sábado, 2 de janeiro de 2010

CONVERSAS SOLTAS XIV - Ainda sobre a eleição do PR para o cargo de PR do MDFM.‏

* Dois São-tomenses, minimamente inteligentes e cultos, um deles até com conhecimentos básicos de Direito, comentavam assim os últimos acontecimentos políticos no País:

São-tomense 1 – Ouviste ontem a mensagem de fim do ano dos presidentes?

São-tomense 2 – Dos presidentes?! Como assim?!

1 – Então?! Do presidente da Republica e do presidente do MDFM.

2 – Ah pois é, já me esquecia que agora são dois em um. Grande embrulhada!

1 – Podes crer! Como já há muito que não vivíamos um clima de instabilidade e crise política, bateu uma nostalgia no Fradique e lá resolveu voltar aos bons velhos tempos.

2 – …E isso era tudo o que não precisávamos, há três meses de terminar uma legislatura que apesar de tudo, não foi tão complicada como se previa. Mas afinal, o homem pode, ou não pode ser duplo presidente?

1 – Epá sócio, sabes que eu já nem sei quem tem razão?! O Fradique acha que sim, o MLSTP, o PCD e uns gajos de uma organização lá de Portugal chamada yahoo group acham que não. A RDPÁfrica foi ouvir a opinião de dois grandes constitucionalistas Portugueses e um acha que sim e o outro diz que não. Agora só temos que esperar que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé digam qualquer coisa. Em princípio, eles é que têm a ultima palavra sobre esse assunto.

2 – Volto a dizer: Grande embrulhada! Mas aqui no País não há nenhum constitucionalista ou coisa parecida? Será que isso não era motivo para os jornalistas promoverem um debate público sobre o tema? Incomoda-me que num assunto tão sério como esse, as duas únicas opiniões de carácter técnico sejam de dois estrangeiros. Onde é que anda a malta do Direito de São Tomé?! Era bastante interessante saber o ponto de vista deles. Será que se isso acontecesse em Portugal ou noutro lado qualquer, as pessoas iriam se dar ao trabalho de ouvir a opinião dos especialistas São-tomenses?!

1 – Estavas a espera de quê? Os homens é que fizeram a nossa constituição, pá! E digo mais, não me espantaria nada mesmo se os Juízes do STJ fossem consultar um deles antes de decidirem na tal acção que o MLSTP pretende interpor em Tribunal.

2 – Enfim…É o nosso destino de tudo-dependentes! Mas qual desses gajos é mais forte? Quem fala mais alto?

1 – Epá, pelo que sei, são os dois doutorados e professores catedráticos, mas acho que o Jorge Miranda, o que defende a tese do Fradique, tem mais nome que o Bacelar Gouveia.

2 – Aié? Então já está no papo, o Fradique vai limpar essa boca sem problema. As pessoas são sempre influenciadas pelos homens mais fortes.

1 – Até podes ter razão, mas vamos ter que esperar para ver.

2 – Mas diz-me uma coisa: Como é que dois gajos doutorados e catedráticos podem ter opiniões contrárias sobre a mesma lei? Isso é um bocado estranho.

1 – Meu caro, nunca ouviste falar na diferença que há entre a letra da lei e o espírito da lei?

2 – Espírito da lei?! Isso é para os gajos que têm olho leve ou quê? Isso não terá mais a ver com simpatias e interesses?

1 – Nada disso, pá! No Direito, as vezes, mais importante do que está escrito na lei, é a forma como essa lei é interpretada. Por isso é que os dois têm opiniões diferentes. Eles estão a interpretar a lei de maneiras diferentes. O Bacelar Gouveia vai pelo que está escrito na lei e diz que a função de presidente da Republica é incompatível com qualquer outra função, seja pública ou privada, o Jorge Miranda, interpreta de outra forma e diz que a função de presidente de um partido político, é um cargo essencialmente político e por isso, não entra no âmbito público nem no privado.

2 – Espera ai… Então, pela lógica desse Jorge Miranda, se o que é politico não entra no domínio publico e nem no privado, em economia, por exemplo, quando se fala em sector público e sector privado, propriedade pública e propriedade privada, tem que se falar também em sector político e propriedade política?! Mesmo em relação ao Direito, sempre tive a noção que se dividia em Direito publico e Direito privado, não fazia ideia que existia uma secção autónoma de Direito Politico. Então e os cargos de primeiro-ministro, de ministro e de deputado, não são cargos políticos e públicos inerentes à existência de partidos políticos? Por que carga de água é que o cargo de presidente de um partido político não entra no domínio público e nem no privado?

1 – Não faço a mais pálida ideia. Mas se o homem afirma isso publicamente, deve ter lá os seus argumentos privados.

2 – Epá, não me lixem! Não percebo nada de Direito, mas acho que o cargo de presidente de um partido político tem que ser enquadrado no âmbito público ou privado, não se pode criar uma terceira via. Senão posso também criar uma quarta via e dizer que as palaiês e os pescadores exercem funções essencialmente piscatórias, logo, o Fradique se quisesse, podia tomar o lugar da Pochí, como líder das palaiés ou do sun Pêma, como chefe dos pescadores da praia Gamboa. Ou então, como o cargo de comandante da polícia é uma função essencialmente policial, podia-se criar também uma quinta via e ele podia assumir o lugar do Vicente. E já agora, porque não, assumir o cargo do Afonso Henriques como presidente da câmara do comércio, já que se trata de um cargo essencialmente comercial/empresarial e ele até tem experiencia nessa área? Quem cria cinco vias, mais uma não fazia diferença. Levando isso ao extremo, temos que admitir então a possibilidade de passar a existir até casas de banho políticas, além das públicas e privadas. Se calhar vou sugerir ao presidente da Assembleia que mande colocar umas placas nas casas de banho do palácio dos congressos com a inscrição: Toilette política.

1 – Até podes ter razão, mas a questão de fundo é que, independentemente de tudo, das questões jurídicas e constitucionais, num regime semi-presidencialista como o nosso, em que o presidente é considerado o árbitro do sistema, o fiel da balança, ele nunca se devia envolver nas questões político-partidárias, até por imperativo ético e moral e a bem do regular funcionamento das instituições. E nessa área, temos o exemplo do próprio presidente de Portugal, que antes mesmo de ser eleito, cancelou a sua inscrição como militante do PSD e apresentou-se como candidato independente de qualquer cor partidária. Não se pode falar em estabilidade e paz institucional, em coabitação e bom relacionamento entre o Órgão presidente da Republica e o Órgão Governo, quando o jogo a partida está viciado, já que uma das partes é simultaneamente jogador e arbitro. E o resultado dessa promiscuidade está a vista: A primeira decisão de fundo que o homem tomou foi romper com a coligação de governo e mandar recolher os seus ministros às boxes, em clara represália ao facto do MLSTP ter manifestado a intenção de levar o caso ao tribunal. Não se importando com as consequências que isso terá para o País. Tomemos como exemplo, a situação do ministro Raul Cravid que estava na linha da frente nas conversações com os trabalhadores grevistas da ENASA e que agora vão ter que ficar suspensas.

2 – Não creio que essa coisa de romper a coligação foi só um acto de represália. Cá para mim, isso foi já uma jogada política para o MDFM desmarcar-se de qualquer coisa que tenha corrido mal a esse Governo. O homem já está de olho nas eleições legislativas. Aliás, todas as decisões que o Fradique tomar, tudo o que ele disser daqui para frente será com o objectivo de defender a sua posição e tentar amealhar o maior número de votos para o MDFM nas próximas eleições. Digam o que disserem, vai ser impossível separar o presidente da Republica do presidente do MDFM e cabeça de lista às eleições legislativas de Abril ou Maio!

1 – Epá, de qualquer forma o mal já está feito. Só nos resta esperar que os juízes do Supremo digam de sua justiça.

2 – Vamos lá ver se os homens também têm olho leve ou não. Só espero que a decisão deles seja respeitada, seja ela qual for!

1 – Vai ser uma decisão com efeitos devastadores, para um lado ou para outro. Não gostaria de estar na pele deles.

2 – Olha, eu é que não me importava nada de estar no lugar deles. Com tantos interesses em jogo, pode rolar muito ferro.

E dito isso, deram por terminada a troca de ideias.