Dois São-tomenses bem formados e observadores atentos da realidade sócio-politico-economica do País, comentavam assim o filme “Ninjas Vs A. Correia”:
São-tomense I – Epá, já viste? Os ninjas conseguiram correr com o Armando Correia.
São-tomense II – Eu não tinha te dito isso já? Estava mesmo a ver que as coisas iam acabar assim, até demorou muito…
S. I – Parece que o Governo ficou com medo e teve que aceitar as exigências deles. Achas que não fizeram bem?
S. II – Epá, foi bom ter-se evitado que a coisa complicasse mais, agora se isso foi feito da melhor forma, o tempo encarregar-se-á de nos dizer. Uma coisa é certa, se se passar uma borracha sobre o acontecido e ninguém sofrer consequências, fica aberto um precedente gravíssimo, aliás o precedente já estava aberto depois dos dois golpes de estado, agora com essa cena o precedente fica todo inhangado. Qualquer dia desses começa-se a ir para a feira do ponto com francote na mão para obrigar as palaiês a baixarem o preço do voador.
S. I – Mas também eles não tinham muito espaço de manobra, os gajos até deram 24 h para o Governo decidir e estavam dispostos a dar a vida por essa causa, acho esta posição de força assustou um bocado o Governo. Mas convenhamos, achar que os homens iam morrer por causa de um mero equívoco administrativo, isto era só tesão de mijo pá, zôplo d´ubuê.
S. II – Será que era mesmo só isso? Não estarás a pintar o quadro em tons cor-de-rosa quando devia ser negro escuro?
S. I – O quê?! Será que há mesmo alguma artimanha política atrás disto? Ou achas mesmo que os gajos podiam levar isto até as últimas consequências como diziam?
S. II – Meu amigo, se há alguns anos atrás se me dissessem que os São-tomenes eram capazes de dar um golpe de estado, de caçarem-se uns aos outros com balas verdadeiras na feira do ponto ou de tomarem o quartel da policia com armas automáticas a dizerem que estão disposto morrer em combate se o Governo não substituir o comandante, eu certamente acharia que a pessoa andava na tampa de bule ou não batia bem das pernas, mas da maneira que as coisas vão, acho que devemos começar a levar a sério esse tipo de ameaças e esperar sempre pior.
S. I – Nada sócio, acho que esses acontecimentos pontuais são frutos de impulsos de momentos, e como sabes, acaba sempre tudo bem, na paz. Não está na nossa natureza ir muito mais longe do que isso e depois somos todos primos, lembras-te?
S. II – Aié? O tempo, sobretudo os contratempos fazem as pessoas mudarem a sua natureza. Analisa o seguinte: O povo anda descontente, frustrado e com fome, a autoridade do estado é constantemente posta em causa, não se sabe quem manda e aonde manda, as condições de vida das populações estão cada vez degradadas em contradição com as da burguesia reinante, a anarquia e a desordem conquistam cada vez mais espaço na nossa sociedade, agora até aqueles que supostamente deviam manter a ordem andam a brincar de cowboys. Eu digo-te: Estão reunidas todas as condições para o barril de pólvora que hoje é a nossa sociedade explodir a qualquer momento.
S. I – Épá, deixa de falar atóa, não acredito que cheguemos um dia a esse extremo. É claro que essas situações têm o seu quê de preocupante, mas dizer que as coisas podem ficar mais pretas em termos de reacções violentas é ser muito pessimista e totalmente deslocado da nossa realidade. Acorda sócio, estamos em STP.
S. II – Meu caro, junte à fome, à miséria e à revolta que hoje é visível em muitos sectores e zonas de STP a sede cega de poder e o sentimento de impunidade que reina na nossa classe governante e vê lá se não temos o detonador perfeito para situações de maior gravidade que ponham em causa a existência de STP enquanto Estado democrático, de direito e pacifico? As pessoas não se respeitam, a sociedade está decadente em termos de valores, as pessoas sentem que o trabalho honesto e o esforço profissional não as levam a lado nenhum, os exemplos que vêm de cima são aqueles que conhecemos, abre-se estes precedentes de mão leve para aqueles que atentam contra a ordem pública, os órgãos de soberania não se entendem, os militares andam numa paz podre com o poder instituído, a justiça já nem anda a passo de caracol, está parada no meio da estrada a ser constantemente atropelada pelos jeeps dos bosses e já há muito que somos o País do salve-se quem puder, a casa da mãe Joana. Por tudo isso não te admires se um dia desses os primos se zangarem a sério e começarem uma briga familiar do tipo que houve em Moçambique, Angola ou Ruanda.
S. I – Credo, nem a brincar digas uma coisa dessas. E depois são Países diferentes e situações totalmente distintas da nossa, não se pode comparar.
S. II – Não se pode comparar??? O que esteve na origem dessas guerras? Não foi a ambição dos homens? Não foi a falta de entendimento entre os que mandavam? Não foi por acaso a sede do poder e a fúria de açambarcar as riquezas do País? E o que tens visto em STP, principalmente desde que se descobriu o petróleo? Pode até ser que eu esteja a exagerar na comparação, mas escreve o que eu digo: A esse andar não estamos longe de vermos uma sublevação popular de proporções catastróficas no nosso país. Ontem foram os militares, hoje os polícias, amanha serão os candongueiros ou os pescadores e quando dermos conta, âua uê só.
S. I – Realmente sou forçado a concordar contigo nesse ponto, temos caminhado para um beco sem saída, mas estou convicto de que os São-tomenses encontrarão sempre uma saída airosa para qualquer tipo de situação mais complicada que surgir no futuro e saberemos sempre evitar a via da violência para ultrapassar os obstáculos que surgirão na nossa luta por uma sociedade mais equilibrada e por um País mais justo, pelo menos quero acreditar nisso.
S. II – E achas que eu não quero também acreditar nisso? Mas eu sou realista e a realidade diz-me que essas outras formas de lutas, nomeadamente as greves, a manifestações populares, as denuncias ou outro tipo de acções para pressionar o poder esbarram no facto de só funcionarem quando se está organizado, quando se tem os olhos abertos, quando não se é bruto e atrasado, analfabeto e invejoso e numa sociedade em que as instituições funcionem, o que não é o nosso caso, sem contar com o facto das pessoas serem facilmente compradas e de se poder facilmente comprar as pessoas, aquelas que ousam enfrentar o poder, mas que não podem deixar de comer, de sustentar os seus filhos e até de gostar de engolir moedas.
S. I - Sócio realmente consegue ser muito realista, o que achas então que devemos fazer para mudar essa situação e evitar o abismo?
S. II – Esta é uma questão que devia preocupar todos os São-tomenses de boa vontade que ainda não foram corrompidos pelo comodismo, pelo marasmo e pela mediocridade e que ao seu modo continuam a lutar por um São Tomé e Príncipe melhor. Quanto a mim a resposta é simples: Temos que suar muito meu caro, porque ainda nos falta fazer TUDO!!!
... E seguiu-se um momento de silencio, com o dois a pensarem de forma mais profunda na conversa que acabaram de ter.
Lisboa 26/01/06
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