Dois compadres conversavam na ilha do Príncipe dias depois do naufrágio do “Thereze”, sendo que a mulher de um deles se encontra entre as 14 pessoas ainda desaparecidas:
COMPADRE 1 – Então compadre, como é que tens segurado as pontas? Já há alguma novidade sobre a comadre Maria?
COMPADRE 2 – Até agora nada, não há noticias nenhumas … confesso que começo a perder a esperança… Já se passaram 3 dias e nenhum sinal…Com as condições que o País tem para esse tipo de busca e salvamento, acho que é melhor começar a mentalizar-me de que ela se foi de vez e ganhar coragem para contar aos miúdos…
C1 – Vai ser muito difícil para eles, tão novos e perder assim a mãe, desta forma tão absurda… Mas eles não desconfiam de nada? E o compadre? Como tem gerido essa situação?
C2 – Tem sido muito complicado meu amigo, olhar para eles e não poder dizer a verdade, inventar desculpas para o atraso da mãe com a esperança de que ela ainda fosse encontrada com vida e conter toda a tristeza e revolta que vai dentro de mim…Mais 14 vidas se perderam por causa ganância de uns e da incompetência e desinteresse de outros…Quantas mais vidas serão necessárias para que se resolva de uma vez por todas a situação da ligação entre São Tomé e o Príncipe? Será assim tão difícil comprar um barco em condições?
C1 – Tens toda razão… toda gente está revoltada com esta situação…Não se compreende como é que 33 anos depois da independência nenhum Governo até hoje tenha feito desta questão uma prioridade… Se somos um mesmo País, um mesmo povo, como se explica que ninguém tenha resolvido a questão dos 150 km de mar que nos separam?
C2 – É muito simples meu caro, até hoje nenhum governante ou familiares directos desses governantes morreram num naufrágio…até hoje nenhum deles sentiu na pele o que eu e os outros estamos a sentir …Até porque eles não fazem essas viagens de barco, têm sempre aviões a disposição para quando precisam vir ao Príncipe na altura das campanhas, na festa do Santo António e para passarem fins de semana no ilhéu Bombom com as amantes e os estrangeiros ricos… Não é apenas nessas alturas que se lembram do Príncipe!? Então por que carga de água achas que eles iam se preocupar com o resto? Nós pequenos que precisamos ir a São Tomé e não temos dinheiro para alugar aviões é que temos que chamar Deus e enfrentar o mar em barcos ferro-velho sobrelotados …
C1 – Pois é…Um dos sobreviventes disse que o barco ia tão cheio que só havia lugar para ele na casa de banho…incrível! Como é que o pessoal da capitania dos portos e da polícia fiscal deixou sair o “Therese” nestas condições? Será que foi mesmo por incompetência ou alguém anda a facturar a custa das desgraças dos outros? E o Comandante? Será que meia dúzia de tostões cegaram de tal forma o indivíduo que ele tenha esquecido das noções básicas de navegação e posto em risco a sua própria vida? Para o barco se ter afundado há apenas 15 km da costa é porque estava mesmo cheio até boca e nem deu para ir mais longe…Isso não pode passar em branco, os culpados têm que ser chamados a responsabilidade…
C2 – Ouvi dizer que já tinham prendido o Comandante e alguns elementos da Capitania dos portos e da Policia Fiscal…Mas se for verdade, será que isso vai para frente? Será que desta vez os culpados serão punidos?! Isso serve para atenuar a minha revolta, mas não me consola, não traz de volta a minha mãe dos meus filhos, não traz de volta os familiares das outras pessoas envolvidas…Não foi o primeiro, nem o segundo barco a afundar pelas mesmas causas, as pessoas responsáveis já deviam ter sido presas naquela época para dar o exemplo e a essa altura já deviam existir condições de fiscalização tanto a nível das embarcações como da quantidade de carga e passageiros para que situações dessas não se repetissem…Não me conformo compadre, não me conformo mesmo.
C1 – Compadre tocou num outro ponto importante, o problema não se resume apenas ao transporte de pessoas…há o lado material da coisa… Já viste a quantidade de combustível, viveres e até materiais de construção para o Hospital que foi a pique? Para já vamos ter mais umas semanas sem energia com as consequências que já sabemos e será que alguém vai se responsabilizar por esses danos materiais? E falando nisso, não querendo dizer que a vida humana tenha um preço, será que vai haver indemnizações pelas mortes causadas? Acho que o nosso Governo regional deve ir em frente com a questão de meter um processo judicial às pessoas responsáveis pelo sector, com certeza que terão o apoio de toda a população do Príncipe nesse caso.
C2 – Sem duvida, quanto mais não seja como forma de pressionar o actual Governo a resolver essa situação, já que o Governo Regional não tem autonomia financeira e capacidade para ser ele a resolver a situação, ao menos que pressione o Governo central a agir, a agir rápido e bem, até porque muito do atraso que o Príncipe tem em todas as áreas deve-se também ao problema da falta de ligações marítimas seguras, periódicas e acessíveis a São Tomé…
C1 – Por acaso ouvi a falar na compra de um barco em segunda mão na Grécia e acho que a STPairways vai começar a efectuar voos regulares entre as ilhas já no próximo mês… Pode ser que estejamos a assistir a uma viragem de 360 graus nesta questão.
C2 – Um barco em segunda mão??? Se eles dizem em segunda mão, deve ser já em terceira ou quarta mão… e depois não te esqueças que o responsável pela compra tem que tirar a sua comissãozinha da praxe…No fim só vai sobrar dinheiro para comprar mais uma sucata para ir ao fundo do mar daqui há uns anos… Não entendo porque que não se faz um esforço e compra-se um barco novo para durar uns bons anos? Se pedimos credito para tantos projectos com menos impacto nas populações, porque não investir num barco novo e mais seguro? Porque não facilitar a vida da tão maltratada população do Príncipe? Quanto aos voos da STPairways, achas que o povo pequeno vai ter dinheiro para comprar as passagens?
... E seguiu-se um longo silencio entre os dois, com o compadre 2 a tentar controlar a sua revolta e a pensar na forma menos dolorosa de dar a noticia aos seus filhos.
Lisboa, 19 de Setembro de 2008
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