamento, já que o pagamento de cotas é quase inexistente e a subvenção do estado é o que se sabe).
Quanto à intensidade e qualidade, o “banho” varia consoante as possibilidades e interesses dos partidos e características do eleitorado. Há quem apenas pode apostar no tradicional “banho” de caneca, que muitas vezes nem dá para lavar os cabelos como deve ser; Há quem se dá ao luxo de dar “banho” de chuveiro, com água quente nas noites frias de gravana; Há quem, em momentos de desespero, invista no “banho” de piscina, com espreguiçadeiras a preceito para trabalhar o bronze, e por fim, há os que tomam “banho” de jacuzzi, com direito ao caviar, champagne e umas mãos finas e suaves a esfregarem…as costas. Normalmente, o “banho” de jacuzzi está apenas reservado aos membros do topo da cadeia alimentar, ou seja, aos altos dirigentes dos partidos que aproveitam para se lambuzarem no mel que jorra em abundância nessas alturas, desviando para uso pessoal, recursos (financeiros e não só) destinados aos seus militantes e também, às contratações sonantes (peixe gordo) que são feitas aos partidos adversários ou à sociedade civil. Talvez seja essa a verdadeira razão da propagação dessa chaga social, pois duvido que o “banho” subsistisse tanto tempo e tomasse a proporção que tem, se o único beneficiário fosse o povo pequeno.
Quanto à sua forma e alcance, a evolução do “banho” tem sido espantosa a todos os níveis: Antigamente eram os partidos que tomavam a iniciativa e procuravam os eleitores para os persuadir, e com pequenas quantidades de dinheiro e alguns brindes de campanha fazia-se uma festança e garantia-se a fidelização de um número considerável de eleitores, que por medo, ou por peso na consciência, normalmente acabavam por votar naqueles que lhes soltavam algum “ferro”. Actualmente, são os eleitores que tomaram o gosto à coisa e procuram os políticos, em vez de serem procurados por eles, as vezes até de forma anormalmente organizada, com listas pormenorizadas de supostos seguidores, com projectos fantasmas bem delineados(pessoais ou colectivos) em busca de financiamentos, com falsos atestados de óbito, pedindo apoio para enterrar a familia toda, com supostas informações valiosas sobre os adversários e até, com uma estratégia de acção a ser implementada nas zonas de residência durante o período de campanha, ameaçando “virar” para os outros partidos caso não sejam atendidas às suas “reivindicações”ou, recusando-se a votar sem antes garantir o seu quinhão, que ao sabor da inflação, atinge hoje valores astronómicos para a realidade São-tomense (lembro-me com algum saudosismo, do tempo em que 20.000 dobras e umas quantas cervejas nacionais “cano alto” era considerado um “banho” de chuveiro. Nos dias de hoje, isso nem dá para lavar o pó de gravana dos pés). Ou seja, antigamente eram os partidos que ofereciam, hoje, de certa forma, é o povo que exige, sabendo que é a única forma de “safar” a sua tese e ver realizados alguns projectos sociais nas suas áreas de residência (chafarizes, lavandarias públicas, geradores eléctricos, televisores, equipamentos de som para grupos de Bulauê, parabólicas, casas sociais e.t.c). Além disso, actualmente, o alcance do “banho” já não é tão linear e apenas uma pequena percentagem do eleitorado ainda vota em função das benesses que recebeu de um determinado partido, ou seja, o povo “abriu o olho” e percebeu que o voto é realmente secreto e que pode votar da forma que lhe apetecer e dar-se ao luxo de “comer” o dinheiro de vários candidatos ou partidos, sem dó e nem piedade, camuflado em falsas juras de fidelidade, pratica que é cada vez mais comum no eleitor São-tomense. De certa forma, pode-se concluir que, no que ao "banho" diz respeito, antigamente eram os políticos que enganavam o povo, agora é o povo que os engana.
Quanto à sua extensão temporal, existe o “banho” pré-eleitoral, que acontece nos meses anteriores a qualquer acto eleitoral; O “banho” eleitoral, que acontece durante o período das campanha eleitorais e por fim, o “banho” de boca de urna, que se desenrola na calada da noite, na véspera do dia das eleições e no próprio dia do voto. O “banho” pré-eleitoral normalmente é de âmbito colectivo, consiste no levantamento das necessidades das comunidades e na resolução de alguns problemas urgentes que podem levar algum tempo a se concretizar (chafariz, lavandaria, gerador, pequenas estradas, e.t.c. O que sob certo prisma, até nem é mau de todo) no patrocínio de festas de freguesia e as vezes, na contratação de influentes personalidades para defenderem as cores do partido no período eleitoral. O “banho” eleitoral é mais imediatista, consiste na entrega de materiais de instalação e utilização rápida (Televisores, parabólicas, chapas de zinco, bicicletas, motos, telemóveis), no patrocínio de festas e piqueniques, na oferta de saldos para telemóveis e senhas de combustíveis, na compra de cartões de eleitores supostamente de outros partidos, para subtrair alguns votos aos adversários e na entrega de algum dinheiro em determinadas situações. Por fim, temos o “banho” de boca de urna, que é um regabofe total, em termos de uangamento de dinheiro e consiste na entrega de determinados valores, directamente aos eleitores, na madrugada do dia de reflexão, em pequenas reuniões pré-programadas em quintais privados e no próprio dia das eleições, junto às assembleias de voto. Não é pois de estranhar que nas vésperas das eleições, as pessoas fiquem acordadas até a madrugada, a espera da visita do “pai natal” ou a existência de grupos de pessoas junto das mesas de voto, que exibem orgulhosamente os dedos ainda não machados pela tinta indelével, adiando até a última, a ida às urnas, esperançados em avistar nos arredores, alguém carregando um saco ou mochila, ou mesmo, carros misteriosos que estacionam discretamente nas traseiras dos locais de voto e mandam espalhar a notícia da sua presença. Tudo isso com o beneplácito dos membros da mesa, dos observadores internacionais e dos agentes da lei. Creio que, de todas as formas de “banho”, o de boca de urna é a pratica mais condenável e que é urgente e imperioso encontrar-se forma de a combater. Só para terem uma ideia da barbaridade da coisa, nas eleições do dia 1 de Agosto, ouviu-se falar em valores a rondar as quinhentas mil dobras por pessoa nos distritos de Mézochi e Água Grande, e em Cantagalo, houve quem oferecesse 50 dólares e 3 chapas de zinco a cada eleitor no dia das eleições. Mesmo descontando o tradicional “aumentar” dos São-tomenses, dá para ter uma ideia da proporção que a coisa já tomou.
No final, aparecem os dirigentes de alguns partidos políticos, qual meninos de coro, clamando inocência e lançando acusações hipócritas a determinada força politica, como sendo o único promotor do “banho” em São Tomé e Príncipe, tentando convencer a opinião publica de que não rezam pela mesma cartilha, para depois de garantir a vitoria, assumirem num órgão de comunicação social estrangeiro que afinal, o “banho” é um mal necessário e quem não o praticar, quem for ingénuo para lutar contra isso, acabará por ter mais prejuízos do que ganhos. E esta, hein?!
Felizmente, creio que o mito de combater o “banho” com mais “banho”, a desculpa de utilizar as mesmas armas que o adversário para não partir em desvantagem está a desvanecer e a classe política já começa a perceber que o “banho”, principalmente o “banho” de boca de urna, é cada vez mais ineficaz e que em última analise, tem algum efeito no reforço da convicção dos militantes mais ferrenhos e talvez, serve como “o canto da sereia” para alguns eleitores indecisos na hora da verdade, mas, cada vez tem menos impacto na consciência da maioria do eleitorado, que vai para as urnas já com uma opinião formada, com uma decisão tomada, baseada sobretudo nas suas ilusões, desilusões ou expectativas criadas em volta de um partido ou candidato. Por isso, penso que nem vale a pena nos matarmos a matutar soluções milagrosas para resolver o problema do “banho” em São Tomé e Príncipe, já que esse fenómeno acabará fatalmente por desaparecer a medida que os nossos políticos forem se dando conta que cada vez se “investe” maiores quantias de dinheiro e os resultados correspondem cada vez menos às suas expectativas, já que dependem cada vez mais de outros factores que são normalmente negligenciados. Mesmo os que continuarem a persistir nessa pratica, por causa do tal “banho” de jacuzzi, encontrarão resistência nos seus parceiros internacionais, que não estarão dispostos a manter a torneira infinitamente aberta, a troco de coisa nenhuma. Dois grandes partidos sentiram isso na pele nas eleições passadas, veremos até onde vai a temeridade e teimosia dos outros dois. Se por acaso estiver errado nas minhas conclusões e a coisa continuar, cada vez com maior intensidade, que Deus se compadeça então com a alma da nossa pobre democracia e consequentemente, com o destino da nossa nação.
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