segunda-feira, 15 de março de 2010

“PRÍNCIPE” – CRÓNICA DE UM BARCO COM O “CORPO SUJO”

Depois de 34 anos de independência e mais de uma dezena de governos; Depois de milhões e milhões de dólares de ajuda externa e de créditos mal empregues; Depois de muitos anos de luta acesa e desesperada; Depois de varias tragédias e um numero elevado de vitimas inocentes; Depois ensaiadas algumas soluções improvisadas e mal sucedidas, a população de São Tomé e Príncipe teve finalmente direito a um barquinho novinho em folha para fazer a ligação entre as duas parcelas do território nacional. Com o nome “Príncipe”, decidiram baptiza-lo.

Rezam as crónicas que foi construído de raiz, atendendo às particularidades e necessidades do povo de São Tomé e Príncipe e equipado com o que de melhor há no mercado em termos de equipamentos de navegação, conforto dos utentes e qualidade dos motores. Um autentico Ferrari dos mares, em comparação aos “Elizabetes”, “Pagués” e “Thereses” a que estávamos habituados. Como tal, decidiu-se (e bem) que os futuros “motoristas” dessa autentica “bomba” fossem fazer uma formação intensiva (e caríssima) em Barcelona, que lhes concederia o grau académico de “ Doutorados em Príncipe”.

A primeira viagem do “Príncipe”, de Barcelona à São Tomé correu de forma excepcional e rápida, segundo relatos dos próprios tripulantes, que exacerbaram também todo o seu contentamento pela performance do barco, na travessia do mediterrâneo e de quase meio oceano Atlântico. Tudo corria às mil maravilhas: Barco novo, bonito e eficiente, tripulação bem preparada (?) e até as peças sobressalentes lembrou-se de comprar atempadamente. A população de São Tomé e sobretudo, a do Príncipe exultou de alegria quando o barco deu entrada pela primeira vez na baia de Ana Chaves. Era a materialização de um sonho antigo e totalmente legítimo.

Chegado à São Tomé, começaram a surgir os problemas por todos conhecidos, que têm ensombrado por completo essa grande conquista do governo de Rafael Branco:

A nível do processo de compra do barco, estão por esclarecer as suspeitas de sobre facturação por parte do ministro da tutela, que justificou a diferença de quase 600 mil dólares no valor do barco com a compra das peças sobressalente (30 mil dólares) e com a estadia e formação dos 5 tripulantes, que ao que parece, estavam, hospedados no hotel “Ritz” de Barcelona, onde uma diária não fica menos de 400 euros e faziam as suas refeições no “El Bulli”, um dos mais caros restaurantes do mundo. Ainda a esse nível, ficou por esmiuçar, a questão dos dois iates que vieram “à reboque” do “Príncipe”, alegadamente pertencentes ao ministro e ao comandante. Foram ofertados, ouviu-se dizer! Por que carga de água alguém oferece tamanhos brindes aos representantes de um estado que apenas serviram de intermediários circunstanciais num negócio?! De repente veio-me à cabeça aquela lei nos EUA que define que os representantes do estado apenas podem aceitar ofertas que não ultrapassem o valor de 150 dólares. Porque será?!

A nível administrativo, o imbróglio na definição dos preços das passagens e do modelo de gestão do barco foram parcialmente ultrapassados com algum bom senso, prevalecendo a ideia de que o barco faz mais falta à população do Príncipe do que a de São Tomé, logo, aquela teria quer ser “ajudada” numa espécie de discriminação positiva. Nada tenho a dizer contra essa medida. Falta resolver a questão da tutela do barco: Continua na ENAPORT? Passa para o governo regional do Príncipe ou se vai pela via da privatização? Seja qual for a resolução, espero eu impere o bom senso e que sejam salvaguardados os superiores interesses da população.

A nível do funcionamento técnico, a curta vida do “Príncipe” não podia ser mais atribulada. Dizem que as suas qualidades e funcionalidades afinal não se adequam às necessidades de São Tomé e Príncipe, constatou-se que o tempo de ligação entre as ilhas é na realidade quase o dobro do que estava projectado e para culminar, sofreu uma “avaria” logo na primeira viagem comercial, seguindo-se de outros problemas técnicos que o obrigaram a subir ao estaleiro ao fim de 1 mês e meio de laboração. O comandante e o director da ENAPORT disseram que os problemas técnicos eram derivados de erros de construção, o primeiro-ministro, apôs falar com os responsáveis da empresa construtora, disse que as avarias identificadas eram consequências de erro humano e caíram-lhe todos em cima. Eu e mais alguns leigos em matéria de navios, achamos estranho que o “príncipe” tenha sido capaz de percorrer mais de 9000 kms na sua grande viagem de Barcelona à São Tomé sem sobreaquecer os motores e conseguido atingir a velocidade projectada (25 nós), e não conseguisse fazer o mesmo nos meros 150 km de mar que ligam São Tomé ao Príncipe. Será que o nosso mar é assim tão complicado? Será que foi uma questão de puro azar? Será que foi sabotagem, como muitos já sugeriram? Ou os nossos “doutores-tripulantes” sentiram a falta dos seus professores espanhóis que os haviam assessorado na viagem de Barcelona?

Como o barco ainda estava coberto pela garantia, chamou-se os técnicos espanhóis para resolverem o problema e simultaneamente, contratou-se um perito independente para averiguar as causas da avaria. Parece que, tanto os técnicos da empresa construtora, como o perito chegaram a conclusão de que a avaria foi provocada por erro humano no manuseamento do “Ferrari”, que supostamente teria sofrido um acidente que não foi relatado às autoridades. Afinal, o primeiro-ministro tinha razão.

Resolvidos os problemas técnicos, o “Príncipe” voltou outra vez ao mar, mas por lá não ficou muito tempo. Na semana passada fomos surpreendidos com a notícia do encalhamento do barco ao largo da baia de Ana Chaves apôs uma noite de temporal. Estava um marinheiro de plantão, mas não conseguiu controlar a embarcação e nem rentabilizar os 2000 cavalos de potência dos motores para impedir que o barco andasse a deriva e fosse beijar as areias brancas da praia Brasil. Qual será a desculpa desta vez? Erros de fabrico? Incompetência? Negligencia? Sabotagem? Ou simples “corpo sujo”?

Espero que se decifre o mais rápido possível as causas de tantos contratempos e que se tenha pulso firme nas acções que forem necessárias tomar para dar volta a situação, para depois não virmos chorar sobre o leite derramado se algo de mais grave acontecer.

Se realmente o barco tiver defeitos de fabrico, troquem-no e peçam as respectivas indemnizações!

Se foi por incompetência da tripulação, troquem-na também ou contratem um supervisor qualificado para fazer um acompanhamento mais próximo até que os homens ganhem “calo”!

Se foi por negligência, responsabilizem os culpados que andam a brincar com tamanho investimento.

Se foi sabotagem, identifiquem os delinquentes, os mandantes e punam-nos exemplarmente.

Se por outro lado, concluírem que se trata de uma questão de puro “corpo sujo”, em virtude do barco ter sido comprado num dia aziago ou do mau-olhado da oposição, mandem vuzar o barco com um “pumbú” de três dias e tocar um “djambí” no convés para afastar os maus espíritos.

quarta-feira, 10 de março de 2010

MORREU ALDA DO ESPIRITO SANTO

Junto a minha humilde voz ao coro de vozes que manifestam a sua desolação por esta perda irreparável para a nossa nação e aproveito para hipotecar junto a família enlutada os mais sentidos votos de pesar. São Tomé e Príncipe ficou mais pobre desde ontem, acreditem!

Tive o privilégio de conhecer pessoalmente a Dona Alda nos finais da década de oitenta, quando fazia parte de um grupo de estudantes da Trindade, que sob o incentivo de um professor (confesso que já não me lembro se foi o professor “Chandinho” ou o professor Bernardo), teve a pretensão de aventurar-se no mundo da poesia (pensávamos na altura que tal façanha estava ao alcance de qualquer comum mortal), na tentativa de fazer surgir novos valores nas letras de São Tomé e Príncipe. Reunimo-nos duas ou três vezes com ela para apresentar os nossos escritos e pedir orientações e posso dizer sem qualquer demagogia que foi ela que definitivamente plantou em mim o gosto pela leitura e escrita. Deu-nos um conselho valioso (“…para escreverem bem, têm que ler, ler muito”) e dois livros para cada um: Um de prosa e outro de poesia. A mim calhou o “Sagrada esperança” do seu amigo Agostinho Neto e o “Terra morta” de Castro Soromenho. Foram os primeiros livros “a sério” que li na minha vida e ainda os conservo no meu antigo quarto, na roça do meu avô, nos arredores da Trindade, tinha 12 ou 13 anos na altura.

Pensei em varias formas de lhe prestar uma singela homenagem, mas nada me parece mais apropriado do que faze-lo na linguagem que ela melhor entendia: A linguagem da poesia.

- Dona Alda, embora não tenha o génio e o talento que lhe eram reconhecidos, arrisquei esses versos para si. Que Deus a tenha no seu eterno descanso!


MAMÃ GRANDE

Shiu! Não façam barulho, mamã grande está a dormir…
E quando ela dorme, o silêncio tem que reinar
E quando ela dorme, ninguém pode chorar ou rir
Porque se ela deixar de dormir, será incapaz de sonhar

Shiu! Não façam barulho, mamã grande está a sonhar…
E quando ela sonha, suas memórias consegue rever
E quando ela sonha, a inspiração sai a ganhar
Porque se ela deixar de sonhar, será incapaz de escrever

Shiu! Não façam barulho, mamã grande está a escrever…
E quando ela escreve, mentalidades consegue mudar
E quando ela escreve, dá um sentido ao nosso viver
Porque se ela deixar de escrever, será incapaz de lutar

Shiu! Não façam barulho, não agora…
Mesmo que mamã grande já não sonhe
Mesmo que mamã grande já não escreva
Mesmo que mamã grande já não lute
Porque nem a morte a fará morrer em nós