“ Disseram que este dia nunca chegaria, que ambicionávamos muito e que as nossas expectativas estavam muito altas…”
Foi assim que Barack Hussein Obama , o agora presidente eleito dos EUA, começou o seu discurso de vitória nas primárias Democráticas do Iowa no dia 3 de Janeiro de 2008, um estado em que 98% da população é branca.
Já nessa altura, quase um ano depois de ter anunciado a sua candidatura à presidência dos EUA e de ter posto em marcha aquela que veio a ser reconhecidamente a mais incrível, inspiradora, galvanizadora, organizada, profissional e a mais bem financiada campanha eleitoral de todos os tempos nos EUA, notava-se que algo de muito grande e diferente estava a acontecer na América. Apenas os cínicos e os apóstolos da desgraça se recusavam a ver que um negro, filho de um imigrante Africano “negro como o alcatrão” e de uma mãe Americana “branca como a neve” e com um nome nada popular nos dias de hoje na América, começava a dar mostras de que estávamos no inicio de um movimento que iria “varrer” a América de Este a Oeste e fazer estremecer as bases mais conservadoras do eleitorado Americano, revolucionando de forma radical a mentalidade do povo Americano no geral e transformar essa eleição nos EUA na primeira eleição global, seguida e debatida de uma forma nunca antes vista nos quatro cantos do Mundo.
Muitos de nós jamais sonhou presenciar este momento, por toda a carga histórica que ele carrega e por tudo que os negros Americanos passaram até ao século passado e pelas divisões e feridas que pensávamos ainda estarem abertas nas relações entre os negros e brancos na única superpotência mundial. O próprio Obama sempre admitiu que ele não era o candidato mais provável, pela sua historia de vida, pelas suas origens pobres e por não ser alguém do “stablishement” em Washington e embora nunca o referisse, sabia também que a cor da sua pele podia pesar na escolha final de um eleitorado maioritariamente branco. Por isso desde o início, a sua campanha foi focada na sua mensagem de esperança, nas suas ideias de mudança, na visão dos EUA como um só País e um só povo e não o conjunto de estados “vermelhos” e estados “azuis”, na nova forma de fazer politica em Washington e nunca na questão racial porque ele queria ser o candidato que de todos os Americanos e não apenas dos Afro-americanos, que representam apenas 13% da população dos EUA. Até mesmo os seus adversários raramente usaram esse tema na campanha com medo de que o feitiço se virasse contra o feiticeiro.
Ele lutou contra tudo e todos, rompeu barreiras, os seus discursos eloquentes cativaram centenas, milhares e depois milhões de pessoas nos EUA e pelo mundo fora, convenceu os Afro-americanos que no início hesitaram em apoiar “mais” um candidato negro que não passaria das primarias do seu partido, convenceu os hispânicos que maioritariamente apoiavam a Hillary Clinton, convenceu as mulheres, cativou os jovens, reuniu a sua volta o maior numero dos independentes, convenceu muitas pessoas que nunca haviam votado e nem participado em nenhuma eleição antes e no fim dessa longa jornada, ele conseguiu! Não por ser negro, porque outro politico negro qualquer nesse momento não tinha nenhuma hipótese de sucesso, não por apenas falar bonito, mas pela consistência das suas mensagens, pelo seu carisma, pela sua inteligência, pelos planos que tem para a América e o para o mundo, pelos valores que defende, por ter inspirado as pessoas fazendo-as sonhar com dias melhores e por ter feito os Americanos verem para além da cor da sua pele. O caminho será longo e difícil como ele mesmo reconheceu no seu discurso de vitoria, haverá quem o quererá ver falhar e há muitas decisões difíceis a tomar, mas acredito que não fará pior do que o seu antecessor e só por isso, já terá valido a pena ele ter conseguido.
Sim, ele conseguiu!
Ele conseguiu romper a barreira racial numa América onde a memória dos séculos de escravatura e das clivagens causadas pelos longos anos de luta pela conquista dos direitos cívicos por parte da minoria negra ainda faziam pender sobre a sua cabeça o espectro da desconfiança e do preconceito por parte da maioria branca.
Sim, ele conseguiu!
Ele conseguiu ultrapassar a questão do nome que em teoria duplamente o penalizava na América pós 11 de Setembro: A associação que muitas mentes maldosas fizeram do seu nome a Osama, conotando-o ao terrorismo (chegaram mesmo a chamar-lhe terrorista em alguns comícios de McCain e Palin) e do seu nome do meio ao falecido ditador do Iraque, sadan Hussein, sem mencionar a questão da sua religião por causa do nome “muçulmano” Hussein. Como para a maioria dos Americanos, Os muçulmanos são todos terroristas…
Sim, ele conseguiu!
Ele conseguiu “bater” a toda-poderosa ex Primeira-dama e Senadora Hillary Clinton numas das eleições primárias mais emocionantes e disputadas de sempre no partido Democrático. Partiu como outsider, sem apoios importantes e sem dinheiro, apenas com uma mensagem algo vaga de mudança e esperança e com a experiencia de dois anos como Senador dos EUA e alguns anos de trabalho como organizador comunitário nos Bairros problemáticos de Chicago, experiencia essa que se veio revelar fundamental na forma como delineou as estruturas bases da sua campanha.
Hillary tinha o dinheiro, o nome e o apoio da maior parte do Partido Democrático e era dada como imbatível, não só nas primárias democráticas, como nas eleições gerais. Esqueceram-se os analistas que nessa coisa chamada Democracia é o povo quem mais ordena.
Sim ele conseguiu!
Ele conseguiu enfrentar com estrondoso sucesso a maquina trituradora Republicana que como sabíamos de antemão, iria usar de todos os meios para o atacar e o deitar abaixo como fizeram antes com Al Gore em 2000 e principalmente com John Kerry em 2004.
Disseram que ele era inexperiente e ingénuo, que não estava preparado para ser comandante em chefe dos EUA por causa das suas posições sobre a guerra do Iraque e da nova forma de abordar a politica externa dos EUA, pondo a frente da afirmação militar, a diplomacia. Disseram que ele era uma celebridade com ideias vagas, chegando mesmo a compara-lo com as “desorientadas” Paris Hilton e Britney Spears. Chamaram-lhe Muçulmano e Terrorista, mostrando fotos suas usando um turbante aquando da visita que fez ao Quénia e mais tarde relevando a sua suposta amizade com um ex terrorista Americano que na década 60 espalhou algumas bombas em Washington quando Obama tinha…8 anos. Questionaram o seu Patriotismo, lançaram suspeitas sobre a origem do dinheiro que financiou a sua campanha, questionaram de forma pouco ortodoxa as suas politicas na saúde, na educação na energia e principalmente na economia. Até contrataram o canalizador Joe para fazer campanha por eles. Por ultimo, já em desespero, sugeriram que ele era Socialista, o que na América é entendido como comunista e um comunista na casa branca é algo que os Americanos nem nos piores pesadelos admitiam.
Sim, ele conseguiu!
Ele conseguiu montar uma extraordinária máquina eleitoral financiada por cerca de 700 milhões de dólares doados por mais de 3 milhões de pequenos doadores e rejeitou o dinheiro dos “lobistas” de Washington, algo inédito até hoje. Ele conseguiu reunir uma incrível rede de voluntários e implantou sedes de campanha nos 50 estados dos EUA em números nunca antes vistos. Ele conseguiu encher os pavilhões, os estádios e os parques por onde passou em campanha e onde as pessoas esperavam horas nas filas só para o ouvirem. Ele conseguiu reunir o apoio dos maiores jornais e sindicatos dos EUA. Ele conseguiu conquistar o apoio de grandes figuras do partido Republicano e de muitos eleitores republicanos também. Ele conseguiu ser o preferido de muitos dos grandes lideres mundiais que clamavam por uma mudança urgente na casa branca depois do desastre que foi a administração Bush e no fim ganhou as eleições de forma convincente e incontestável, com dois terços do colégio eleitoral, com 53% do voto popular e com vitorias em 29 dos 50 estados dos EUA, incluindo alguns bastiões dos Republicanos onde os democratas não ganhavam há mais de 40 anos.
SIM, ELE CONSEGUIU!!!!
Queluz, 5/11/08
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