terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A EMERGÊNCIA DA 19º PROVÍNCIA.

Vivi em Luanda até aos 11 anos de idade e foi lá que estudei até a 5ª classe. Lá conheci os meus amigos de infância, roubei o meu primeiro beijo, fui pioneiro de Agostinho Neto e inclusive, aprendi o hino nacional de Angola antes mesmo de saber cantar o “Independência total” do meu País natal. Como se não bastasse, é lá que está enterrado o meu pai. Nesse período, apenas ia para São Tomé nas férias grandes e quando fui morar em São Tomé, passei a fazer o trajecto inverso, também nas férias grandes, até 1995, ano da minha ultima visita ao bairro do São Paulo, onde, apesar de dois acontecimentos traumatizantes (a morte do meu pai e a guerra pós eleitoral de 1992), fui muito feliz. Essa introdução (um tanto nostálgica) serve para enquadrar as fortes ligações que tenho com Angola e com os angolanos, para que não me venham acusar de xenofobia, depois de lerem esse texto.

As relações históricas entre São Tomé e Príncipe e Angola há muito que extravasaram o tradicional relacionamento diplomático entre dois estados amigos, sobretudo devido à ligação próxima entre os dois movimentos independentistas que acabaram por assumir o poder nos dois países logo após a independência, o MPLA e o MLSTP. Isso salta à vista de todos e creio que não estarei a exagerar se disser que no seio dos PALOPs, STP e Angola são mais “irmãos” do que os outros. Desde pequeno que tenho a noção desse relacionamento privilegiado, até pela forma condescendente, a roçar o paternalismo, que os angolanos sempre trataram os emigrantes são-tomenses (os santomistas ou santolas, como eles nos chamam) e sobretudo, pela facilidade com que os são-tomenses se integravam na sociedade angolana. Diziam na altura (meio a brincar) que São Tomé e Príncipe era a 19ª província de Angola, dada à nossa pequenez territorial e populacional, à dependência que tínhamos (e ainda temos) do petróleo angolano e à amizade pessoal e uma certa subserviência dos nossos dirigentes em relação aos dirigentes angolanos (nesse aspecto pensava que era só os dirigentes do MLSTP que rezavam por esta cartilha). Até há bem pouco tempo, achava um disparate essa afirmação, mesmo tendo noção que a dependência que sempre tivemos em relação à Angola estendia-se também aos outros sectores (económico, diplomático, social, militar e.t.c) mas hoje, se analisarmos bem as coisas e sobretudo, em razão das noticias que vieram a publico na ultima semana, começo a recear que, da forma como as coisas se têm desenvolvido, é apenas uma questão de tempo até que o nosso São Tomé e Príncipe seja “vendido” aos angolanos e nos tornemos de facto, na 19ª província de Angola.

Os angolanos (pessoas e empresas diferentes, é verdade, mas todos ligados ao comité central do MPLA) começaram por comprar a Rosema, o club Náutico e a empresa Porto Alegre. Depois compraram o banco Equador, a Enco, casas de praia, algumas roças, os terrenos mais cobiçados e as vivendas históricas da empresa Água Izé. Agora conseguiram a concessão do porto e do aeroporto de São Tomé, com previsão de “tomarem” parte da EMAE e da STPairways , sem mencionar outras negociatas que se ouve falar à boca pequena em São Tomé. Só falta mesmo tomarem de assalto a CST para terem o controlo quase absoluto sobre os sectores fundamentais da nossa economia. E como no mundo de hoje (e o de ontem também), o poder económico prevalece sobre o poder político, não me admira nada que daqui a pouco, o rumo do nosso País comece a ser definido pelo inquilino do Palácio da Cidade Alta, em Luanda (se é que já não é).

Haverá quem defenda que a privatização ou venda dessas empresas é a única saída, dado o estado de falência técnica em que se encontravam e a pouca capacidade do nosso estado para injectar “ferro” na nossa economia, mas era mesmo imperioso meter todos os ovos no mesmo cesto?! Não havia outra forma de se fazer esses negócios?! Com outros parceiros, quiçá?! E os terrenos?! E as roças?! E as casas que tê sido vendidas aos angolanos de forma desenfreada à peso de ouro, com reflexos irremediáveis no mercado imobiliário?! Ninguém se preocupa com isso?! É claro que o estado não deve meter o bedelho nos negócios privados, mas tem que estar alerta para as consequências desses negócios (totalmente desajustados à nossa realidade) num mercado tão pequeno e frágil como o nosso. Quanto aos negócios com o estado, a coisa até pode funcionar, mas qual será o preço que teremos de pagar?!

Há uns anos atrás, havia pessoas que no auge da desolação pelo rumo que tomou o País, ou melhor, pelo rumo que demos ao País, diziam que se calhar, o melhor era entregarmos outra vez STP aos portugueses ou á um outro País qualquer, para ver se a situação melhorava. Ao que parece, mesmo sem nos darmos conta disso, começamos a caminhar fatalmente para a concretização desse paradigma, e, ou muito me engano, consciente ou inconscientemente, a escolha já foi feita. Pensávamos que com derrota do MLSTP e consequente subida do ADI ao poder, as coisas podiam mudar de rumo (talvez em direcção ao Gabão, Nigéria ou mesmo, à Líbia), dado o certo “distanciamento” que sempre houve entre Luanda e os Trovoadas. Puro engano, como se viu na visita de estado, ou melhor, na convocatória de estado que o presidente angolano fez ao nosso primeiro-ministro, 38 dias depois da sua tomada de posse, logo apôs ele ter cometido o “desplante” de visitar primeiro o Bongó Filho e o Goodluck Jonathan.

Patrice Trovoada voltou de Angola a falar “outra” língua e como se começa a notar, não estava a brincar quando afirmou que iria terminar com a política dos dois parceiros estratégicos, implementada por Rafael Branco. Antes tínhamos dois, agora é só um. Quem viver, verá as consequências dessa opção.

HÁ QUEM LHE CHAME "MUDANÇA" - Parte III (final)

Nota prévia – Fui abordado (via email) por algumas pessoas que acharam estranho eu criticar assim o governo, sugerindo mesmo que estou a faze-lo por indicação de alguém, ao serviço da oposição ou por qualquer querela pessoal com o senhor Patrice Trovoada. Questionaram-me também sobre o facto de raramente elogiar os nossos dirigentes nos meus textos de reflexão/comentário/análise. Urge pois, prestar alguns esclarecimentos: Sobre o primeiro item, devo dizer que não escrevo ao serviço de ninguém, não tenho querelas pessoais com ninguém, não sou inimigo de ninguém e até onde sei, também não tenho inimigos (pelo menos declarados). O que faço é o exercício da cidadania activa e o que me move, é a vontade de contribuir de alguma forma para o debate plural e participativo na nossa sociedade, respeitando dois direitos fundamentais de qualquer cidadão num estado de direito democrático: O direito à liberdade de expressão e à opinião e o direito à indignação (e já ando nisso há quase 15 anos). Quanto ao segundo item, sou daqueles que só gasta os elogios quando as pessoas fazem algo fora do comum, que ultrapassa aquilo que se espera delas. Enquanto os nossos dirigentes se limitarem a fazer apenas o medíocre e de vez em quando, o normal, da minha parte, não receberão reconhecimento nenhum.

Posto isso, passo agora à conclusão dessa espécie de trilogia, onde apenas pretendo apresentar as razões e os factos que, segundo a minha opinião, levaram o governo de Patrice Trovoada a perder irremediavelmente o título de portador da bandeira da “mudança”.

Continuando na senda dos casos mais mediáticos que fizeram balançar os alicerces desse governo e inquinar a balança da opinião pública, temos o caso “Pierre Ngué”, onde o governo, numa tentativa afoita e mal planeada de repor a tal autoridade do estado, que anda por ai perdida há muitos anos, acabou por meter os pés pelas mãos, violando claramente a constituição da república e os direitos fundamentais básicos da pessoa humana. E pior, confundindo autoridade do estado com autoritarismo, insistiu no erro e desafiou o poder judiciário, metendo em cheque o princípio da separação dos poderes, pedra basilar de um estado de direito democrático. Isso é mudança?!

Ao nível das relações externas, fomos brindados com o caso “Jorge Amado”, onde o representante permanente e oficial do estado São-tomense junto ao estado Taiwanês, foi simplesmente enxotado e enxovalhado durante a visita oficial do ministro dos negócios estrangeiros de Taiwan à São Tomé e Príncipe. O nosso ministro dos negócios estrangeiros nem se dignou a receber o homem, alegando que o mesmo viajou para São Tomé sem o ter informado. E depois?! Caso o embaixador tivesse infringido alguma norma ou formalidade diplomática, não era caso para ser tratado em sede própria, seguindo os tramites legais e de preferência sem fazer muito alarido, no momento exacto em que um representante do estado onde ele está formalmente acreditado encontrava-se em visita oficial ao nosso País?! Será que mediram ao menos, as repercussões que esse caso podia ter junto aos Taiwaneses?! Será que se o embaixador Jorge Amado fosse um militante do ADI teria o mesmo tratamento?! Até quando vamos continuar a deixar que as querelas pessoais e partidárias interfiram nos assuntos de estado?! Um dos pressupostos da mudança não é acabar com essas situações de política de “terra queimada” e inaugurar uma nova era (mais saudável e produtiva) nas relações entre os partidos políticos e os seus dirigentes?!

Pouco tempo depois, fomos sacudidos por mais um caso mediático que voltou a por o governo de Patrice Trovoada na boca do povo, pela negativa: O caso “30 mil barris de petróleo”. O ministro secretário do governo, veio ventilar aquilo que parecia ser mais um caso de corrupção ligado ao governo anterior, lançando suspeitas sobre o desvio do dinheiro de um negócio que pouca gente conhecia e prometendo o levantamento de um inquérito sobre o assunto. No dia seguinte, quando nada fazia prever, veio dar o dito por não dito, dizendo que as pessoas haviam interpretando mal as suas palavras. O Parlamento (aleluia) decidiu pedir esclarecimentos e ficamos a saber que o buraco é mais fundo do que parecia, que afinal o dinheiro havia sido transferido, que houve precipitação e má fé do governo e até o presidente também foi metido no barulho. O caso está agora nas mãos do procurador-geral da república e pelo que vi, já deu para notar que será mais um que ficará em águas de bacalhau e o povo jamais será esclarecido. Isso é mudança?!

Por fim, quando pensávamos que o governo já tinha dado tudo de si, no que se refere à casos mal explicados, eis que surge o caso “São Lima”, onde tudo leva a crer que houve claramente uma tentativa de censura descarada e violação da liberdade de imprensa. Sobre isso já muito se disse e se escreveu, por isso, não vou alongar-me sobre o assunto. Apenas duas notas:

1 – Acho preocupante o silencio dos visados e mais ainda, que a única reacção conhecida tenha sido feita através do site do partido do poder. Como se costuma dizer: quem cala, consente.
2 - Dessa espécie de comunicado, saltou-me à vista duas passagens:
Quando o Governo soube que a jornalista São Lima iria consagrar mais ou menos 1h:30min do seu programa ao candidato Dr. Veigas, orientou a TVS”…

O que supõe ela trabalhar com, e para a realização dos objectivos do Governo e não contra ele. O facto de ter continuado com o Governo ADI sugere implicitamente São Lima ter aceite trabalhar em sintonia com e para os objectivos programáticos do actual Governo. São Lima não pode ser assessora de dia do Governo e opositora obstinada do mesmo Governo de noite. Para isso existe a imprensa privada.”

Cada um tirará as suas conclusões.

Para terminar, uma pergunta inocente ao senhor ministro dos recursos naturais: Porque razão adiou-se a divulgação dos valores das ofertas feitas no leilão dos blocos de petróleo da ZEE? Não será a essência de um leilão, a confrontação dos valores oferecidos sobre determinada coisa, para se decidir pelos valores mais altos?! Porquê tanto segredo?! Porquê esperar 60 dias para o anunciar?! Onde é que anda afinal, a tão apregoada transparência na gestão da coisa publica?!

… E assim, a “mudança” perde mais uma oportunidade de fazer mudança. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

HÁ QUEM LHE CHAME "MUDANÇA" - Parte II

Como ficou resumido no texto anterior, o governo do ADI tinha quase tudo ao seu favor para trilhar com sucesso o caminho espinhoso da verdadeira “mudança”, a tal que andaram apregoar na altura da campanha eleitoral e de que São Tomé e Príncipe tanto necessita para “dar certo”, como costumam dizer os brasileiros. Para isso, nem precisavam de resolver de uma assentada todos os problemas que nos afligem, até porque os nossos problemas estruturais não desaparecerão de um dia para outro, por passe de magia, mas era imperioso transmitirem sinais claros de que estão ao menos, empenhados em resolve-los e isso, para mal dos nossos pecados, não tem acontecido, muito pelo contrário.

Assim à vista desarmada e para começo de “conversa”, ocorre-me mencionar três medidas populistas assumidas por esse governo que, se fossem realmente aplicadas, garantiriam por si só, o corte radical com o passado recente e a consequente admiração e o respeito de grande parte dos São-tomenses que não votaram no ADI:

O senhor Primeiro-ministro aceitou o desafio de fazer a declaração pública dos seus bens e, em nome do combate à corrupção, disse que iria criar as condições para fazer disso, pratica corrente para os altos funcionários do estado. Disse também que, na era da “mudança”, os directores das empresas, institutos e organismos do estado seriam avaliados apenas pela sua competência técnica e produtividade, nunca pelas suas preferências partidárias e, num claro acto revolucionário, garantiu também, que, com raras excepções, as viaturas do estado deixariam de andar na “vadiagem” aos fins-de-semana e em horários nocturnos. Era a “mudança” a manifestar-se em todo o seu esplendor. E o que aconteceu na prática?!

Na questão da declaração pública dos bens do senhor Primeiro-ministro, passados 4 meses, continuamos a espera que se faça luz sobre esse assunto, não sabemos se por puro esquecimento, por excesso de viagens, perdão, de trabalho, por falta de tempo para fazer o inventário, ou por puro desinteresse mesmo. A verdade é que o homem fez-nos acreditar que iria marcar a diferença também nesse ponto e até agora nada! Isso é mudança?!

Na questão dos “directores” do aparelho do estado, obviamente que estávamos a espera que alguns fossem substituídos, por ocuparem cargos de confiança política, mas depois das afirmações do senhor Primeiro-ministro, fazendo apologia da competência e da produtividade, ninguém esperava a autêntica razia que houve nesse sector e a consequente promoção de militantes e amigos/familiares de militantes do ADI. Se por um lado podemos até aceitar que os que saíram eram todos incompetentes, dorminhocos e preguiçosos, por outro lado, é muita coincidência que apenas tenham entrado pessoas que se identificam com as cores amarela e azul, ou seja, voltamos aos maus hábitos do passado. Isso é mudança?!

Quanto à questão do limite de uso das viaturas do estado (para mim, a medida mais demagógica e populista desse governo, por ser de todo, incoerente e impraticável), num país em que o nível salarial é o que se sabe, o uso de viaturas do estado, de motorista, de segurança e até de casas do estado ou a atribuição de subsídio de habitação, além de servirem para dar alguma dignidade aos altos cargos públicos, tem que ser visto como um complemento salarial e uma medida de desencorajamento à corrupção, ainda mais no caso em concreto, em que muitos ministros e altos funcionários do estado não têm casa e viatura próprias. Creio que se o objectivo era agradar ao povo e mostrar uma atitude de responsabilidade na gestão da coisa pública, nesse item, os anunciados cortes no combustível e telefone estavam de bom tamanho, até porque como se veio a provar, essa medida não era de fácil implementação, por isso, inventaram as tais excepções e as credenciais de autorizações pontuais, que com o tempo, acabaram (as excepções) por se transformar em regra. Sem falar que os fiscalizadores, são subordinados hierárquicos dos fiscalizados, logo, a ameaça de represálias não lhes permite cumprir a sua função com o zelo exigido. Por tudo isso, essa medida estava desde o inicio ferida de impraticabilidade, mas foi anunciada com pompa e circunstancia e granjeou muita simpatia junto do povo pequeno, mas hoje, com ou sem credenciais, os carros do estado circulam a todas às horas e em todos os locais. Isso é mudança?!

Depois tivemos o célebre caso do deputado 28 na votação para a presidência da Assembleia Nacional, que nos fez perceber as razões do ADI não ter passado cartão à oposição na formação do seu governo minoritário, afinal, já tinham garantido a fidelidade canina de um dos deputados do MLSTP/PSD, que, contando com o deputado solitário (e solidário) do MDFM, lhes assegura a tão ambicionada maioria absoluta no parlamento. A prova maior desse pressuposto foi dada na elaboração do OGE para 2011, onde mais uma vez, a oposição não foi tida, nem achada no processo. Em que País sério do mundo, um governo minoritário elabora um orçamento sem negociar previamente com um ou mais partidos da oposição para ter garantias que o seu orçamento não seja chumbado?! (vejamos o exemplo de Portugal, onde o governo minoritário do PS teve que se vergar à algumas exigências do maior partido da oposição para ter garantias prévias de que o seu orçamento não seria chumbado no parlamento). Das duas, uma: Ou o primeiro-ministro é um irresponsável, temerário e está a abusar da sorte, ou tem mesmo um trunfo na manga, nesse caso, um deputado na manga. Isso traz-nos à memória os célebres encontros que aconteceram na “Favorita” no tempo do governo minoritário do Tomé Vera cruz, onde a ementa principal foi a compra dos deputados do ADI (ironia do destino). E já que falo do OGE, não será demais recordar que o senhor Patrice Trovoada assinou publicamente um compromisso com os habitantes da ilha do Príncipe onde garantia que se fosse governo, a RAP não seria esquecida e 10% do OGE seriam disponibilizados para alavancar o desenvolvimento de umas das mais esquecidas regiões do País. Esse acto valeu-lhe o apoio incondicional do UMPP de Tozé Cassandra, 40% dos votos e a eleição de 2 deputados na RAP. Agora sabemos que a dotação para a RAP no OGE de 2011 está longe do prometido e até é inferior ao valor do orçamento de 2010. Isso é mudança?!

Por último, uma pequena nota sobre o assunto do momento (que merecerá maiores comentários no próximo texto), que é o “São Lima gate”: O primeiro-ministro, o ministro da tutela e o director da TVS, que são os principais visados, ainda não se dignaram vir a publico dizer uma palavra sobre o assunto, remetendo a sua versão dos factos para uma espécie de comunicado publicado no site do ADI. O partido político no poder começa a confundir-se com o estado. Onde é que já vimos esse filme?! E isso parece-vos mudança?!

(continua)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

HÁ QUEM LHE CHAME "MUDANÇA" - Parte I

Em Agosto passado, uma nova onda de esperança invadiu o território de São Tomé e Príncipe e encheu o espírito martirizado e politicamente desiludido dos São-tomenses com o anúncio quase messiânico de dias melhores para todos, em todos os níveis. Tal facto deveu-se à inesperada vitória do ADI nas eleições legislativas, como castigo ao anterior governo (sobretudo) pelos sucessivos escândalos financeiros que envolveram os nomes da maioria dos seus membros e também, ao excesso de confiança, à desunião, guerrilhas internas e ao desnorte que se vivia nos outros grandes partidos da nossa praça. O povo expressou mais uma vez a sua vontade nas urnas e com algum mérito seu, mas, sobretudo por grande demérito dos outros, o ADI recebeu quase de mão beijada, uma benesse que nem nos mais coloridos sonhos do seu presidente parecia possível. Estava assim inaugurada (mais) uma nova fase no (des) governo do nosso querido São Tomé e Príncipe e outra vez, decidiram baptiza-la de “mudança”.

A nova “mudança” começou desde de cedo a querer mostrar serviço e alimentar a ingénua alma dos São-tomenses: Mesmo sem ter a maioria dos deputados que lhe garantiam a necessária sustentabilidade parlamentar para governar com alguma propriedade e segurança, o ADI, numa atitude irresponsável, decidiu avançar para um governo minoritário, sem tentar coligações e sem negociar acordos prévios que lhe garantissem no mínimo, a aprovação do OGE ou, em futuras crises politicas, a não aprovação de uma moção de censura, afinal, os partidários da nova “mudança” não se podiam misturar com os rostos do passado, não é?! (Ou estava na calha, nova compra de deputados?!) E depois, quem precisa do parlamento para governar São Tomé e Príncipe?! O povo aplaudiu!

Formaram um governo com rostos novos, alguns pseudo -independentes e a maioria, jovens quadros que não tinham ainda se lambuzado no mel do poder e que não carregavam o espectro da corrupção. Mas o que lhes sobrava em vontade de trabalhar, em “sangue na guelra” e em espírito patriótico, faltava em experiencia, maturidade política e quiçá, algum “jogo de cintura”, sempre necessário no embrulhado e imprevisível cenário político nacional. A maioria das pessoas nem notou que alguns sectores fundamentais do funcionamento do País, ficaram aparentemente sem “dono” no organigrama do novo governo (turismo, economia, e, pasme-se, agricultura e pesca), mas isso era só um detalhe irrelevante, talvez os dossiês desses departamentos seriam tratados num processo de rotatividade ou de improviso pelos ministros que estivessem mais desocupados em determinadas alturas, o importante mesmo era inovar e não imitar os antecessores, ou não seria pressuposto último da “mudança”, mudar, seja lá no que for. O povo voltou a aplaudir!

O novo primeiro-ministro entrou a todo gás, promovendo uma série de medidas populistas que ficam sempre bem nos tempos de mudança: apontou quatro grandes metas do seu governo que fizeram delirar a opinião pública nacional, mas esqueceu-se de explicar como pretendia atingi-las; garantiu que a corrupção seria sua inimiga de morte e respondendo a um repto lançado por um ilustre cidadão numa carta aberta, disse que iria fazer a declaração pública dos seus bens e mais, iria fazer disso, prática corrente para todos os altos dirigentes do estado; realizou uma série de “visitas surpresa” à sectores chaves da economia nacional, denunciou directores que dormiam muito, enumerou alguns que, segundo ele, não produziam o suficiente e criticou os funcionários atrasados; proibiu o uso de viaturas de serviço do estado aos fins-de-semana e em horário nocturno (o que obrigou os altos funcionários do estado a terminarem cedo o expediente e a não trabalharem aos fins de semana), cortou-lhes também o combustível e os gastos com os telemóveis; disse que passaria a premiar a competência e quem estivesse a fazer um bom trabalho, iria continuar no seu cargo, independentemente da cor política que vestisse; falou na reposição da autoridade do estado e dos valores democráticos; fez visitas de estado de emergência a vários países amigos para agradecer o “apoio” na campanha eleitoral, perdão, para estabelecer novas formas de cooperação e começar já o habitual peditório para o orçamento de estado. Trouxe de lá promessas de investimento, um hotel de 5 estrelas e uma factura avultada para os empobrecidos cofres do estado, perdão outra vez, as viagens e estadia foram oferta dos dirigentes dos países amigos. A “mudança”, afinal tinha vindo mesmo para ficar e o povo, extasiado, aplaudiu mais uma vez!

A nova dinâmica implementada pelo governo e as promessas de dias felizes contagiou tudo e todos. O presidente da república, o presidente da região autónoma do Príncipe, adversários de outras lutas, ilustres membros da sociedade civil e da diáspora São-tomense apoiaram publicamente o novo governo, manifestando a total disponibilidade para trabalharem em conjunto, lançando simultaneamente apelos dramáticos aos partidos da oposição para que deixassem “os homens” trabalhar em paz, por um São Tomé e Príncipe (finalmente) melhor. Até os mais cépticos, os compatriotas realistas e descrentes no futuro do País, habitualmente apelidados como “os do contra” decidiram dar-lhes o beneficio da duvida, acreditando que dessa vez, a coisa poderia ser diferente.

Era esse, o cenário de quase unanimidade, que o governo de Patrice Trovoada conseguiu promover no inicio do seu mandato (transportando-nos para os tempos áureos do PCD de 1991, também ele, portador da bandeira da “mudança”) e nada fazia prever o descalabro que hoje verificamos, ainda mais, sabendo que se avizinham as eleições presidenciais, onde acredito que o próprio Patrice Trovoada não resistirá à tentação de voltar a candidatar-se, deixando o governo do País nas mãos do primeiro-ministro sombra, perdão (hoje não acerto uma), do ministro secretário do governo, que já anda em treino intensivo para cumprir esse “destino”. Tinham pois, a faca, o queijo e até o fiambre na mão, mas, em menos de 4 meses, já perdemos a conta dos sucessivos casos e imbróglios que têm ensombrado o palácio do governo e posto em causa, não só o discernimento intelectual e competência técnica dos membros do governo, mas sobretudo, as “promessas” que prometeram, começando pelo caso “deputado 28” e terminando (para já) no caso “São Lima”. A tão anunciada e super propalada “mudança”, afinal não passou de mais um embuste. Triste sina a nossa.