quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

CONVERSAS SOLTAS XI - Sobre a emissão dos primeiros bilhetes de identidade na Ilha do Principe.

Dois São-tomenses residentes no estrangeiro há algum tempo, comentavam assim uma notícia que fez manchete ontem em alguns órgãos de comunicação social lá da terra:

1 – Ontem viveu-se um momento histórico na ilha do Príncipe…

2 – A sério?! O quê que aconteceu de especial? Espera ai, deixa-me adivinhar… Foi declarada a independência da Ilha?

1 – Deixa de gozo, pá.

2 – Deixa-me ver então…Não me digas que finalmente chegou o tal barco para fazer a ligação inter-ilhas?

1 – Olha, nessa quadra festiva isto é que era uma prenda jeitosa para aquela população martirizada, mas também não desta que se concretizou esse sonho.

2 – Epá, assim a vista desarmada não vejo mais nada que pudesse traduzir-se num momento histórico para o Príncipe na conjuntura actual…Será que se concretizou aquela cena do Príncipe se tornar património da humanidade?! Ou ganharam algum prémio internacional de turismo?

1 – Ái se a tua boca fosse certa…a vida deles pegava.

2 - Diz lá então de uma vez, o que aconteceu de tão marcante assim?

1 – Meu caro, é melhor sentares-te para não caíres de lado: Ontem, dia 16 de Dezembro de 2008, 33 anos e alguns meses depois da nossa independência, sua excelência o Primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Joaquim Rafael Branco emitiu os dois primeiros bilhetes de identidade de cidadão nacional na ilha do Príncipe.

2 – CREDO!!!! Estás a falar a sério? Ainda não se emitiam bilhetes de identidade no Príncipe?

1 – Pois é meu caro, também fiquei assim, suinamente aparvalhado, quando li a notícia no Tela nón. Mas é a pura verdade. É para termos uma ideia da situação de abandono a que estão votados os nossos compatriotas no Príncipe.

2 – Esta é uma situação que devia nos envergonhar a todos enquanto povo de uma Nação soberana. Em pleno século XXI e ter cidadãos que nem tinham acesso ao cartão oficial de identidade?! Incrível! Como é que o pessoal fazia para tratar o B.I? Tinham que ir a São Tomé, como fazem para tratar de tudo o resto, não é?

1 – Duvidas? Mas só aqueles que podiam pagar a passagem e apenas em situação de necessidade, o resto limitava-se a ter a cédula de nascimento, acho eu.

2 – Ou seja, a maioria… Já viste a quantidade de pessoas que passaram uma vida toda sem ter direito ao seu “papel cu foto”?! Podemos dizer agora que mais vale tarde do que muito mais tarde, mas será que isso era assim uma coisa tão complicada e difícil que só ao fim de 33 anos de independência e 13 Governos depois se conseguiu realizar tal façanha? Sinto-me revoltado com essas situações. O tempo vai passando e só lentamente e a muito custo vamos resolvendo os problemas básicos que supostamente deveriam ter nos atormentado apenas nos primeiros anos do pós independência. Nós todos, cada um na sua área e a sua maneira, devíamos e podíamos ter feito muito mais por São Tomé e Príncipe. Não me conformo!

1 – Pois é meu caro, temos a ousadia de querer realizar tantos projectos megalómanos quando ainda nos deparamos com problemas básicos como esse…Queremos fazer portos de agua profunda, criar zonas francas, construir paletes de hotéis para atrair mais turistas, abraçar o mundo e o reverso da medalha é o que se vê: Não temos hospitais em condições, não temos escolas e professores em condições, não temos estradas em condições, mais de metade da população não tem acesso a agua canalizada e a electricidade e faz as suas necessidades fisiológicas ao ar livre no mato ou em latrinas e nem conseguimos resolver a questão da ligação entre as duas parcelas principais do nosso território, isso só para citar algumas questões básicas importantíssimas para o próprio desenvolvimento do país e do povo que a essa altura já devíamos ter resolvido.

2 – Resolvido? Achas?! Tudo o que citaste são coisas que dão muito trabalho a resolver e muito "prejuízo", quando a lógica deles é precisamente o contrario: Fazer pouco e ganhar algum por fora. Isto que andamos a presenciar no nosso País, meu caro, é sobretudo o resultado da política do imediato que tem sido apanágio de todos os Governos que S.T.P conheceu até hoje, uns por sua própria iniciativa, ou por falta dela e outros por se verem obrigados a isso pelas circunstancias do momento. É o resultado da politica do plantar hoje e querer colher já amanha, antes de serem corridos do poder. Ninguém pensa a longo prazo, ninguém se atreve a conceber projectos estruturados e sustentados que sobrevivam ao prazo de validade do seu governo, pois têm medo que outros que lhes sucedam venham a ficar com os louros das obras começadas por eles e se há coisa que o nosso tradicional olho cheio não suporta, é ver outras pessoas a brilharem em cima dos palcos que nós construímos, mesmo que esse palco seja algo fundamental para o bem-estar colectivo.

1 – Pois é, meu caro, tocaste agora no x da questão: O nosso tradicional olho cheio.
Nunca tinha pensado nesses assuntos sob esse prisma, mas tenho que admitir que muito dos desentendimentos e da falta de união que há entre os São-tomenses a todos os níveis e sobretudo a nível do poder, podem se dever a esse problema.

2 – Meu caro, a questão do olho cheio tem muito mais peso do que tu imaginas nos problemas que enfrentamos e a prova disso é o que se tem passado actualmente em dois dos partidos que formam a coligação que esta no poder: No MLSTP sabe-se que há um mal-estar profundo por parte de alguns barões do partido que não foram convidados para a ceia do senhor e queriam entrar a força toda, nem que fosse como patos. Aposto que esses gajos até esfregariam as mãos de contentes se o Branco caísse, não se importando se era bom ou não para o País ter mais um governo que não atingisse a puberdade. No MDFM é a pouca vergonha que se tem assistido desde a queda do Tomé vera Cruz, culminando agora com destituição do Minho de uma forma inacreditável. Agora diz-me, se as pessoas nos seus próprios partidos não são capazes de gerarem consensos dentro do espírito democrático e remarem todos para o mesmo lado, como é que podem levar o País a bom porto?

...E com esta pergunta no ar, deram por terminado este assunto, ficando cada um a pensar nos vários “momentos históricos” que ainda teremos que viver para atingirmos um patamar de desenvolvimento mínimo no nosso S.T.P.


Queluz, 17/12/08

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