sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O LONGO CALVARIO DOS DOENTES DOS PALOP EM PORTUGAL

No passado dia 10 de Janeiro, o canal de televisão portuguesa TVI, no seu programa semanal “Repórter TVI”, trouxe ao conhecimento público a realidade assustadora dos doentes dos P.A.L.O.P que são evacuados dos seus países para tratamentos médicos em Portugal e que, chegando aqui, são votados ao abandono pelas respectivas embaixadas. A reportagem intitulava-se: “Viagem sem regresso”.

Embora tenha visto os spots publicitários da dita reportagem e marcado na minha agenda mental a “obrigação” de assisti-la, apenas ontem, depois de ouvir alguns comentários de amigos num jantar na quarta-feira, lembrei-me de assistir o programa no site da dita estação de televisão (bendita internet). Ao ver a reportagem, a primeira coisa que saltou à vista, foi a semelhança dos problemas e complicações por que passam os doentes de junta médica dos países dos P.A.L.O.P em Portugal (pelo menos os de STP, Guiné e Cabo Verde, já que a reportagem não foca nenhum caso concreto de Angola e Moçambique. Mas que de certeza que também existem) e depois, a descoberta de alguns esquemas e trafulhices que estão inerentes a atribuição dessas mesmas juntas médicas, que nem me passavam pela cabeça.

No que diz respeito à São Tomé e Príncipe, são conhecidas as carências que temos a todos os níveis no nosso sistema de saúde que fazem com que apenas as “doenças básicas” sejam tratadas localmente com algumas hipóteses de sucesso; são conhecidas as falhas e erros graves nos diagnósticos feitos nos nossos hospitais; são conhecidas as dificuldades que os doentes beneficiados de junta médica enfrentam e o tempo que desperdiçam para conseguirem que as finanças desbloqueiem a verba das passagens (as vezes os familiares vendem a alma e os bens para pagarem uma parte da passagem aérea) e os entraves que a embaixada de Portugal mete na obtenção do visto; é conhecida a propensão do nosso sistema em atribuir juntas médicas às pessoas de famílias com nome de peso na praça ou a parentes e amigos de ministros e directores de ocasião, que as vezes nem a merecem e, sobretudo, é por demais conhecida a situação a que os nossos doentes e respectivos acompanhantes são votados assim que chegam a Portugal, onde, com a desculpa de falta de verbas, sobrevivem com subsídios miseráveis (os sortudos), com a o apoio dos familiares que residem cá ou são obrigados a trabalhar ilegalmente, na limpeza e nas obras (ainda doentes) para poder arcar com as despesas médicas (basta passarmos pela embaixada no dia de atendimento dos doentes para confirmarmos o desespero e a revolta que lhes vai na alma). Sem falar dos casos em que os doentes, por causa da “burocracia”, chegam já em estado quase terminal, não restando outra solução, senão chamar o padre, em vez do médico, para lhes conceder a extrema-unção. O que eu não suspeitava é que essas mesmas situações acontecessem com os doentes dos outros países dos P.A.L.O.P em termos tão iguais, inclusive de Cabo Verde, onde o tão comentado desenvolvimento sócio-económico sugeria que já estivessem em outro patamar a esse nível (atenção que o facto de constatarmos que os outros estão na mesma posição, inclusive os que têm melhores condições económicas, não nos deve impedir de reconhecer que o panorama é confrangedor e que algo tem que ser feito urgentemente para ao menos, remediar a situação).

O que eu não sabia, é que, dos dois mil doentes (sim, 2.000 doentes!) São-tomenses que recebem actualmente assistência médica em Portugal, apenas trezentos são ajudados pela nossa Embaixada (um orçamento de 20.000€ mensais, segundo fonte da Embaixada, que dá cerca de 66€ por pessoa, para pagar a casa, o passe, alimentação, vestuário e medicamentos. Tudo modu, dirão alguns!); O que eu não sabia é que há pessoas que estão condenadas a ficarem a vida toda em Portugal por necessidade de fazerem a hemodiálise, pois em pleno sec. XXI, o nosso País ainda não dispõe de condições para esse tipo de tratamento; O que eu não sabia é que existia situações de compra de juntas médicas, onde os próprios agraciados ou familiares trocam o passaporte para uma vida melhor por míseros tostões; O que eu não sabia, é que o estado português gasta mais na assistência social aos doentes dos P.A.L.O.P em Portugal do que os próprios governos desses países, pelo facto de ter constatado que o aumento dos sem-abrigo nas ruas de Portugal está directamente ligado a esse fenómeno, do qual padecem principalmente os doentes que não têm uma estrutura familiar capaz de os socorrer, na ausência do amparo que supostamente deviam encontrar nas suas representações diplomáticas.

O que fazer então, para melhorar essa situação? Eis a pergunta que se impõe.

O ideal seria cortar o mal pela raiz, ou seja, criar condições no nosso País para evitar, ou no mínimo, reduzir a atribuição de juntas médicas aos doentes, que passa necessariamente pela reforma completa do nosso sistema de saúde: Reestruturação do hospital central e do hospital do Príncipe a nível dos equipamentos e recursos humanos, reactivação dos hospitais de Monte Café, Agostinho Neto e Água Izé, nem que fosse por parcerias público-privadas( as tantas até era viável), melhoramento das condições gerais dos postos de saúdes distritais, criação de condições de trabalho interessantes para cativar os recursos humanos nacionais da área da medicina que proliferam na nossa diáspora, sobretudo em Portugal, aposta séria na formação de médicos, enfermeiros e auxiliares e.t.c, e.t.c. Mas como sabemos que tudo isso dá trabalho e custa muito dinheiro ( dinheiro que dizem que não temos), podíamos começar por credibilizar e tornar mais transparente o processo de atribuição de juntas médicas, melhorar a qualidade dos diagnósticos, aumentar os subsídios para os doentes ( em contrapartida, diminuir o per diem dos dirigentes políticos e obriga-los a se instalarem também em casa de familiares nas viagens ao estrangeiro) e tentar conseguir acordos com as câmaras locais, institutos públicos, ONG´s ou mesmo fundações, de forma a garantir ao menos apoios ao nível de residência e alimentação e não deixar que os outros estejam sistematicamente a resolver os problemas por nós. O estranho é que esse é um problema antigo, conhecido de toda gente, inclusive tem sido tema recorrentemente abordado com sucessivos primeiros-ministros e ministros em reuniões com membros da comunidade, nas suas passagens por Portugal, mas, de promessa em promessa, de adiamento em adiamento, os nossos doentes continuam a sofrer na pele as consequências da eterna falta de meios e ausência de espírito criativo dos nossos governantes.

Como as imagens valem mais do que as palavras, deixo aqui o link para os que queiram assistir a reportagem. Aviso já que embora contenha a habitual dose de sensacionalismo que a TVI impregna nas suas reportagens, há cenas emocionantes que podem facilmente arrancar umas lágrimas no canto do olho:

http://www.tvi.iol.pt/mediacenter.html?mul_id=13371873&load=1&pos=7

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CRÓNICA DE UM PARLAMENTO PREGUIÇOSO.

“Até quando querem fazer de nós, submissos idiotas úteis?”

Descobri essa frase numa das crónicas semanais da jornalista portuguesa Maria João Avillez na revista “Sábado”, referindo-se à classe política portuguesa, e não pude deixar de reflectir sobre a universalidade dessa questão, que podia muito bem ser colocada à esmagadora maioria dos políticos e politiqueiros desse planeta, sem mudar uma vírgula sequer. Naturalmente que não tenho a presunção de filosofar sobre a política mundial e nem sequer, sobre a política em si, naquilo que são os seus fundamentos e objectivos, mas depois de ler a essa frase, dei por mim a pensar que em São Tomé e Príncipe, de uma forma ou outra, estamos sempre a fazer essa pergunta ao presidente, ao governo e aos tribunais, negligenciando por completo o quarto órgão de soberania nacional, quiçá o mais importante, que é o parlamento, órgão com competências e poderes importantíssimos no nosso sistema de governo e que se os usasse, poderia influenciar ou condicionar de forma assertiva as decisões do poder executivo, consequentemente, o rumo da nossa nação. Se duvidas houvessem quanto à importância da Assembleia Nacional no nosso panorama político, o artigo 92 da constituição elucida-nos:
“A Assembleia Nacional é o mais alto órgão representativo e legislativo do Estado”

Posto isso, a pergunta que se impõe é a seguinte: Será que nestes 20 anos de vigência da actual constituição, que coincide com a abertura democrática no nosso País, a Assembleia Nacional tem cumprido o seu papel, enquanto o mais alto órgão representativo e legislativo do Estado?!

Claro que não! Digo eu, peremptoriamente. Naturalmente que sendo um órgão colegial, o todo (A. N) não pode ser analisado sem as partes (os deputados) e nesse ponto, é justo dizer que até temos alguns (poucos) deputados com certa craveira intelectual e com reputada capacidade de trabalho, aliás, seria também desonesto não reconhecer que na primeira e segunda legislatura do pós democracia a nossa Assembleia Nacional era mais participativa e gozava de alguma credibilidade junto da população, em razão da competência e capacidade intelectual de grande parte dos deputados que a compunham e da ausência de tantos escândalos financeiros ligados aos deputados, como acontece hoje, mas em termos gerais, as competências da Assembleia Nacional, principalmente na área de produção de legislação têm sido claramente subaproveitadas, por interesses obscuros, por incompetência ou simples preguiça mental. Até a sua credibilidade tem se perdido no tempo e hoje, constatamos que a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe, no que toca a sua funcionalidade e produtividade, há muito que se transformou num gigante adormecido, que não exerce nem 1/3 dos poderes que a constituição lhe confere. Aliás, outra coisa não seria de esperar, no estado em que ela se encontra. Como pode, por exemplo, a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão fiscalizador, quando a maioria dos deputados que por lá passam, apenas o fazem para obter o famoso e ultra desejado passaporte diplomático e a aconchegante imunidade parlamentar?! Como pode a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão legislador, quando de uns anos a essa parte, na sua essência, apenas se tem limitado à aprovar ou reprovar Orçamentos de estado, Grandes opções do plano e volta e meia, moções de censura?! Como pode a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão essencialmente político, quando a função de deputado é vista como um “emprego” em part time ou uma ocupação secundária para os nossos empresários, comerciantes, caixeiros-viajantes, advogados, pseudo-escritores, médicos, carpinteiros, taxistas e afins?! Sem mencionar o facto da “qualidade” e reputação dos nossos deputados serem cada vez mais duvidosas e de se dedicarem mais às lides e intrigas partidárias do que propriamente às funções de deputado. Aliás, como deputados, quase só se preocupam com situações que possam traduzir-se em algum ganho pessoal ou partidário. Fora isso, nada interessa, nem mesmo os superiores interesses de quem os elegeu.

Foquemos um exemplo prático do desleixo e da preguiça (para não lhe chamar outra coisa) que reina nas bandas do palácio dos congressos: Para quem não sabe, a actual Assembleia Nacional tem poderes de revisão constitucional ou seja, como a última revisão da nossa constituição aconteceu em 2003 e são precisos cinco anos para que se possa despoletar novo processo ordinário de revisão constitucional, os deputados eleitos em Agosto do ano passado, estão automaticamente legitimados para desencadear novo processo de revisão constitucional. Mesmo assim, alguém ouviu falar, na intenção de alguns deputados avançarem com propostas de revisão constitucional?! E sobre a intenção de rever e actualizar algumas leis obsoletas que nos causam sérios problemas, ouviram alguma coisa?! Afinal, o que andaram os nossos deputados a fazer nesses últimos quatro meses?! Eu respondo: Aprovaram o OGE, o GOP, discutiram o caso dos 30.000 barris de petróleo e ouviram as lamentações do Procurador-geral da república na comissão dos direitos humanos.

Sabemos que as leis são feitas no abstracto, obedecendo a um horizonte de sentidos e valores que têm a sua lógica num certo enquadramento temporal e contexto social, mas a sua aplicação prática nos pode revelar lacunas e falhas que não eram claras na altura da sua concepção e noutros casos, o próprio tempo, a evolução natural das sociedades e mentalidades nos obrigam a rever os nossos conceitos. No caso da nossa actual constituição, passados 20 anos sobre a sua concepção e 7 sobre a última revisão, esperava da parte dos nossos deputados um sinal claro de que é chegado o tempo de se abrir um debate sério sobre alguns pontos desajustados e / ou desactualizados da nossa constituição e de algumas leis, dos quais, posso sem esforço enumerar alguns:

- Muita gente tem questionado o nosso sistema de governo (semi-presidencialista) e atribuído a ele a culpa de muitas das crises políticas que enfrentamos. Não será altura para abrirmos um debate sobre esse ponto e, dependendo das conclusões, pensar séria e responsavelmente em alternativas viáveis?!

- A nossa lei eleitoral e lei dos partidos políticos datam de 1990, quando não tínhamos ideia nenhuma de como seria a nossa experiencia democrática. Não será altura para actualizar e adaptar essas leis à nossa realidade actual, de forma a eliminar verdadeiras aberrações ali contidas, como o facto de se poder criar e manter um partido politico com apenas 250 militantes ou a inexistência de cláusulas barreira, que tem facilitado a proliferação de pequenos partidos políticos sem expressão eleitoral?! E o que dizer dos valores das multas ali previstas?!

- Nesse momento, quase 1/3 da nossa população reside fora do País. Não é chegada a altura para se criar as condições para que esses emigrantes possam votar nas eleições legislativas e eleger no mínimo, dois representantes na Assembleia Nacional?!

- Temos 55 deputados para cerca de 160.000 habitantes, o que dá uma média de 1 deputado por cada 3.000 habitantes. Não será altura para revermos a composição da nossa Assembleia Nacional?! Temos deputados que durante a legislatura não produzem nenhum projecto de lei, que marcam presença apenas nas sessões obrigatórias e que não fazem nenhuma intervenção no plenário. Não seria melhor privilegiar a qualidade em vez da quantidade?! Não seria melhor reduzir o número de deputados e dar-lhes melhores condições para se dedicarem exclusivamente ao cargo de deputado, eliminando assim os conflitos de interesses inerentes ao facto de serem deputados e simultaneamente, exercerem funções remuneradas no sector privado?!

E a obrigatoriedade da declaração publica do património para as pessoas que ocupam os mais altos cargos do Estado?! Não devia ter força de lei, em nome da luta contra a corrupção?! E todo o acervo da nossa legislação que está obsoleta e emperra o sistema judiciário, não devia começar a ser actualizado?! E o tal artigo 72, sobre as incompatibilidades da função do presidente da república?! Não justifica por si só, uma revisão constitucional para tornar mais fácil a sua compreensão e evitar que outros presidentes caiam na tentação de querer ser também presidentes de partidos políticos?! O que tem andado a fazer afinal, o nosso parlamento, enquanto órgão legislativo por excelência?! Quase nada! É claro que isso dá trabalho e tem custos, mas se bem me lembro, foi para isso que foram eleitos, ou não?!

Em jeito de conclusão, permita-me a Maria João Avillez que dê um torcicolo no pescoço da sua frase de modo a colocar essa questão não ao presidente, não ao governo, não aos tribunais e nem ao parlamento, como como acabo de fazer, mas à todos aqueles que de alguma forma, não se querem resignar à essa realidade que nos é imposta:

“Até quando VAMOS CONSENTIR que façam de nós, submissos idiotas úteis?”