quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

DEMITA-SE, SENHOR PRESIDENTE! - Parte II

“O homem que está muito ocupado em censurar os outros está sempre pouco ocupado em examinar a si próprio.”
(Thomas Lye)


Ouvi e li as polémicas declarações do senhor Fradique de Menezes, em resposta a todos aqueles que se manifestaram contra a sua intenção de exercer em simultâneo a presidência do MDFM e a presidência da Republica e confesso que fiquei semi-abestalhado. A minha abestalhação só não foi total, porque em resultado da dupla função que o senhor Fradique agora exerce, fiquei sem saber se foi o presidente da Republica ou o presidente do MDFM, quem debitou tamanhos impropérios aos microfones da rádio Nacional. Se foi o presidente do MDFM, ressalvando a parte da linguagem “baixa”, das ameaças e dos insultos que nunca ficam bem em qualquer circunstância, nada tenho a dizer, mas se foi o presidente da Republica, o caso começa a ganhar contornos preocupantes: Um presidente da Republica não deve em circunstância alguma, ter esse tipo de discurso incendiário e beligerante; Um presidente da Republica não deve ameaçar por em causa a paz e estabilidade política no País quando a essência da sua função (segundo a tal constituição que devia ser respeitada) é garantir a independência nacional, a unidade do Estado e assegurar o regular funcionamento das instituições; Um presidente da Republica, em democracia, assim como os restantes órgãos do poder político, tem que saber conviver com a crítica e a pluralidade de opiniões, já que uma sociedade civil interventiva é um dos pilares sagrados da democracia participativa; Um presidente da Republica não deve definir como “escumalha” todos aqueles que têm opiniões contrárias às suas, e que, resguardados no inalienável direito à liberdade de expressão (consagrado também na tal constituição), as exprimem de forma responsável e fundamentada; Um presidente da Republica, mesmo que eleito com 60% dos votos, não tem carta-branca para cometer todos os desmandos que lhe der na telha, porque num estado de direito, há uma lei fundamental que consagra expressamente as suas competências e estabelece os limites das suas funções. À essa lei fundamental, deu-se o nome de “constituição da Republica” e para o seu defensor oficial, foi nomeado precisamente o presidente da Republica. Ironia do destino.

Ao contrário do que disse o senhor Fradique de Menezes, não me acho (nem tenho tal pretensão) o centro da sabedoria mundial (creio que esse sentimento é extensível aos restantes membros do “são tome yahoo group”), mas tenho as minhas convicções e defendo-as fundamentadamente até que me provem que estou errado. Neste caso estou convicto que, à luz da nossa constituição, o senhor Fradique de Menezes não pode exercer simultaneamente os cargos de presidente de todos os São-tomenses e de presidente dos militantes do MDFM e se alguém conseguir provar que estou errado, não terei vergonha nenhuma em retroceder na minha posição, porque não tenho vergonha de raciocinar e aprender. Sobre esse assunto, o senhor Fradique de Menezes deu ênfase à uma opinião emitida na RDPÁfrica por um constitucionalista Português em 2007 que lhe foi favorável (esquecendo-se que tal observação teve por base o facto dele deter na altura “apenas”o cargo presidente honorário, embora pessoalmente acho que vem a dar no mesmo) e já que ele tem preferência pelas opiniões dos constitucionalistas estrangeiros, espero que também tenha ouvido o parecer do Dr. Bacelar Gouveia dado ontem aos microfones da mesma RDPÁfrica (ainda bem que temos a RDPÁfrica para nos prestar esse tipo de serviço publico, já que os nossos jornalistas nem se deram ao trabalho de ir ouvir alguns dos juristas conceituados que pululam na nossa praça e que certamente acrescentariam mais valias ao debate).

Posto isso, mantenho e reforço a minha posição de que o senhor Fradique de Menezes devia se demitir de um dos cargos que actualmente ocupa de forma a ser reposta a legalidade e já que, exceptuando o MDFM, todos os partidos com assento no parlamento estão em consonância na condenação dessa situação, espero que a nível da Assembleia Nacional, se desencadeie o processo de averiguação da constitucionalidade desse acto presidencial, solicitando ao Supremo Tribunal de Justiça (que também tem funções de Tribunal Constitucional) que se pronuncie em sede de fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade.

domingo, 20 de dezembro de 2009

DEMITA-SE, SENHOR PRESIDENTE!!!!

Constituição da Republica democrática de São Tomé e Príncipe:

Artigo 19.º
Restrição e Suspensão
1. O exercício dos direitos fundamentais só pode ser restringido nos casos previstos na Constituição e suspenso na vigência de estado de sítio ou de estado de emergência declarados nos termos da Constituição e da lei.

Artigo 63.º
Organizações políticas
1. Todo o cidadão pode constituir ou participar em organizações políticas reconhecidas por lei que enquadram a participação livre e plural dos cidadãos na vida política.

Artigo 72.º
Incompatibilidade
1. As funções de Presidente da República são incompatíveis com qualquer outra função pública ou privada.

Incompatível – O que não é compatível; O que envolve contradição; Inconciliável; O que não pode ser acumulado com outro.

Artigo 80.º
Competência própria
Compete ao Presidente da República:
a) Defender a Constituição da República.

Defender – Tomar a defesa de; Proteger; Resguardar.


“ Há coisas tão claras e distintas, que na sua essência, não contêm mais nada além do claro e do distinto”.

Esta frase era recorrentemente usada pelo meu professor de filosofia no 11º ano sempre que quisesse demonstrar que, num mundo de conceitos e valores relativos, onde a ambiguidade e a múltipla interpretação imperam, há alguns valores e conceitos que são absolutos e não deixam margens para qualquer tipo de malabarismo interpretativo. Lembrei-me mais uma vez desta frase quando soube que o Senhor Presidente da Republica Democrática de São Tomé e Príncipe, Fradique de Menezes, tinha sido eleito presidente do partido politico MDFM, e mais, marimbando-se completamente para os preceitos constitucionais que definem o nosso País como um estado de direito, garantiu que ia exercer os dois cargos em simultâneo, posicionando-se naturalmente como cabeça de lista do seu partido nas eleições legislativas de Abril próximo, e também que, iria cumprir o seu mandato de Presidente até ao fim. Ou seja, disse que apenas estaria disposto a assumir o seu lugar de deputado quando acabasse o seu mandato presidencial. Já agora, pergunto: E se o seu partido vencer as eleições? Vai “emprestar” o cargo de primeiro-ministro a um pau mandado qualquer até Setembro de 2011 ou largará de imediato o “osso Presidencial” para atacar o outro “osso” mais apetecido?! Atenção à coerência, senhor Presidente!

Naturalmente que esse desfilar de atropelos na nossa lei fundamental causaram-me a mais profunda indignação e como nessas coisas do “claro e distinto”, convém sempre ter à mão os argumentos necessários para sustentar as nossas afirmações, recorri aos articulados da nossa constituição acima elencados para justificar o título do meu texto e simultaneamente, a titulo de curiosidade, perguntar aos senhores juízes do Supremo Tribunal de Justiça de STP (que nas horas vagas, é também o Tribunal Constitucional), qual a interpretação que fazem do artigo 72 da nossa constituição, já que o nosso Presidente afirmou publicamente que conhece o artigo, mas segundo as cabeças pensantes que o aconselham, é vago e sujeito a varias interpretações. E esta, hein?!

Se é verdade que o artigo 63 da nossa constituição, enquadrado na parte dos direitos fundamentais dos cidadãos, concede a todos o direito de constituir ou participar em organizações politicas, o artigo 19 (e não é “a toa” que o precede), determina claramente que a própria constituição pode restringir alguns desses direitos fundamentais. É precisamente o que faz o artigo 72, que, trocado por miúdos, determina que o Presidente da república, enquanto estiver no exercício das suas funções, apenas pode ser Presidente da república e nada mais.

Que o senhor Fradique de Menezes seja eleito presidente do MDFM e tenha a pretensão de vir a ser o Primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, tudo bem! Já que no fundo, trata-se apenas da formalização de uma posição que desde sempre lhe pertenceu e que tinha sido descaradamente camuflada até agora, atrás de títulos como o de “mentor”, “líder espiritual”, “financiador” ou “presidente honorário” do referido partido. Agora, que o faça ostentando ainda (e pretendendo manter) o estatuto de mais alto magistrado da nação, desrespeitando de forma desavergonhada a constituição que por varias vezes jurou defender, é que já extrapola os limites do bom senso, da ética politica e da própria legalidade. Espero ansiosamente as reacções dos outros órgãos de soberania sobre esse assunto, principalmente as do Presidente do STJ, para aferir de uma vez por todas se somos uma república das bananas ou não. Porque se é grave o Presidente violar a constituição, mais grave será se o poder judicial assinar por baixo.

Posto isso, penso que em condições normais (e num País normal), não restaria outra solução ao nosso Presidente, senão demitir-se (ou ser obrigado a isso) das suas actuais funções e assumir na plenitude o risco e a responsabilidade da sua opção pela Presidência do MDFM, até porque, como sabemos, não lhe agrada muito o papel decorativo que a actual constituição impõe ao Presidente da Republica.

Aproveite então essa oportunidade, caro Presidente! Mas sem batotice e sem desrespeitar a nossa lei fundamental. Assuma de uma vez por todas a sua vontade (legitima) em ser primeiro-ministro e avance para a luta, mas não o faça “colado” à cadeira Presidencial, porque além de ser inconstitucional, as “más-línguas” poderão interpretar isso como uma tentativa de manter o “tacho” seguro por mais algum tempo, caso as coisas nas legislativas não corram a preceito.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

CONVERSAS SOLTAS XXIII - Sobre a polemica na Procuradoria geral da Republica.

* Dois compatriotas armados em intelectuais, trocavam umas ideias sobre a façanha do Procurador-geral da república:

Compatriota I - Definitivamente o nosso sistema de justiça encontra-se mergulhado numa crise sem precedentes.

Compatriota II - Olha, isso para mim é novidade. Não sabia que existia um sistema de justiça em São Tomé e Príncipe.

I - Não sejas tão sarcástico. As coisas podem não funcionar como deviam, mas daí dizeres que não temos um sistema de justiça, é um bocado exagerado.

II - Achas exagerado?! Um sistema, seja lá do que for, pressupõe a existência de uma organização minimamente estruturada, submetida á preceitos funcionais e a uma cadeia hierárquica bem identificada que a faça cumprir de forma efectiva os objectivos que nortearam a sua criação. No que a justiça diz respeito, vês alguma coisa parecida com isso em São Tomé?

I - Epá, temos Tribunais, temos um Ministério da Justiça, uma Procuradoria, Juízes, advogados, prisões, Policias e.t.c. Creio que a soma dessas partes é que forma o sistema de justiça de um País.

II - Estás enganado, meu caro! O que temos são alguns bons advogados, 3 ou 4 Juízes razoáveis, um Ministro da Justiça preguiçoso e acomodado, um Procurador-geral da Republica pouco imparcial e ávido de protagonismo, um conjunto de leis do tempo da outra senhora que poucos estão interessados em actualizar, uma polícia criminal que investiga à base do cassetete, funcionários judiciais mal formados, alguns até sem formação nenhuma, sem esquecer a desavergonhada influência que o poder político exerce em grande parte das deliberações judiciais, o que viola o princípio sagrado da separação de poderes. Achas que nessas condições se pode dizer que temos um sistema de justiça em STP? Daqui a bocado vais dizer-me que também temos um sistema de saúde ou um sistema de educação, não é?

I - Está bem, não vou tentar contrariar-te! Reformulo o que disse: O nosso pseudo sistema de justiça está mergulhado numa crise sem precedentes. Está melhor assim?

II - A parte do pseudo sistema soa melhor. Quanto a isso de crise sem precedentes, creio que não é bem assim. Alguma vez sentiste que não estávamos em crise nessa área? Alias, se o próprio País vive numa crise geral há mais de 34 anos, porque que carga de água é que no sector da justiça as coisas teriam que ser diferentes? Assim a vista desarmada dá para identificar apenas 3 ou 4 sectores económico-sociais que nunca entraram em verdadeira crise no nosso País: O da construção de moradias, o da comercialização de viaturas 4 x 4, o das bebidas alcoólicas e o das catorzinhas. Todo o resto acompanha a degradação que se vive na área da justiça.

I – Podes até ter razão, meu caro, mas embora se possa dizer que há uma crise permanente na nossa justiça, creio que, com essa história do Procurador-geral da Republica ter arrombado ou mandado arrombar o gabinete do procurador adjunto para lhe roubar o processo STP - Trading, batemos no fundo. È totalmente surreal, essa atitude do Procurador-geral.

II – Mas isso já foi confirmado? A Procuradoria não emitiu um comunicado a desmentir essa história e a dizer que os autores da denúncia estavam a ser tendenciosos?

I – Emitir, emitiu. Mas agora foi o próprio procurador adjunto quem escreveu uma carta ao Presidente da Assembleia a corroborar a versão apresentada pela ordem dos advogados e a fazer outras acusações ao Procurador-geral. Acho até que já apresentou uma queixa na PIC por invasão do gabinete e desvio do processo.

II – Épa, não tinha conhecimento dessa carta. Isso é gravíssimo! E o Procurador-geral já reagiu à essa carta?

I – Que eu saiba não. Mas como os fins-de-semana na nossa terra são dedicados exclusivamente aos forrobodós e aos comes e bebes e não há nada que faça quebrar essa rotina, talvez só na segunda-feira teremos uma reacção. É como eu te disse, desta vez, batemos no fundo.

II – Como diriam os Brasileiros: bota fundo nisso! Era só o que nos faltava, depois de termos advogados que roubam processos no tribunal, juízes que comem água semanalmente com advogados e arguidos, advogados que protagonizam fugas espectaculares do tribunal e juízes que decretam prisões preventivas por truta e meia nuns casos e noutros pedem escusa por medo, agora temos um Procurador-geral da Republica armado em arrombador de portas.

I – Tudo isso porque estava a expirar o prazo para a dedução da acusação ao Armando Correia e ao Osvaldo Santana no âmbito do processo STP-trading. E o mais grave é que o Procurador adjunto diz que não encontrou matéria suficiente para levar o processo adiante e recusou-se a cumprir uma ordem do procurador-geral nesse sentido. Pelos vistos já estava decidido que o processo tinha que avançar a qualquer custo.

II – É mais um caso jurídico com contornos políticos. Sempre achei que nessa história da STP-trading a montanha iria voltar a parir um rato, como tem sido apanágio nos casos em que estão envolvidos peixes graúdos em STP.

I – Pode ser que com esse desvario do Procurador-geral, a coisa possa ter contornos diferentes.

II – A tua ingenuidade as vezes espanta-me. Acreditas mesmo que isso vai dar em alguma coisa? Vais ver que ainda vão inventar uma história descabida para justificar esse imbróglio todo, isso se não for o próprio Procurador adjunto, depois de devidamente pressionado, a vir desmentir tudo e dizer que não foi ele que assinou a tal carta, para salvaguardar o seu futuro profissional. Sempre foi assim, os gordos arranjam sempre forma de fazer vingar com todo rigor a velha máxima que diz que as leis são como as teias de aranha, apenas os pequenos insectos ficam presos nelas, os grandes atravessam-na.

E com essa pérola da sabedoria popular, deram por encerrada a conversa.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

ÁFRICA - SOB O SIGNO DA MÁ GOVERNAÇÃO

Há cerca de três anos, Mo Ibrahin, um multimilionário Sudanês, Fundador da empresa de telecomunicações Africana Celtel International, decidiu “inventar” um prémio para estimular a boa governação em África. Esse “generoso” senhor teve a simpatia de aplicar uma pequena parte da sua fortuna pessoal (cerca de 3.5 mil milhões de euros que ganhou com a venda da sua empresa em 2005 a um operador do Koweit) num prémio inédito que distingue anualmente antigos chefes de Estado ou de Governo Africanos por práticas reconhecidas de boa governação e cujo objectivo é "melhorar as perspectivas sociais e económicas do povo Africano", nas palavras do seu criador, e incentivar a diminuição/irradiação de um dos maiores cancros do nosso continente, digo eu!



Nas duas primeiras edições, em 2007 e 2008, foram agraciados com esta honrosa distinção (honrosa e choruda distinção, melhor dizendo) o ex-presidente de Moçambique, Joaquim Chissano e o ex-líder do Botswana, Festus Gontebanye Mogae que vão ter as respectivas contas bancárias engordadas em cinco milhões de dólares norte-americanos, que serão distribuídos durante dez anos em tranches anuais de 500 mil dólares. Nada mau, nada mau mesmo, se levarmos em consideração que esses senhores foram merecedores desse prémio, segundo o júri da Fundação “ Mo Ibrahim”, “apenas” por terem cumprido com seriedade e transparência os cargos para o qual foram eleitos, ou seja, fizeram o que se espera de qualquer político eleito para os mais altos órgãos de soberania de uma nação: Cumprir os mandatos respeitando os preceitos da boa governação. Eu também não me importaria nada se alguém inventasse um prémio de “boa governação do lar” e me premiasse por pagar a renda da casa onde vivo dentro do prazo ou as contas da agua e da luz (a comparação pode ser um pouco redutora, mas creio que faz sentido), mas infelizmente ninguém é maluco o suficiente para dar prémios aos outros por coisas consideradas “normais”. Costuma-se premiar o “extraordinário”, o “diferente”, o “original” e para mal dos nossos pecados, ainda não é “normal” na nossa África, aparecerem dirigentes políticos que promovam as práticas da boa governação, daí o premio para aqueles que marcam a diferença, os “anormais”, nesse caso.



Estranhamente (ou não), esse ano, o juri presidido pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e que tem entre os seus membros Graça Machel, presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) e a ex-presidente da República da Irlanda Mary Robinson, decidiu não atribuir o prémio a ninguém e a pergunta que se impõe é aquela que vinha estampada na camisola do “super” Mário Jardel na época em que jogava no melhor clube de Portugal: "Porque será?" Não, não é do guaraná e como os membros do júri reservaram-se no direito de não dar explicações para não ferir susceptibilidades, começam a circular à “boca pequena” boatos de que o coitado do Mo Ibrahim está um bocado “desferrado”, por isso decidiu não dar os 5 milhões de dólares a ninguém, ele que há quatro anos era detentor de uma fortuna de 3.5 mil milhões de euros (creio que mesmo com a crise e supondo que o homem também tivesse entrado no esquema do Madoff, um gestor cauteloso e empreendedor como ele, não iria por todos os ovos no mesmo cesto de forma a “queimar” tanto dinheiro, mas nunca se sabe). E se eu vos disser que entre os líderes Africanos que deixaram funções recentemente estão os antigos Presidentes da África do Sul, Thabo Mbeki, do Ghana, John Kufuor e da Nigéria, Olusegun Obasanjo? Entendem agora porque que o prémio desse ano não foi atribuído?!



Quer queiramos, quer não, a verdade é que muitos dos graves problemas que ainda hoje assolam o nosso continente se devem exclusivamente a falhas graves na governação por parte daqueles que têm conduzido o destino dos nossos Países desde que se tornaram independentes (salvo as raríssimas excepções). Se no princípio podiam desculpar-se com a inexperiência e a falta de qualificação dos quadros, resultante das políticas discriminatórias que restringiam o acesso à educação por parte dos nativos no tempo colonial, hoje em dia tal premissa já não é valida, dado que a esmagadora maioria dos nossos políticos são pessoas formadas, informadas e viajadas, logo, conhecedores de diferentes realidades, o que por si só, devia lhes conceder pelo menos a capacidade de importar o que de bom se faz noutras latitudes, já que se têm mostrado incapazes (na maior parte das vezes) de criar qualquer coisa de jeito. Se no princípio o desnorte deveu-se à incompetência, à burrice e à negligência, hoje juntamos (ainda) a incompetência, à má fé, à preguiça e à ganância.



Mo Ibrahin, um visionário nos nossos tempos, quis marcar a diferença e disponibilizou-se a recompensar com o seu dinheiro todos aqueles que queiram mudar o rumo dos acontecimentos numa África que é de todos os Africanos. Pode-se não concordar com a estratégia utilizada, mas temos que homenageá-lo pela iniciativa. Mas, serão os 5 milhões de dólares suficientes para fomentar uma mudança de mentalidade dos nossos governantes? Aqueles que governam Países pobres de parcos recursos se calhar até acharam gira a ideia, mas os outros “tubarões” que facilmente conseguem ter nas suas contas secretas o dobro ou triplo desse valor por vias travessas não devem “ estar nem ai” para o prémio.

Tudo isso faz-nos questionar se a não atribuição do prémio esse ano foi a excepção que confirma a regra ou se a excepção foi a descoberta de dois espécimes raros nos anos anteriores. Quem viver, verá!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

DE IMPROVISO EM IMPROVISO, ENCHEU A GALINHA (STP) O PAPO

Chegaram cheios de ilusões e alguns com elevadas expectativas em relação à participação de STP nos 2ºs Jogos da Lusofonia. A comitiva oficial era composta por 60 elementos, sendo que apenas 30 e poucos eram atletas, incluindo aqueles que tiveram de tratar dos seus passaportes com dinheiro próprio, para não correrem o risco de ficar em terra e os que pagaram a própria passagem, para aproveitar o visto “de graça” que lhes abria uma janela de oportunidade em solo Português. O resto?! O resto era uma mescla de dirigentes de todo tipo, treinadores de todo tipo, medica, jornalistas de todo tipo e alguns amigos sortudos. E ainda dizem que a comitiva foi “encolhida” ao máximo, por falta de financiamento.

Desembarcaram no aeroporto da Portela trajados à rigor: Os basquetebolistas com T-shirts da “F.A.M.A” (Fundação Aurélio Martins) e os restantes atletas com T-shirts do “BISTP”. Estávamos a espera de ver atletas da REPUBLICA DEMOCRATICA DE SÃO TOMÉ E PRINCIPE, ostentando com orgulho as cores da nossa bandeira nas suas vestes – como é da praxe em qualquer delegação oficial que represente qualquer País a nível desportivo – mas ao que parece, por força dos patrocínios improvisados à última hora, alguém resolveu dar um torcicolo no pescoço deste “costume”. E nem se podem desculpar com falta do equipamento Nacional, já que embarcaram em São Tomé vestidos com “ o amarelo e verde” e por indicação superior, foi feita a troca de vestimenta já em pleno voo. Coitados dos voluntários dos Jogos, que tiveram um trabalhão para distinguir os membros da comitiva do BISTP, perdão, da comitiva de STP, na altura do acolhimento no aeroporto.

A nossa “selecção” de Basquetebol foi a primeira a entrar em acção, contra a frágil selecção de Macau. Os nossos rapazes eram mais altos e mais dotados tecnicamente, mas nada puderam fazer contra a velocidade de execução, a experiencia internacional e organização colectiva dos jogadores Asiáticos. Resultado: 102 a 77! Creio que não se podia pedir muito mais a uma “selecção” composta por jovens amantes do “basket”, que se juntam aos fins-de-semana para atirar umas bolas ao cesto numa “quadra” esburacada, desprovidos de quaisquer noções tácticas do jogo e inclusive, denotando algumas lacunas no conhecimento das regras internacionais do basquetebol. Exigia-se pois, algum trabalho de casa nestes dois aspectos, embora tenha ficado com a leve impressão de que o próprio seleccionador Nacional também não percebia lá muito da “coisa”. Enfim, o que se pode fazer, quando não se cria condições no País para termos melhores jogadores, melhores treinadores e melhores dirigentes desportivos?!

No segundo jogo, para atribuição do último e penúltimo lugares, contra a selecção de Moçambique, veio mais uma vez ao de cima as fragilidades tácticas e de organização de jogo, que somando à falta de um treinador qualificado, nos conduziram com certa naturalidade ao último lugar no torneio de Basquetebol dos jogos da Lusofonia 2009.

Duas notas negativas à delegação de Basquetebol, nomeadamente ao presidente da federação:

1ª – Não entendo como é que não se criou as condições necessárias para a convocação do único atleta profissional do País, o meu amigo Eki “poste”, campeão Nacional de Portugal pelo ex-glorioso, S.L.B. Creio que, o que se poupava no bilhete de passagem do mais fraco jogador que veio de São Tomé, dava e sobrava para pagar o seguro e o subsídio diário de alguém que representaria uma mais-valia e voz de comando para a nossa jovem e inexperiente selecção.

2º - Em termos logísticos, é inadmissível que os atletas de uma selecção oficial de um País não tenham ao seu dispor durante um jogo, simples garrafas de água para matarem a sede e tenha sido necessário recorrer de improviso ao stock da claque oficial para suprir essa falha vergonhosa… Como se não bastasse vermos sistematicamente os nossos atletas a serem assistidos pelos massagistas dos adversários nas alturas das lesões, porque não temos condições de ao menos comprar uma mala de primeiros socorros com os artigos básicos de assistência aos desportistas. Até quando vamos continuar assim, meus senhores?

No dia seguinte, entrou em acção a nossa selecção de futsal, a rainha dos improvisos: Tinha um seleccionador improvisado (sempre conheci o Sr. Lima Neto como um treinador de andebol que fazia uns biscates no voleibol, não sabia que o homem também fazia biscates no futsal), tinha 3 ou 4 jogadores seleccionados de improviso em Portugal, porque não havia dinheiro para trazer a equipa completa de São Tomé (e garanto-vos que nem eram dos melhores que temos por cá) e tinha também, um massagista recrutado de improviso no dia da cerimónia de abertura e que nem estava devidamente credenciado para se sentar no banco de suplentes nos dias dos jogos (mas, ainda bem que o recrutaram, já que era o único que incentivava e dava indicações aos nossos jogadores, inclusive nas alturas em que a equipa adversaria pedia um desconto de tempo e o nosso seleccionador mantinha-se impávido e calado, a espera da intervenção divina). Juntando tudo isso às deficiências técnicas acima referidas quando falei do Basquetebol, nomeadamente, a nível da organização táctica, da falta de um sistema de jogo, do desconhecimento de algumas regras do jogo e da ausência de uma liderança qualificada e competente, foi também com naturalidade que sofremos goleadas em todos os jogos e chegamos ao fim do torneio de futsal em último lugar (com algum mérito, diga-se de passagem), sendo que, apenas no jogo contra o Brasil, a qualidade e a garra de alguns dos nossos jogadores vieram ao de cima. Enfim, o que se pode fazer, quando não se cria condições no País para termos melhores jogadores, melhores treinadores e melhores dirigentes?!

Um exemplo da falta de competência do corpo técnico da nossa selecção: No final dos jogos, os atletas dos outros Países permaneciam no campo a fazerem alongamentos e exercícios de relaxamento muscular durante uns 15 minutos (como ditam os livros, nos casos em que as equipas têm jogos em dias seguidos) enquanto os nossos dirigiam-se logo aos balneários. O mais curioso é que nem foram capazes de seguir o exemplo dos outros nos jogos seguintes. Bom, ao menos podemos nos gabar de termos sido a única selecção dos PALOPS a apresentar um seleccionador “da casa”. Incompetente ou não, era dos nossos.

Falta apenas referir que também no futsal, foram os massagistas das equipas adversárias a assistir os nossos atletas nas alturas das lesões, já que no meio de tantos improvisos, esqueceram-se de improvisar uma mala de primeiros socorros para o nosso massagista improvisado.

Não pude assistir à prestação dos nossos atletas do voleibol de praia, mas quando soube que fomos eliminados pela dupla de Timor, lembrei-me logo das palavras do responsável da equipa no aeroporto, quando tentei aferir as expectativas que traziam os nossos voleibolistas: “viemos só para marcar presença”, disse-me ele, em jeito de premonição. Enfim, o que se pode fazer, quando não se cria condições no País para termos melhores jogadores, melhores treinadores e melhores dirigentes?!

A nossa “honra” foi salva pelos praticantes de Atletismo de pista e de Taekwondo.
É curioso notar que todas as atletas medalhadas no atletismo, residem e treinam actualmente em Portugal, onde as condições de treino, embora não sejam ainda as ideais, são de longe, melhores das que dispunham em STP, o que me leva a questionar se os resultados seriam os mesmos, se elas ainda estivessem a fazer umas corridas na velha e esburacada pista de atletismo do Estádio 12 de Julho (será que chegaram a incluir uma pista nova depois das obras de remodelação?). Em conversa que mantive com algumas delas, garantiram-me que não. Esqueci-me foi de perguntar, se elas usufruem de algum tipo de apoio financeiro por parte do Estado São-tomense, como atletas internacionais que são.

Quanto ao Taekwondo, confesso que não tinha noção do nível de excelência em que se encontram os nossos atletas e nem faço a mais pálida ideia das condições de treino que dispõem (será que são todos “made in Palácio dos Pioneiros”? quem os treina?). O facto incontornável é que dos 6 atletas que nos representaram nesta modalidade, 5 ganharam medalhas, incluindo uma de ouro e uma de prata. Fantástico!!!!

Uma palavra de apreço para o nosso “medalha de ouro”, Eloy Boa Morte, um diamante em bruto (segundo dizem os especialistas) que poderia elevar bem alto o nome de São Tomé e Príncipe, até a nível olímpico (Estava inclusivamente qualificado para os jogos Olímpicos de Pequim e não pôde participar pelo mesmo motivo de sempre: Falta de verba!). O Eloy é atleta do S.L e Benfica, clube pelo qual farta-se de ganhar títulos, sem qualquer tipo de apoio, vendo-se obrigado a fazer uns biscates para sobreviver, o que já o levou a equacionar o abandono do Taekwondo, caso as coisas não mudem num futuro próximo. Não sou bruxo, mas não me admiraria mesmo nada, se num futuro próximo visse o “nosso” Eloy a triunfar com as cores de um outro País qualquer, que não perderá a oportunidade de ter um atleta deste calibre nos seus quadros (lembram-se da ex-nossa, Enezenaide Gomes, hoje Naide Gomes?). Abram as pestanas, senhores dirigentes desportivos!

A prestação de STP em Atletismo e Taekwondo, veio mais uma vez provar que a nível individual, temos alguns talentos a ter em conta, mesmo nas modalidades colectivas. O complicado tem sido proporcionar-lhes condições de treino e de trabalho para explorarem ao máximo o seu potencial e a nível das modalidades colectivas, acrescente-se também, o vazio que há na formação (ou contratação) de treinadores que sejam capazes de realizar um trabalho serio e competente, de forma a faze-los funcionar em equipa. Para isso, era também necessário que a competência e a visão estratégica fizessem escola a nível dos nossos dirigentes desportivos e não só. Mas depois teríamos que resolver o eterno problema da falta de meios para tudo, o que nos faria voltar ao ponto de partida. Complicado, não é?

Apesar de todos esses improvisos e das dificuldades do costume, conseguimos conquistar 7 medalhas e ficar no quinto lugar da classificação geral, a frente de Países como Cabo Verde, Moçambique e Guiné-Bissau. Um feito estrondoso, dada a falta de expressão internacional dos nossos atletas e às dimensões reduzidas, do nosso País e da nossa população.

Imaginem agora, meus senhores, como seria se tivéssemos investido algum dinheiro no desporto Nacional? Se tivéssemos construído algumas infra-estruturas básicas, como um pavilhão multi-desportivo e um campo de futebol 11 em cada distrito? Se tivéssemos construído pelo menos duas pistas de atletismo dignas nos distritos mais populosos, ou talvez uma em São Tomé e outra no Príncipe? Não teriam que ser monumentos impotentes e grandiosos, bastava que fossem funcionais. Como seria se tivéssemos apostado mais na formação e qualificação dos nossos treinadores? Como seria se tivéssemos promovido e apoiado o desporto escolar e as diferentes competições Nacionais, pelo menos nas modalidades com maior expressão?

Num País em que tudo falta e tudo é prioritário, pretender que se invista seriamente no desporto, pode até parecer utópico, mas creio que mais uma vez ficou provado que o retorno seria incomensurável.

Uma nota final para o facto insólito dos repórteres da TVS destacados para cobrir a participação de STP nos jogos da Lusofonia, terem embarcado sem nenhuma câmara de filmar, dado que a ultima hora, “descobriu-se” que a televisão publica apenas dispunha de uma câmara de filmagem operacional e naturalmente que não podiam privar-se dela por cerca de quinze dias. Mas como as passagens já estavam pagas e os vistos garantidos, porque não vir passar quinze dias de ferias “forçadas” à Portugal? Foi pena eles não terem tido algum “jogo de cintura” para improvisar uma câmara de filmar e poder assim, imortalizar o momento histórico em que o (ainda) nosso Eloy Boa Morte, subiu ao mais alto lugar do pódio para receber uma medalha de ouro, ao som do “Independência total”.

sábado, 30 de maio de 2009

"QUEM GUARDARÁ OS GUARDAS?"

Confesso que não sei quem foi o autor dessa frase de conteúdo filosófico tão profundo e nem estou para ai virado, já que para mim, esse é daqueles casos em que mais importante do que “quem disse”, é “o que foi dito”. Lembrei-me dela há dias, quando ouvi as notícias sobre mais um capítulo vergonhoso (e gravíssimo) da já histórica rixa entre as forças de manutenção da ordem pública e da paz em São Tomé e Príncipe e achei pertinente utiliza-la como rampa de lançamento para a minha crónica de hoje.

Desde que me conheço como gente que oiço falar dos frequentes confrontos e desentendimentos entre os militares das F.A.R.S.T.P e os agentes da Policia Nacional de S.T.P, tendo inclusive presenciado por duas vezes in loco o desenrolar desta disputa descabida pelo primeiro lugar no pódio da estupidez.

Quantas vezes não vimos os militares (fardados ou não) a forçarem a entrada nos recintos públicos de espectáculos sem pagar o respectivo bilhete, demonstrando um total desprezo pelos agentes da polícia destacados no local? Quantas vezes não ouvimos falar de casos em que os militares invadiram as esquadras da polícia para forçar a libertação de colegas seus presos por desacato à a autoridade? Quantos “duelos” públicos não assistimos, entre militares e polícias por assuntos tão corriqueiros como casos de traições amorosas ou simples demarcações territoriais? E em quantos desses casos não houve disparos de armas de fogo ou a ocorrência de uma desforra nos dias a seguir, com a participação de outros colegas de camarata? O mais estranho (ou não) é que até hoje ninguém se preocupou sequer em tentar descortinar os motivos que estarão por trás deste constante "medir de forças" entre os servidores destas duas instituições, quanto mais, esboçar uma tentativa para a resolução do problema.

A verdade é que, neste universo de impunidade e de desresponsabilização que também vai fazendo escola a esse nível em S.T.P, os casos mediáticos vão acontecendo a um ritmo alucinante, tendo inclusive custado a vida de uns tantos coitados, causado lesões permanentes a outros e contribuído para a existência de graves desavenças entre familiares e amigos.

O que passará pela cabeça do comum cidadão quando constata que aqueles que têm o dever constitucional de zelar pela sua segurança, andam na praça pública a digladiarem-se, qual cowboys no tempo do velho oeste selvagem, atentando de forma irresponsável e altamente perigosa contra a tal ordem publica que juraram proteger?

Que moral terão esses senhores para agirem de forma coerciva sobre os delinquentes que agora proliferam na nossa praça, quando são eles próprios que se apresentam aos cidadãos como os maiores desordeiros?

Como é que querem conquistar o respeito das populações e impor a ordem, se eles próprios não se respeitam entre si e nem respeitam o rígido código de conduta a que estão submetidos?

Quer queiramos, quer não, os militares e os polícias estão sujeitos a uma ética e uma disciplina diferente dos restantes cidadãos e por causa disso, as suas falhas a esse nível, são duplamente graves.

Espero que o recente acontecimento entre as forças policiais e os militares do corpo da Guarda Presidencial – essa é nova, qualquer dia os agentes da PIC também entram no barulho – faça disparar o alarme e leve as pessoas responsáveis a reflectirem seriamente sobre essa questão para encontrarem soluções definitivas, porque numa altura em que os São-tomenses deixaram de ser um povo pacato e estão mais propensos a resolver as suas diferenças na base da violência, em que a criminalidade e a delinquência começam a ganhar contornos assustadores e em que o desrespeito pelas leis e pela autoridade do estado é cada vez mais uma pratica comum, é fundamental a afirmação de uma força policial disciplinada, competente e totalmente comprometida com os sagrados valores emanados da constituição da republica. O mesmo serve para os militares, que têm que perceber de uma vez por todas que não são os donos do País – presunção assumida sobretudo em resultado das duas ultimas tentativas de golpe de estado em que eles tiveram papel preponderante – e que não podem sistematicamente estar a atentar impunemente contra a ordem publica, desonrando e desrespeitando a instituição que servem e os seus colegas da policia, que em ultima analise são as pessoas legalmente mandatadas para zelar pela segurança interna e pelo cumprimento da lei por parte de TODOS os cidadãos.

Em jeito de conclusão, devo acrescentar que ao contrário do que foi sugerido por algumas pessoas – que relevaram o facto dessas situações terem deixado de acontecer no consulado Ministro Óscar Sousa – não creio que a solução passe pela personificação de um tipo de liderança musculada que terá produzido alguns resultados, mas que sempre esteve (e estará) condicionada em termos de “prazo de validade”, pelos ciclos de governação inerentes ao facto de vivermos em democracia. A solução passa sim, pela criação de instituições fortes e disciplinadas, submetidas ao poder legitimamente instituído e nunca à uma pessoa em especial, de forma a fazer valer aquela velha máxima que diz: “Os homens passam e as instituições permanecem. “

quinta-feira, 23 de abril de 2009

REFLEXÕES SOLTAS II – A UTILIDADE DA MORTE.

Um dia li num desses livros aparentemente inúteis que se vendiam nas antigas ferias do livro em São Tomé, um poema de um poeta Brasileiro que, se a memoria não me atraiçoa, num dos seus versos dizia o seguinte: “ Não consigo entender três coisas, o tempo, a morte e o teu olhar”.

Na época, não reflecti de uma forma seria sobre essa frase, porque estávamos naquela fase da adolescência em que um poema bonito declamado na altura certa, poderia significar o sucesso de uma conquista amorosa e acabei apenas por decora-lo de forma “desligada” para um ocasião daquelas. Hoje, com a maturidade e o "vivimento" que só a idade proporciona, ao escolher a morte como o segundo tema das minhas “reflexões soltas”, dei comigo a pensar seriamente no alcance e conteúdo filosófico dessa frase.

Concordo plenamente com o autor quando diz que não entende o olhar da sua amada (embora nunca a tenha visto) porque partindo da premissa universal que o olhar de uma mulher é imperscrutável, só tenho que assinar por baixo.

O tempo, também não o entendo, pelo menos hoje. Pode ser que daqui há algum tempo possa vir a tentar entendê-lo e quiçá escolhe-lo como o tema de uma das minhas futuras “reflexões”, mas hoje não! Hoje apetece-me apenas divagar sobre a utilidade da morte.

O que é então a morte? Significara ela o fim de tudo ou o princípio de algo de muito bom? E como seria o mundo se ela não existisse?

Como não sou bruxo e não conheço ninguém que tenha experimentado a sensação de estar “do lado de lá”, não posso ter a pretensão de saber a resposta para algumas dessas questões complicadas e nem me atrevo a desenhar cenários floridos sobre algo que ninguém consegue provar, pelo menos até ser embalado nos tentáculos frios da morte (mesmo chegando a esse ponto, trata-se de uma “experimentação” em que não se pode partilhar as conclusões com mais ninguém, a não ser que os outros queiram também, a titulo de curiosidade, viver a experiencia na sua plenitude, que é como quem diz: Viver a morte…Irónico, não é?). Posso sim, enfatizar a premissa muito verdadeira de que, num universo de variáveis relativas, apenas o carácter absoluto e definitivo da morte é incontestável. Todos acabamos por morrer um dia, alternando na equação da vida apenas as variáveis “como”,” onde” e “quando”. Logo, posso concluir com toda a propriedade e de forma irrefutável que sob certo ponto de vista, não está errado afirmar que nós viemos ao mundo para morrer e que é esse o nosso propósito final e o único “objectivo” comum de todos e de tudo nessa vida.

O facto de chegar a essa conclusão não significa que concordo com a existência da morte ou que valorize a sua utilidade, aliás, sou um acérrimo critico da morte desde que ela levou o meu pai há cerca de 26 anos atrás, deixando a minha mãe desamparada com 4 filhos pequenos para criar.

Naturalmente que o meu lado racional aceita a morte como uma coisa necessária para manter o equilíbrio no nosso mundo e até para valorizar a própria vida, mas o meu lado emocional, não! O meu lado emocional não vê utilidade nenhuma na morte e até preferiria que ela não existisse. O meu lado emocional adoraria não ter que experimentar os sentimentos de dor, de perda e de saudade que nos varrem o corpo e a alma sempre que morre alguém que nos é querido. O meu lado emocional daria o “seu dedinho da mão esquerda” para que se inventasse um estratagema infalível para enganar a morte sem por em risco o tal equilíbrio natural que a própria morte garante. O meu lado emocional rejubilaria de alegria se o meu pai não tivesse morrido, se as minhas avós também estivessem ainda vivas e com elas, todos os familiares e amigos que já perdi nessa vida. Mas como o mundo não gira a volta do meu umbigo, também os pais, os avôs, as avós, os amigos e familiares de todos ainda estariam vivos. Como seria então? Onde caberíamos todos? Será que chegaríamos a nascer, nós, cujos antepassados já existiam há tantos milénios atrás e com a ausência da morte certamente chegariam a um ponto em que deixariam de fazer o amor com o intuito de procriar? Talvez esteje a exagerar um pouquinho nesses desejos desvairados do meu lado emocional, mas já que estamos todos fatalmente condenados a morrer, custava "inventarem" algumas regras basicas para a morte ser menos penosa?! E se por exemplo, apenas fosse permitido morrermos durante o sono de forma totalmente indolor? Custava assim tanto implantarem essa regra?! E se fosse proibido morrermos antes dos 40 anos, de forma a permitir que todos pudessem experimentar a vida de forma mais prolongada e evitar que as crianças e os jovens perdessem a vida prematuramente?! Fazia assim tanta diferença?! E se fosse totalmente inconcebivel os filhos morrerem antes dos Pais?! A morte em si é algo doloroso, mas garanto-vos que não há nada mais doloroso e traumatizante do que os Pais perderem um filho. E se não fosse permitido morrer mais do que uma pessoa de cada vez na mesma familia?! Tendo em conta as despesas de um funeral, até na parte financeira estariámos mais aliviados. Ficam assim registadas algumas das minhas reivindicações dirigidas à entidade que inventou a morte.

Posso então concluir que se hoje estou aqui a escrever esses impropérios contra a morte, a ela o devo, porque se ela não existisse, também eu não existiria. Resta-me pois, dar primazia ao meu lado racional e aceitar a morte como algo natural e necessário, sem cair na tentação de tentar entende-la, limitando-me a fazer figas para que eu a encontre apenas no ocaso da minha existência, porque apesar de tudo, parafraseando o meu amigo Uva (assim chamado pela sua tendência para exagerar no consumo do vinho tinto): A VIDA É BELA E QUEM MORRE É BURRO!!!!!!

Não consigo entender o tempo, a morte e o teu olhar, dizia o poeta. Continuo sem conseguir entender o tempo, a morte e o olhar das mulheres, digo eu, resignado.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

CONVERSAS SOLTAS XII - Sobre o (mau) funcionamento da EMAE.

* Dois compadres encontram-se nas instalações da EMAE quando iam pagar as suas contas de água e luz:


Compadre 1 – Olha quem está aqui…Há muito tempo compadre… Como é que foi a estadia em Portugal? E a comadre Maria? Já esta melhor?

Compadre 2 – Pois é meu caro amigo, já se passaram 4 meses…A Maria está a recuperar bem da operação, como já estávamos sem dinheiro, tive que regressar sozinho para voltar ao trabalho. Ela vai continuar por lá mais um mês na casa dos familiares.

C 1 – Isso são boas notícias, ainda bem que a irmã dela conseguiu mexer água para essa Junta médica, vale a pena ser vivêncha de gente pesada… Então?! Compadre veio contribuir mais um bocado para o aumento da conta da EMAE? Olha que essa coisa de energia e água continua complicado por aqui…

C 2 – Nem te digo nada, depois de 4 meses fora do Pais, recebo ontem uma factura de água e luz de dois milhões de dobras…Dá para acreditar? Dois milhões!

C1 – Credo! Compadre deixou alguma coisa ligada ou quê? Alguma lâmpada ou frigorifico?

C 2 – Qual frigorífico? Desde que o outro avariou no ano passado que nós não temos frigorifico em casa e só agora é que eu trouxe uma televisão pequena que me deram em Portugal... Em casa só temos 5 lâmpadas, ferro de engomar e um rádio que eu ligo de vez enquanto para ouvir as notícias e fechei a torneira do próprio contador da agua antes de viajar… E mesmo que tivesse deixado uma lâmpada acesa não era caso para chegar a esse valor com essa situação de só haver energia um dia sim, dois dias não.

C 1 – Realmente isso é um roubo. Compadre tem que reclamar.

C 2 – O quê que compadre acha que estou a fazer? Há 3 dias que ando para frente e para trás…No primeiro dia falei com aquela senhora do balcão e ela disse que não pode fazer nada, se o contador marcou, está marcado! Pedi para falar com o chefe dela e ela disse que ele tinha ido almoçar, provavelmente só voltaria no dia seguinte. Dito e feito, esperei pelo homem até ao fim do expediente e o gajo não voltou… Vim ontem falar com ele, trouxe o bilhete de passagem e as copias dos documentos da junta para provar que estive ausente do País durante 4 meses e ele disse que sou mentiroso, que aluguei a casa a alguém e agora não quero pagar. Fui falar com o Director comercial, expliquei a situação e ele mandou um técnico ir lá pra casa confirmar a leitura.

C 1 – …E como é que ficou? Estava marcado?

C 2 – O gajo mexeu no contador, mostrou uns números esquisitos que eu não percebi e disse que estava bem e que tinha de pagar… Voltei hoje para falar com o Director comercial outra vez e disse-lhe que se não resolvesse o meu problema, iria falar com o próprio Director da EMAE e até com o Ministro se fosse preciso. Sabes que ele me disse?! Que o máximo que podia fazer era perdoar uma parte e eu pagar a outra. Já viste como é que as coisas funcionam aqui na EMAE?

C 1 – Isso esta cada vez pior…Eu também as vezes noto que as facturas vêm com valores muito altos e sempre que reclamo, voltam a baixar o valor, as vezes sem ir confirmar no contador…Realmente essa EMAE é um bobo.

C 2 – É bobo ou são uns ladrões! Mandam as facturas aldrabadas e se um gajo não reclama, dão-te no lombo com a força toda. Se com essas falhas de energia a gente já paga tudo isso, imagina se a energia fosse 24 h sobre 24h? Aí é que estávamos todos “buiados”. Mesmo assim nunca têm dinheiro para pagar o gasóleo da ENCO.

C 1 – Por isso é que o País não arranca…Um gajo vai tratar de algum documento e há sempre problemas porque não há energia pra ligar o computador e o ar condicionado dos funcionários públicos. As empresas que não têm geradores próprios são constantemente lesadas no seu processo de produção e vêm os seus apanhar por tabela clientes por falta de energia eléctrica. Quem tem frigorifico em casa não pode comprar o peixe em quantidade quando está barato porque não dá para saber se vai ter energia ou não para conservar o peixe. As coitadas das palaiês as vezes têm que deixar o peixe estragar porque a própria fabrica de gelo as vezes também não tem energia. O meu filho mais velho estuda a noite e quase nunca tem aulas por falta de energia e por causa disso, duas colegas ja apanharam bariga. Um gajo nunca sabe qual dia que pode assistir ao telejornal ou a um jogo na TV pelo mesmo motivo. Sem falar que esses cortes constantes de energia e as oscilações da corrente dão cabo de todos os electrodomésticos em casa…

C 2 – Pois é, foi assim que o meu frigorifico foi a vida…Nem durou 2 anos. Até já sinto saudades de chegar a casa depois do trabalho e beber uma “fresquinha” a estalar…

C 1 – É melhor compadre contentar com a cerveja quente porque a coisa está cada vez pior.

C 2 – Eu sei…Já deu pra notar que ainda há um longo calvário a ser percorrido…Mas ouvi falar que estão a pensar construir mini barragens hídricas com ajuda do Brasil. É verdade isso?

C 1 – Também ouvi qualquer coisa sobre isso, mas sinceramente que não sei se não será mais um projecto que não passará do papel…Depois de tantos estudos, tantos projectos falhados, tantas expectativas frustradas até tenho medo de voltar a ter esperança para não voltar a ter desilusões…E depois um gajo já esta tão habituado a essa vida que já nem liga muito a isso. Se tiver agua, tomo banho no chuveiro e encho os baldes todos para guardar, se não tiver, vou com os miúdos buscar no chafariz. Se tiver luz, vejo televisão, a mulher engoma com ferro eléctrico e os miúdos podem brincar na rua a noite, se não houver energia, jantamos com luz de vela e vamos cedo para cama fazer “coisa”.

C 2 – Pois é….Eu como estou “sôle”, nem isso posso fazer…

C 1 – Tem calma que isso é temporário… E como é que fica a situação da factura? Compadre vai pagar ou vai tentar falar com o Director da EMAE?

C 2 – Nem sei...E se eles ficarem com raiva por eu ter procurado o Director e nunca mais me darem energia? Como já consegui eliminar uma metade se calhar pago esse um milhão assim mesmo e chamo Deus…

C 1 – Nada disso, não podemos cruzar os braços e dizer sempre “sim senhor” a esses bandidos…Se compadre tem a certeza que não deixou nada ligado para justificar os dois milhões da factura, tem que reclamar e gritar "quidalê" até ao Primeiro-ministro e o Presidente se for preciso. É por esse comodismo que nos encontramos nessa situação. Temos que aprender a reclamar quando as coisas não estão bem e a lutar pelos nossos direitos de uma vez por todas!

C 2 – Ohhhh…Compadre pareceu um político a falar…Sim senhor! Compadre devia vir comigo para ajudar-me a falar com o homem…

C 1 – Kéi, compadre acha? Pra cortarem a minha energia também? O problema é do compadre e é o compadre que em que resolver sozinho. Além disso já não dá tempo, tenho que voltar ao trabalho agora…

C 2 – Eu logo vi que essa conversa era só zôplo…Como sempre, falar é bonito, mas na hora de agir, é cada um por si, não é?

C 1 - ....

E lá seguiram os compadres, cada um pró seu lado, pensativos e acomodados às suas vidas medíocres…Tristemente acomodados.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

PRESIDENCIALISMO!? PORQUE NÃO?

Em consequência dos últimos acontecimentos políticos em São Tomé e príncipe, veio a baila mais uma vez a velha questão do sistema de governo que mais se adapta à nossa realidade.

Naturalmente que se fizermos um exercício de reflexão sobre o que tem sido esses 18 anos do sistema Semi-presidencialista em STP (até 2003 com um pendor mais Presidencialista e depois com um pendor mais Parlamentarista), o resultado é catastrófico a todos os níveis, sendo que ainda não se conseguiu descortinar sem margem para duvidas se o mal está no próprio sistema, que não se adequa de todo à nossa realidade ou se está nos autores políticos que muitas vezes atropelam as normas instituídas, por incompetência, por negligencia ou por pura má fé.

Muitos afirmam peremptoriamente que o mal está nos nossos autores políticos, evocando o exemplo de outros Países que enveredaram pelo Semi-presidencialismo com resultados bastantes satisfatórios a nível do funcionamento e da coabitação entre os órgãos do poder político, esquecendo-se que, embora o sistema seja universal, cada País tem as suas particularidades próprias e temos que ter em conta vários factores que podem influenciar de forma significativa a boa implementação pratica dos “princípios teóricos” desse sistema de governo: A própria história do País e do seu povo, a cultura politica dos seus dirigentes, o nível de maturidade das instituições democráticas, a situação económica do País, o nível de alfabetização do seu povo, a competência e a clarividência dos seus políticos, a situação do sistema Judiciário, e.t.c, e.t.c

Outros defendem que dada a nossa “pequenez” em termos de território e de população, o sistema Semi-presidencialista não é o mais adequado e que muitos dos focos de instabilidade que têm assolado STP se deve a algumas lacunas que o sistema apresenta em termos de equilíbrio de poder entre os órgãos políticos.

A verdade é que, seja por culpa do sistema, seja por culpa dos politicos ou até por culpa dos dois, as coisas não têm funcionado a nivel da divisão de competencias e de poderes, e temos assistido nesses anos todos sucessivas crises políticas em resultado de "querelas" entre os orgãos de soberania que têm assassinado de forma implacável as esperanças de desenvolvimento do nosso São Tomé e Príncipe.

Já experimentamos o Presidencialismo totalitário e absolutista e o País não “arrancou”. Já experimentamos o Semi-presidencialismo com poderes alargados para o Presidente e o País voltou a não “arrancar”. Limitou-se os poderes do Presidente numa tentativa de “remediar” o sistema e o País teima em não “arrancar”. Tivemos Presidentes e Governos de diferentes quadrantes políticos e os “casamentos de conveniência” acabaram todos em divórcios litigiosos. Tivemos Presidentes e Governos do mesmo quadrante político (Trovoada/PCD e Fradique/MDFM) e a coisa voltou a não funcionar, caindo por terra o velho mito de que um Presidente e um Primeiro-ministro da mesma cor politica iriam se entender às mil maravilhas. Certamente que os problemas de São Tomé e Príncipe não se resumem apenas ao sistema de governo ou à qualidade (ou falta dela) dos seus políticos, mas creio que uma parte significativa desses problemas “desapareceriam” se conseguíssemos resolver a questão da má governação e dos desentendimentos entre os órgãos de soberania. O que fazer então?

Naturalmente que não conseguiremos mudar os autores políticos todos, pelo menos ao mesmo tempo, então talvez seja altura de experimentar uma mudança a nível do sistema de governo e nesse campo, devo confessar que pela primeira vez estou de acordo com o nosso Presidente: O Presidencialismo pode sim, ser uma saída viável. Não o sistema Presidencialista universal pré concebido, mas um sistema Presidencialista adaptado à nossa realidade de forma a não cairmos outra vez no equívoco de “importar” um sistema novo sem tentar ajusta-lo às particularidades do nosso País e do nosso povo.

Um Presidencialismo em que em termos gerais, o Presidente tivesse o poder executivo e fosse eleito para mandatos de 4 ou 5 anos renováveis, o Supremo tribunal, o poder judiciário em que os juízes fossem nomeados para um mandato único de 6 a 9 anos e o Congresso ou Parlamento, o poder legislativo com mandatos de 4 a 5 anos, sendo que o Presidente não podia dissolver o Congresso em hipótese alguma, cabendo essa prerrogativa ao poder Judiciário (dentro de normas a serem estabelecidas) e onde o congresso pudesse demitir o Presidente em situações de crime, abuso de poder ou violação das normas constitucionais.

Um Presidencialismo onde também fosse eleito um Vice-presidente, para que em caso de morte ou destituição do Presidente, o Vice seja chamado a levar o mandato até ao fim, sem ter necessidade de outras eleições (caso não seja acusado, também ele) e em que o Vice-presidente possa ocupar uma das pastas do gabinete do Presidente ou possa ser o Presidente do Congresso, para que a sua função não seja meramente decorativa.

Um Presidencialismo em que fosse eleito um Congresso ou Parlamento com um máximo de 31 Congressistas ou Deputados, em círculos plurinominais e em que os eleitos seriam funcionários públicos a tempo inteiro, bem renumerados e proibidos de exercer qualquer outra função pública ou privada.

Um Presidencialismo em que os candidatos aos cargos de Presidente, Vice-presidente e Deputado, fossem previamente escrutinados pelo Supremo Tribunal de justiça de forma a não termos “delinquentes” candidatos aos mais altos cargos públicos da nação; onde os indigitados para as pastas do Gabinete do Presidente passassem por um rigoroso processo de “crivagem” no Congresso de forma a evitar as ligações perigosas e o compadrio que se tem verificado nas relações entre o sector publico e o privado e onde todos os titulares de cargos públicos fossem obrigados a apresentar as suas declarações de rendimentos antes de assumir os respectivos cargos.

Um Presidencialismo onde fossem estabelecidas clausulas barreira no sistema eleitoral de forma a limitar a proliferação de partidos políticos, contribuindo para uma maior estabilidade interna e também fazer baixar o valor total das subvenções do estado aos partidos...

Acredito que, pelos motivos aqui evocados e por tudo mais, é chegada a hora de se debater seriamente a questão do sistema de governo em STP e embora seja a Assembleia Nacional o órgão constitucionalmente competente para o efeito, a sociedade civil e os restantes autores políticos não podem assistir a esse processo de braços cruzados, privando-se de se fazerem ouvir num tema tão importante para o futuro do nosso São Tomé e Príncipe.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

CRONICA DE UM GOLPE DE ESTADO ANUNCIADO.

Mais uma vez acordamos um dia desses com notícias sobre um possível golpe de estado em São Tomé e Príncipe ou como se diz no “politiquês” corrente: A tentativa de inversão por via mais ou menos violenta da ordem constitucional no País.

Se a memoria não me atraiçoa, esta é a 5ª vez que tal fenómeno se verifica no São Tomé e Príncipe Democrático, sem contar com aquela brincadeira de mau gosto que o Afonso Costa protagonizou em 1986, no tempo do partido único, quando tentou “tomar” o País com duas dúzias de indivíduos em canoas de remos (ou será que eram a motor?) “armados até aos dentes” com machados, zagaias, “francotes” e uma ou duas armas de verdade, escudados na perícia militar de um ex – mercenário “búfalo” com nome de herói de banda desenhada. A diferença é que desta vez, ao que parece, os nossos serviços de informação (soa à Americano, não é?) lá descobriram a tempo a tramóia e impediram, até ver, aquela que seria a 5ª tentativa de golpe de Estado em STP em 18 anos de Democracia. Incrível! 4 Tentativas de golpe de Estado e 1 quase tentativa em 18 anos de Democracia. Há anos que andamos a competir ferozmente para o título de País com o maior o maior número de Primeiros-ministros e Ministros por m2, ao que parece, acabamos de lançar com algum mérito, a nossa candidatura ao titulo de País com o maior numero de tentativas de golpe de Estado por década.

Falo em tentativas, porque não passaram disso mesmo: Tentativas! Com maior ou menor alvoroço, com mais ou menos tiros disparados, com mais ou menos dirigentes sequestrados, tudo acaba em alguns dias e voltamos todos às nossas vidinhas com os donos do poder a permanecerem de pedra e cal nos seus tronos, como se nada se tivesse passado, não se verificando na pratica a tal “inversão da ordem constitucional no País”. Tudo fica resolvido depois de decretadas as amnistias gerais da praxe para os “delinquentes” e assinados os famosos memorandos de entendimentos, onde se define a atribuição de algumas benesses aos cabecilhas da quadrilha, como compensação por terem abdicado do poder temporariamente conquistado, uma espécie de indemnização por potenciais danos patrimoniais, que vão desde parcelas de terra, casas, carros à bolsas de estudos no exterior, fazendo assim prevalecer a velha máxima de que o crime compensa ou melhor, tentar dar golpe de Estado em STP, compensa bué!

Por tudo isso, não me espanta que sejamos outra vez confrontados com essa realidade e muito menos me espanta que estejamos na presença de "alunos" repetentes, que mais uma vez, carregando a bandeira dos fracos e oprimidos, vêm se escudar na defesa dos interesses do povo para desestabilizar as instituições publicas, esperando como sempre, colher dividendos nas negociações futuras, com o beneplácito da comunidade internacional. Se lhes correu tão bem em 2003, porque razão esperariam um cenário diferente desta vez? É esse o resultado das políticas de “mão branda” para quem atenta de forma tão grave contra a autoridade do estado que se tem vindo a praticar em STP. É esse o resultado da ausência de punições exemplares nas outras vezes em que nos vimos nas mãos desses mesmos infractores, por receio de sei lá o quê, com medo de sei lá quem. Enquanto a justiça em STP continuar a passar essa imagem de impotência e inoperância, enquanto a autoridade do Estado não for reposta de forma afirmativa e inequívoca, não me parece que essa seja última vez em que nos deparamos com situações destas.

Resta-nos aguardar as cenas dos próximos capítulos, para confirmarmos se realmente estamos perante uma tentativa fracassada de golpe de Estado e neste caso, esperar uma reacção nada benevolente por parte dos órgãos da justiça São-tomenses ou se estamos na presença de uma operação de fachada montada de forma “hollywoodesca” para salvaguardar alguns interesses económicos de um grupo de pessoas, como muitos sugerem, por causa da questão dos terrenos da lagoa azul e do tal casino ilegal que funcionava a vista de todos, com a devida conivência dos órgãos de justiça de STP e só agora foi fechado. Quem viver, verá!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

REFLEXÕES SOLTAS I - EUTANASIA v.s CASAMENTO HOMOSSEXUAL

Ao lerem o título desta crónica, naturalmente que vos vem a cabeça perguntas do tipo: Que raio tem a ver uma coisa com a outra? O quê que o suicídio assistido tem a ver com a legitimação perante a lei dos homens de uma relação amorosa entre duas pessoas do mesmo sexo? Talvez nada. Talvez tudo.

A abordagem simultânea que faço a dois temas tão distintos e polémicos nas sociedades actuais não é de todo inocente. Numa semana em que acompanhamos a situação de Eluana Englaro, uma mulher Italiana que após 17 anos ligada às maquinas em estado vegetativo e 10 anos de infindáveis batalhas politicas, religiosas e judiciais, viu finalmente confirmado pelo supremo tribunal Italiano “o seu direito à morte assistida” e onde ficamos a conhecer a intenção do secretário-geral do PS e Primeiro ministro de Portugal, José Sócrates, em levar ao congresso do seu partido uma moção de orientação política onde propõe "a remoção de barreiras jurídicas à celebração do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo”, dei comigo a pensar seriamente nesses dois assuntos sérios, assistindo as discussões infindáveis que esses temas fracturantes normalmente fazem eclodir nas sociedades de hoje e observando mais uma vez as ligações perigosas que ainda persistem entre a politica e a religião. Como normalmente faço nas poucas vezes que penso seria e profundamente em algum assunto serio, vesti a pele das partes interessadas e cheguei à conclusões “interessantes”:

1 – Se eu fosse um gay ou uma lésbica, de certeza que me agradaria muito poder usufruir do direito que qualquer pessoa tem nas sociedades civilizadas de se casar com quem bem lhe apetecer, seja por amor, pela atracão física ou até mesmo pela atracção financeira.

2 – Se eu estivesse confinado a uma cama de hospital durante alguns anos, como consequência de um azar qualquer que tivesse na vida (toc, toc na madeira) ligado às maquinas em estado vegetativo, sem esperanças de recuperação e aguardando pacientemente o dia da minha morte, toda a minha alma agradeceria profundamente à pessoa que generosamente pusesse fim a esse sofrimento e acabasse com o desgaste físico e mental a que estaria sujeito, “libertando” também a minha família e amigos mais próximos desta pesada cruz.

3 – Se eu fosse um politico populista numa sociedade conservadora, um membro efectivo ou simples adepto ferrenho de uma qualquer religião, apegado aos dogmas bíblicos ou apenas um cidadão tacanho que se recusa a aceitar as mudanças sociais que têm acontecido no nosso dia-a-dia, com certeza que abominaria a ideia de duas pessoas do mesmo sexo poderem ver a sua situação de união “anormal” amparada nos braços da lei.

4 – Se eu continuasse a ser o mesmo politico populista numa sociedade conservadora, o mesmo membro ou praticante ferrenho de uma qualquer religião, de certeza absoluta que defenderia solenemente a premissa suprema de que só devemos deixar esse mundo quando e como o SENHOR entender e nunca antes da altura “marcada” e muito menos por interferência de outro qualquer pecador. Ah, se eu tivesse um familiar próximo ou um amigo chegado confinado a uma cama de hospital, ligado a uma máquina sem hipóteses de recuperação, de certeza que travaria dentro de mim uma luta acesa entre o “aceitar” que se terminasse com o seu sofrimento, mesmo a pedido dele e o “lutar” para que ele se mantivesse vivo, mesmo em situação precária, apenas para suprir o desejo egoísta que todos temos de querer ter as pessoas que nos são queridas perto de nós e entre nós.

Como sempre acontece quando nos “metemos” na pele dos interessados em questões de consciência, acabamos por não chegar a conclusão nenhuma, porque cada um tem os seus motivos, as suas crenças, os seus interesses e as suas próprias experiencias para sustentar o seu ponto de vista ou a sua intransigência. Eu pessoalmente acho que nas duas situações em análise, por se tratar de questões de consciência, acima das politiquices e dos dogmas caducados da igreja, devia prevalecer o nosso livre arbítrio, sustentado naturalmente na premissa maior de que “ a nossa liberdade termina onde começa a do outro”. Podemos não concordar com o casamento homossexual, ou melhor, podemos até não achar muita piada à relação homossexual em si, mas temos que aceita-la como facto consumado nos dias que correm e respeitar os que seguiram por essa via. Podemos achar eticamente imperdoável que uma pessoa em qualquer circunstancia possa por fim a sua própria vida ou pedir a outros que o façam por ela, mas temos que entender que há momentos especiais na vida em que a própria vida torna-se sofrida e sem significado, por isso temos que aceitar e respeitar que o “dono” dessa vida decida acabar com ela como forma de por fim ao seu sofrimento.

Naturalmente que não defendo o livre arbítrio cego e desgovernado, porque como seres sociáveis, não seriam raras as situações em que o nosso livre arbítrio fatalmente acabaria por entrar em colisão com os direitos de outrem ou com as regras instituídas, logo, nos dois assuntos em questão, caberia aos políticos, deixarem de lado a hipocrisia e definir as regras que levassem as pessoas a poderem optar por aquilo que mais lhes conviesse em cada um dos casos. Se é ponto assente que cada vez mais há casais homossexuais assumidos, se muitos inclusive já começam a “juntar os trapinhos”, porque não lhes dar o direito de ver essa relação reconhecida perante a lei? Se há casos de pessoas em estado vegetativo que acabam por falecer repentinamente em circunstancias obscuras, por conta da piedade de um medico ou enfermeiro, porque não permitir de uma vez por todas que essas pessoas tenham um final de vida digno? Por que não definir regras para evitar os equívocos que as vezes acontecem e que custam a vida de muitos que se calhar foram mal diagnosticados e careciam de uma segunda opinião competente? Porque continuar a tapar o sol com a peneira e fazer de conta que nada se passa?

Foi assim na questão do aborto, que mesmo proibido por uma lei conservadora e moralista, acontecia em cada clínica clandestina desse País em condições precárias e continua a acontecer em cada clínica clandestina desse mundo fora, nos Países onde os políticos ainda não foram “iluminados” para perceberem que a melhor solução para esse fenómeno é a sua legalização e o estabelecimento de programas de informação e acolhimento para evitar as milhares de mortes e os inúmeros problemas que padecem as mulheres que recorrem a esses lugares.

È assim na questão da prostituição, que mesmo “proibida”, continua a proliferar em cada cidade e bairro desse País, enriquecendo pessoas de má índole e permitindo também o aumento de “mazelas” sociais como o tráfico de mulheres, o tráfico de droga e as doenças sexualmente transmissíveis. Todos sabem que a prostituição existe, deparamos com ela nas páginas dos classificados dos jornais, nas ruas, em bares de alternes e em casas de striptease, então porque não legalizá-la de uma vez por todas? Porque não transformar essas mulheres e homens em trabalhadores honrados que cumpram com as suas obrigações fiscais como todos os outros contribuintes? Porque não regulamentar o sector de forma a acabar com os “chulos” e instaurar a obrigatoriedade da inspecção médica?

Pese embora os conflitos de ordem moral que possam existir nas questões que frisei, penso que seria de todo útil que houvesse coragem politica para regulamentar aquelas situações que temos como casos consumados, de forma a evitar que as pessoas continuem a agir fora dos braços da lei e permitir que cada um possa optar por aquilo que quer, de acordo com a sua consciência.

Legalizou-se o aborto e quem é contra o aborto pode continuar a ser contra, resguardado nos seus princípios éticos, mas deu-se hipótese aos que são a favor de poderem optar por uma saída segura. Legalize-se então o casamento homossexual e a eutanásia. Os que são contra, poderão continuar a ser contra, bastando que se abstenham de exercer esses direitos, mas ao menos daremos aos que estão a favor o direito de poderem optar sem estar a cometer nenhum tipo de crime. Creio ser esta, a essência da cidadania.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

E SE O OBAMA FOSSE BRANCO?

O mundo “parou” para assistir a cerimónia de tomada de posse de Barack Obama como o 44º Presidente dos EUA. Das aldeias do interior de África, passando pelas grandes cidades e pelos locais mais recônditos da Ásia, Europa, América do Sul e Austrália, um mar de gente colou-se à Tv na hora do juramento solene de Obama, levando a que fosse batido alguns recordes de audiência em muitos Países, coisa que alias já acontecera na noite da sua vitoria eleitoral. Outro recorde foi batido em Washington onde quase dois milhões de pessoas, enfrentando temperaturas adversas e um dispositivo de segurança sem precedente, assistiram ao vivo esse momento histórico, coisa nunca antes vista nas anteriores cerimónias de tomada de posse de outros Presidentes, incluindo a de Kennedy, um dos mais queridos e populares Presidentes que já passou pela casa branca, o que veio dar razão à aqueles que consideram Barack Obama como o primeiro Presidente global da historia da humanidade.

Muitas questões se levantam quando ousamos analisar esse fenómeno de popularidade e essa onda de esperança que parece varrer o nosso planeta de Norte a Sul desde a eleição de Obama, mas há uma que fatalmente teima em ter primazia sobre as outras: Será que todo esse optimismo, toda essa esperança na mudança, toda essa mobilização internacional e todo esse “quase endeusamento” da figura de Barack Obama se deve tão-somente ao facto de ele ser o primeiro Presidente negro da história dos EUA? Pondo a questão de outra forma: E se o Obama fosse branco, como seria então?

Mia Couto, escritor Moçambicano e um dos maiores vultos das letras no mundo lusófono escreveu há tempos um interessante texto sobre o improvável aparecimento de um Barack Obama em Africa, elencando com a mestria habitual os variados obstáculos que se apresentariam no caminho de qualquer Africano que se atrevesse a mostrar uma nova via de esperança ao seu povo que os levasse a afirmar em uníssono: Yes, we can!

Permita-me o Mia Couto que eu dê um torcicolo no “pescoço” da ideia base com que cimentou o seu texto e faça aqui um exercício de reflexão baseado na hipótese que atrás sugeri:

E SE O OBAMA FOSSE BRANCO?

E se por um passe de magia pudéssemos substituir o progenitor do presidente Obama por um homem Branco? Tanto fazia que esse Barack sénior fosse um Europeu ou um Americano branco, o importante nesta reflexão é ressalvar o tom de pele clara com que nasceria o Obama imaginário, sendo que manteríamos exactamente iguais todos os outros aspectos da sua vida, desde a sua educação, a ausência do pai, o seu percurso académico e politico, o seu carácter, os seus sonhos, os seus dotes de orador e.t.c, trazendo também a baila, naturalmente uma Michelle Obama branca. Será que na conjuntura em que o Obama negro chegou à presidência dos EUA, um Obama branco também o conseguiria? E mais ainda, um Obama branco, o conseguiria da forma tão espectacular e galvanizadora como aconteceu? Ser-lhe-iam também depositadas tamanhas expectativas e esperanças?

Naturalmente que não farei a analogia entre o Obama negro e o Obama Branco desde o seu nascimento, porque como ressalvei no parágrafo anterior, esse exercício pretende apenas mostrar o meu ponto de vista sobre a importância da questão racial no estrondoso sucesso politico da figura de Barack Obama. Portanto, partindo da hipótese de que o Barack Obama Branco teria as mesmas oportunidades, restrições e sonhos do Barack Obama negro e tivesse vivido de forma exactamente igual, vou situar temporalmente o principio da minha reflexão no ano de 2004, altura em que Obama começou a despontar para a politica a nível Nacional.

Se o Obama fosse branco, mesmo sendo um excelente orador e tendo já na altura vencido as eleições primarias do partido Democrático no estado do Illinois, talvez não seria convidado pelo John Kerry a fazer o discurso de abertura na convenção democrática de 2004 e logo perderia a hipótese de se projectar a nível nacional e de viver o momento mais marcante da sua curta carreira politica. Lembro-vos que na altura, o partido democrático procurava uma “cara” nova e fresca, de preferência um representante das minorias étnicas e por esta premissa, o nosso Obama branco talvez não despertasse a curiosidade dos barões do partido Democrático.

Se o Obama fosse branco, talvez fosse também eleito Senador pelo estado do Illimois, visto que essa eleição foi ganha com um enorme contributo do factor sorte que sempre protege os audazes. O adversário do Obama negro nas primarias democráticas e também o Republicano nas eleições gerais retiraram as suas candidaturas por se verem envolvidos em escândalos sexuais que foram revelados pela imprensa semanas antes do dia das respectivas eleições, o que abriu caminho a vitoria de Obama com quase 70% dos votos. Mesmo assim, a vitória do Obama branco no Illinois seria algo normal e não teria despertado tanta curiosidade nos média que começaram a interessar-se de forma tão intensa pelo Obama negro pelo facto de se ter tornado na altura “apenas” o 3º negro a ser eleito para o Senado em toda a historia dos EUA. Logo, o Obama branco não seria alvo do proteccionismo dos meios de comunicação social que tanto jeito deu ao Obama negro, não teria despertado a curiosidade dos Americanos de forma tão abragente e talvez nem a revista "Time" vaticinasse em 2006 que ele seria um dia o Presidente dos EUA.

Se o Obama fosse branco, talvez não ousasse lançar a sua candidatura à presidência dos EUA depois de ter passado apenas dois anos como Senador dos EUA, até porque pelos motivos atrás referidos, naquela altura não gozaria de certeza da projecção nacional que o Obama negro tinha nos media para contrariar a sua falta de experiencia e também não teria sofrido as pressões de alguns notaveis do partido para avançar de imediato. E se por acaso mesmo assim, ele avançasse para a “luta”, não teria nenhuma hipótese de derrotar a super favorita Hillary Clinton e seria dizimado como o foram os restantes candidatos considerados “normais” por um eleitorado ávido por algo novo e realmente diferente. Além da vantagem do dinheiro, do apoio dos lobies e da cúpula do partido Democrático, Hillary Clinton não teria ninguém que disputasse com ela um lugar na historia, visto que se desenharia a hipótese de pela primeira vez, uma mulher vir a ser nomeada candidata presidencial pelo partido Democrático e sem ter um negro como contra-peso para baralhar as contas finais, como fez o Obama negro, os Democratas de certeza que não deixariam passar essa oportunidade, atendendo também ao facto da maioria dos eleitores serem do sexo feminino.


Se o Obama fosse Branco e por obra de forças sobrenaturais ou de uma conjuntura especial, derrotasse a senadora Hillary Clinton nas primárias democráticas, talvez pudesse também derrotar o Republicano McCain nas eleições de 4 de Novembro, aproveitando o desastre Sarah Palin e a crise financeira que eclodiu em Wall street, tendo em conta que o povo Americano tendencialmente prefere os Democratas aos Republicanos em assuntos económicos, mas de certeza absoluta que estas eleições deixariam de ser tão “especiais”, tão comentadas, tão participativas e tão expectantes para os Americanos e para o resto do mundo. Poderia causar alguma curiosidade o facto de o McCain ter escolhido uma mulher para Vice-presidente, mas isso já não seria algo novo e poderíamos todos estar ansiosos por conhecer o substituto do W. Bush, mas não “beberíamos” as eleições como o fizemos e nem tomaríamos partido de forma tão desavergonhada e afirmativa como o fizemos pelo Obama negro.

Porque se o Obama fosse branco, não teria a sua história de vida singular para apresentar ao eleitorado fazendo sonhar os mais desfavorecidos, enfatizando a realidade de qualquer um conseguir ser tudo o que quiser nos EUA, mesmo nascendo pobre, sendo de uma minoria étnica e tendo um nome esquisito. Não quebraria a barreira racial e não mostraria ao mundo que a América realmente está a mudar e esta a ultrapassar os traumas do passado que tantas complicações tem causado aos Americanos. O Obama branco, mesmo defendendo os mesmos ideais, mesmo assumindo as mesmas opções politicas estratégicas, não teria o peso da história para sustentar a verdadeira mudança que o Obama negro encarnava e se calhar não reuniria tantas afinidades de quadrantes tão diferentes do complexo mosaico cultural Americano que a certa altura quase que decidiram apostar no ar simpático e na experiencia do velho MacCain.

Será então que o Obama negro é hoje o “nosso” Obama apenas por ser negro?
Naturalmente que não, mas sobretudo por o ser.

O Homem tem carisma, é inteligente, bem parecido, tem sentido de liderança, é excelente orador, pensa pela sua cabeça e tem tido a “estrelinha da sorte” em algumas ocasiões da sua vida, mas tenho quase a certeza de que a sua súbita ascensão politica e a repercussão que teve a sua eleição no mundo inteiro só foi possível porque depois do desastre que foi a administração Bush, estávamos todos ávidos de uma mudança a sério e o tom de pele mais escura do Obama despertou numa esmagadora maioria o sentimento de curiosidade por um cenario nunca antes experimentado e a esperança de que a aposta na novidade e no implausivel poderia ser a unica solução na conjuntura actual para tirar a America da situação em que se encontra. Se é verdade que a cor da sua pele teve papel preponderante na sua ascensão ao cargo de homem mais poderoso do planeta, não é menos verdade que o que contará daqui para frente será a sua competência, o seu bom senso, o seu sentido de estado, a sua inteligência, a sua capacidade em escolher bem e ter pulso sobre a sua equipa e a sua visão estratégica para a América e o mundo de forma a poder deixa-lo um pouco melhor do que o encontrou e embora ainda seja muito cedo, já deu para ver em apenas dois dias de governação que Barack Hussein Obama é totalmente merecedor das altas expectativas mundiais que pesam sobre as suas costas e se nada de muito excepcional acontecer, irá cumprir de forma brilhante o destino para o qual, acredito eu, foi fadado. Que Deus dê vida longa aos seus inimigos, para que assistam de pé às suas vitorias!



Queluz, 22 de Janeiro de 2009-01-23