Dois Jovens estudantes São-tomenses encontram-se numa rua de Lisboa:
Jovem 1 – Xêêê, rapaz, tas em Portugal?
Jovem 2 – Yá, tou aqui desde Setembro, tas fino?
J1 – Tô Balelado, então e o curso que estavas a fazer em França?
J2 – Epá, aquilo era complicado, não consegui arrancar no francês e perdi a bolsa.
J1 – A Sério? Teu pai deve ter ficado fodido contigo, ele queria tanto te ver doutor.
J2 – No princípio ficou, mas depois eu lhe dei uns katás e o velho entendeu…ele até já me arranjou outra bolsa.
J1 – Ahmm…Então mêu tá aqui com outra bolsa?! Sim senhor, isso é que boa vida.
J2 - Sabes como é que é, temos que ter os canais sempre abertos.
J1 – Mas isso não é pra todos, eu fiquei quatro anos na terra a espera de bolsa e nunca consegui nada, tive que vir saber de vida assim mesmo, ando a trabalhar e a estudar de noite.
J2 – yá, não sei como é que não conseguiste, sócio era um dos melhores alunos da turma, acabaste com média 15, né?
J1 – 16! E com 17 anos, não é gabar, mas eu acho que eu tinha o perfil do candidato perfeito a uma bolsa de estudos do governo, aliás, há muitos outros como eu, que perdem essa oportunidade por não ter padrinhos na cozinha.
J2 – Sócio não mexeu água bem, sabes que lá na terra as coisas funcionam assim.
J1 – Eu sei, mas não me conformo com essa situação, já calculaste o numero de bons quadros que o país deixou de formar por causa dessa politica de compadrio na atribuição de bolsas?
J2 - ………..
J1 – Mas eu candidatei-me pra esse subsidio da Embaixada, apesar de ser intermitente, tenho esperança que saia qualquer coisa.
J2 – É verdade, meu velho também falou-me desse mambo, tenho que passar na Embaixada pra saber se meu nome já ta nessa coisa.
J1 – Xêêê… tas em todas! Mêu quer abraçar mundo ou qué?
J2 – Epá, com budo não se brinca, tou a contar com esse guito pra comprar um carrinho, o meu pai vendeu o outro que eu tinha porque disse que eu tava a ficar muito bandido.
J1 – Mas não te incomoda o facto de estares a tirar o lugar de outra pessoa que realmente precisa desse cumbú?
J2 – Mêu é engraçado…eu é que tou a vir consertar o mundo? Cada um tem que se safar a sua maneira. J1 – É esse o nosso problema…
J2 – Pelos vistos continuas o mesmo sonhador, abre o olho sócio, mundo é dos espertos.
J1 – Yá, tens razão, o mundo é dos espertos…Mas também esse guito não é certo, há sempre atrasos e as vezes quando chega eles nem te dizem nada.
J2 - Mas o meu tá garantido. Eu tinha ouvido que tavas pra ir pra Cuba naquele grupo de 200 e tal estudantes.
J1 – Nada pá, eu desconfiei daquilo, era muita esmola pros pobres. Preferi ficar aqui mesmo, já estou minimamente com a vida estável e não quis arriscar. Pelos vistos fiz bem.
J2 – É verdade, dizem que as coisas lá não vão bem, começou a faltar dinheiro, as promessas não foram cumpridas, há people a passar mal, inclusive as famílias é que têm que mandar algum guito pra eles sobreviverem.
J1 – Aqueles que têm família com algumas condições, né? Mas esse é o destino de todos os estudantes São-tomenses espalhados por esse mundo fora que dependem financeiramente do nosso governo. Isso é um mal já antigo. É incrível como é que ninguém até hoje se debruçou seriamente sobre esse problema, fazem as coisas em cima do joelho, mal programadas e depois os filhos de cada um é que sofrem.
J2 – Acho que ainda um dia desses ouvi na RDP África um caso de um compatriota no Brasil que estava a passar fome e corria o risco de ser expulso de casa por falta de pagamento.
J1 – Esse é apenas um entre muitos casos, garanto-te! Mas o mais incrível é que mesmo com essas condições, mesmo passando sérias privações, os nossos compatriotas em regra conseguem concluir com êxito as suas formações.
J2 – yá, mas se calhar se não fosse assim eles não se dedicavam tanto, ficavam como os outros só na boa vida e acabavam por perder-se.
J1 – Podia até ser, mas mesmo assim, já que os tiram do seu País, deviam lhes proporcionar as mínimas condições para terem uma vida digna, não em excesso, mas acho que todos mereciam o mínimo indispensável e não essa vergonha que tem verificado desde sempre. Sabias que se chega ao cúmulo de ser o próprio Ministro a aconselhar os estudantes a só fazer uma refeição por dia pra poupar o dinheiro, porque não se sabe quando é que “ aparecerá” um novo financiamento?
J2 – É… São verdadeiros heróis esses cambões, deviam ser condecorados. Se calhar é por isso que poucos regressam. Guardam uma certa mágoa do País, por terem passado muito mal e quando terminam os cursos estão mais interessados em ficar no País de acolhimento para tentar ganhar muito dinheiro e compensar os anos de privação que passaram.
J1 – Não é só isso, o que falta mesmo é uma politica funcional e equilibrada de incentivo ao regresso dos quadros por parte do nosso Governo, qualquer um que regresse a S. Tomé hoje, está por sua conta e risco. E se não tiveres mais nenhum familiar lá? Como é que fazes, se quando acabas o teu curso nem te dão garantias de um emprego e uma habitação? E nesse aspecto nem era preciso inovar, é só copiar o que os outros fazem. Olha o caso de Cabo Verde.
J2 – É verdade, mas ultimamente até que andam a regressar muitos estudantes, inclusive alguns dos nossos colegas.
J1 – São aqueles que acreditam em tempos de Bonança por causa do petróleo e estão dispostos a arriscar agora para depois colher o fruto. Não os censuro. Só tenho pena que muitos chegam lá a pensar de uma forma e depois de 4 a 6 meses sem salário e alguns aliciamentos, mudem totalmente a sua forma de pensar, deitam por terra todos os valores que nortearam as suas vidas até então e começam também a pensar servirem-se de São Tomé Príncipe e não servir São Tomé e Príncipe. Já notaste que hoje em dia em São Tomé todos querem ser políticos?
J2 – Yá, agora os Partidos Políticos em S.T nascem como bananeiras. Mas se calhar eles acham que essa é a única forma de tentar fazer alguma coisa pela terra, sabes que se não for assim, é difícil entrar no sistema.
J1 – Não creio que seja esse o caminho, devíamos todos reflectir seriamente sobre essa questão, mas…Confesso-te que já tive mais esperança nessa nossa geração, mas é com o coração afogado na tristeza que te digo que continuando as coisas a esse ritmo, fatalmente acabaremos por trilhar o mesmo caminho dos mais velhos.
J2 – Até que enfim vejo-te a ser realista, mas é preciso não desistir. Eu mesmo digo essas coisas e ajo como um irresponsável e futuro corrupto, mas lá no fundo eu quero também contribuir para melhorar S.T.P, mas é preciso reunir o pessoal todo em torno desse objectivo e fazer as coisas acontecerem, sozinho não se chega lá. Sócio vai armado em carapau de corrida sem ninguém a te apoiar e depois aleijas, mal aleijado.
J1 – yá, tens razão. Epá sócio, tenho que bazar, vou pra biblioteca estudar, as frequências estão a chegar e é preciso estar no ponto.
J2 – Eu também tenho que ir, combinei com uma petit no Colombo. Gostei de te ver. J1 – Eu também, vê se ganhas juízo.
J2 – yá, tá-se.
...E seguiram cada um o seu caminho, descontraidamente pensando na vida.
Lisboa 14/05/05
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