Uma mãe aflita, chega com o seu filho doente a uma dessas clínicas com nome de santo que proliferam na nossa capital:
Mãe - Bom dia sô dotor!
Medico - Bom dia, diga lá o que se passa!
Ma - Meu filho passou a noite toda com dor de barriga, já lhe dei chá de folha de goiabeira, vumbada e até já lhe lavei cara com xixi, mas até agora a dor não passou.
Me - É assim que vocês matam as crianças, quem lhe disse que é saudável ingerir essas coisas?
Ma - Ooohhh... Desde criança que a mãe me ensinou que vumbada limpa barriga e xixi é para afastar zálima blucu.
Me - Já vi que a sua ignorância é hereditária, nem vale a pena discutirmos isso. O seu filho parece aflito, porquê não o levou directamente ao Hospital Central?
Ma - Dotor acha? Pra ficar lá bué de tempo a espera pra depois darem uns comprimidos de maiuia e mandarem-me pra casa? Eu prefiro gastar um bocado de dinheiro aqui na clínica, ao menos não demora muito e meu filho fica bom logo.
Me - Nesse ponto a senhora até tem razão, aqui o atendimento é mais personalizado e temos mais tempo para cuidar dos pacientes... Tira a camisa do seu filho e deita-lhe na cama...
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Me - Diz: Aaaahhhh....outra vez!...aqui dói?... E aqui?...humm... Isso deve ser paludismo!
Ma - Qué quá? Paludismo faz barriga doer dotor? Rapaz nem tem febre nem nada...
Me - Oh minha senhora, afinal quem é o Médico aqui? A senhora não sabe que o paludismo as vezes ataca o estômago? A senhora é mesmo uma ignorante.
Ma - Quéi dotor, eu não ignorei não, desculpa-me, eu não sabia disso.
Me - Mas de qualquer forma, vou mandar fazer uma análise para tirar as dúvidas.
Ma - E gente paga essa análise?
Me - Claro, a senhora sabe que nós vivemos com muita dificulidade, não podemos fazer as coisas de graça, ainda se o Estado comparticipasse as despesas de saúde...
Ma - O Estado quê?
Me - Esquece! É só um sonho que está longe de se concretizar. Então? Fazemos a análise ou não?
Ma - Kei Dotor, eu não posso estar nessa vida não, meu filho tem só 5 anos e já adoeceu paludismo 4 vezes. Assim não dá… Dinheiro nem chega pra gente viver e ainda tem que gastar com consulta e comprimido. Se dotor diz que é paludismo é porque é mesmo, não precisa fazer análise.
Me - A senhora é que sabe. Então vou lhe receitar Quinino, para tomar dois comprimidos de oito em oito horas.
Ma - Quéi, Quinino outra vez? Dotor não tem outro remédio não?
Me - Só se a senhora quiser Halfan?
Ma - Dotor quer matámo? Halfan é comprimido pra gente gordo, dá-me Quinino assim mesmo. Desde que eu nasci que gente anda nesse padecimento de paludismo e até hoje ninguém conseguiu resolver esse problema, passam a vida a comer dinheiro só e nem porcaria de mosquito conseguem matar de vez.
Me - A senhora até tem uma certa razão, mas olha que erradicar o paludismo em STP não é tarefa fácil.
Ma - Não é fácil ou eles é que não estão interessados? Como a família deles quando adoecem vão logo de junta pra Portugal, o povo pequeno é que padece.
Me - Isso das Juntas médicas são contas de outro rosário. Olha, aqui está a receita, a senhora pode comprar os comprimidos na farmácia aqui da clínica que é mais barato.
Ma - Mais barato que na feira do ponto?
Me - A senhora quer Quinino ou pasta de farinha de tigro? Cuidado com esses medicamentos da feira do ponto. Aqui na clínica a qualidade é atestada, os medicamentos vêm directamente do Hospital Cen… quer dizer, de Portugal.
Ma - Dotor “tem razão. Muito obrigada pela atenção.
Me - De nada, estou aqui para servir. Então até um dia e melhoras para o menino, não se esqueça de acertar as contas com a minha secretária.
Ma - Vê essa parte…Até amanha Dotor.
...E depois de "acertar" as contas, lá seguiu a mãe o seu caminho, com a esperança de que o seu filho tão cedo não volte a adoecer, para não ser obrigada a espremer outra vez o seu ja espremido orçamento familiar.
Lisboa 8/09/05
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