quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

E SE O OBAMA FOSSE BRANCO?

O mundo “parou” para assistir a cerimónia de tomada de posse de Barack Obama como o 44º Presidente dos EUA. Das aldeias do interior de África, passando pelas grandes cidades e pelos locais mais recônditos da Ásia, Europa, América do Sul e Austrália, um mar de gente colou-se à Tv na hora do juramento solene de Obama, levando a que fosse batido alguns recordes de audiência em muitos Países, coisa que alias já acontecera na noite da sua vitoria eleitoral. Outro recorde foi batido em Washington onde quase dois milhões de pessoas, enfrentando temperaturas adversas e um dispositivo de segurança sem precedente, assistiram ao vivo esse momento histórico, coisa nunca antes vista nas anteriores cerimónias de tomada de posse de outros Presidentes, incluindo a de Kennedy, um dos mais queridos e populares Presidentes que já passou pela casa branca, o que veio dar razão à aqueles que consideram Barack Obama como o primeiro Presidente global da historia da humanidade.

Muitas questões se levantam quando ousamos analisar esse fenómeno de popularidade e essa onda de esperança que parece varrer o nosso planeta de Norte a Sul desde a eleição de Obama, mas há uma que fatalmente teima em ter primazia sobre as outras: Será que todo esse optimismo, toda essa esperança na mudança, toda essa mobilização internacional e todo esse “quase endeusamento” da figura de Barack Obama se deve tão-somente ao facto de ele ser o primeiro Presidente negro da história dos EUA? Pondo a questão de outra forma: E se o Obama fosse branco, como seria então?

Mia Couto, escritor Moçambicano e um dos maiores vultos das letras no mundo lusófono escreveu há tempos um interessante texto sobre o improvável aparecimento de um Barack Obama em Africa, elencando com a mestria habitual os variados obstáculos que se apresentariam no caminho de qualquer Africano que se atrevesse a mostrar uma nova via de esperança ao seu povo que os levasse a afirmar em uníssono: Yes, we can!

Permita-me o Mia Couto que eu dê um torcicolo no “pescoço” da ideia base com que cimentou o seu texto e faça aqui um exercício de reflexão baseado na hipótese que atrás sugeri:

E SE O OBAMA FOSSE BRANCO?

E se por um passe de magia pudéssemos substituir o progenitor do presidente Obama por um homem Branco? Tanto fazia que esse Barack sénior fosse um Europeu ou um Americano branco, o importante nesta reflexão é ressalvar o tom de pele clara com que nasceria o Obama imaginário, sendo que manteríamos exactamente iguais todos os outros aspectos da sua vida, desde a sua educação, a ausência do pai, o seu percurso académico e politico, o seu carácter, os seus sonhos, os seus dotes de orador e.t.c, trazendo também a baila, naturalmente uma Michelle Obama branca. Será que na conjuntura em que o Obama negro chegou à presidência dos EUA, um Obama branco também o conseguiria? E mais ainda, um Obama branco, o conseguiria da forma tão espectacular e galvanizadora como aconteceu? Ser-lhe-iam também depositadas tamanhas expectativas e esperanças?

Naturalmente que não farei a analogia entre o Obama negro e o Obama Branco desde o seu nascimento, porque como ressalvei no parágrafo anterior, esse exercício pretende apenas mostrar o meu ponto de vista sobre a importância da questão racial no estrondoso sucesso politico da figura de Barack Obama. Portanto, partindo da hipótese de que o Barack Obama Branco teria as mesmas oportunidades, restrições e sonhos do Barack Obama negro e tivesse vivido de forma exactamente igual, vou situar temporalmente o principio da minha reflexão no ano de 2004, altura em que Obama começou a despontar para a politica a nível Nacional.

Se o Obama fosse branco, mesmo sendo um excelente orador e tendo já na altura vencido as eleições primarias do partido Democrático no estado do Illinois, talvez não seria convidado pelo John Kerry a fazer o discurso de abertura na convenção democrática de 2004 e logo perderia a hipótese de se projectar a nível nacional e de viver o momento mais marcante da sua curta carreira politica. Lembro-vos que na altura, o partido democrático procurava uma “cara” nova e fresca, de preferência um representante das minorias étnicas e por esta premissa, o nosso Obama branco talvez não despertasse a curiosidade dos barões do partido Democrático.

Se o Obama fosse branco, talvez fosse também eleito Senador pelo estado do Illimois, visto que essa eleição foi ganha com um enorme contributo do factor sorte que sempre protege os audazes. O adversário do Obama negro nas primarias democráticas e também o Republicano nas eleições gerais retiraram as suas candidaturas por se verem envolvidos em escândalos sexuais que foram revelados pela imprensa semanas antes do dia das respectivas eleições, o que abriu caminho a vitoria de Obama com quase 70% dos votos. Mesmo assim, a vitória do Obama branco no Illinois seria algo normal e não teria despertado tanta curiosidade nos média que começaram a interessar-se de forma tão intensa pelo Obama negro pelo facto de se ter tornado na altura “apenas” o 3º negro a ser eleito para o Senado em toda a historia dos EUA. Logo, o Obama branco não seria alvo do proteccionismo dos meios de comunicação social que tanto jeito deu ao Obama negro, não teria despertado a curiosidade dos Americanos de forma tão abragente e talvez nem a revista "Time" vaticinasse em 2006 que ele seria um dia o Presidente dos EUA.

Se o Obama fosse branco, talvez não ousasse lançar a sua candidatura à presidência dos EUA depois de ter passado apenas dois anos como Senador dos EUA, até porque pelos motivos atrás referidos, naquela altura não gozaria de certeza da projecção nacional que o Obama negro tinha nos media para contrariar a sua falta de experiencia e também não teria sofrido as pressões de alguns notaveis do partido para avançar de imediato. E se por acaso mesmo assim, ele avançasse para a “luta”, não teria nenhuma hipótese de derrotar a super favorita Hillary Clinton e seria dizimado como o foram os restantes candidatos considerados “normais” por um eleitorado ávido por algo novo e realmente diferente. Além da vantagem do dinheiro, do apoio dos lobies e da cúpula do partido Democrático, Hillary Clinton não teria ninguém que disputasse com ela um lugar na historia, visto que se desenharia a hipótese de pela primeira vez, uma mulher vir a ser nomeada candidata presidencial pelo partido Democrático e sem ter um negro como contra-peso para baralhar as contas finais, como fez o Obama negro, os Democratas de certeza que não deixariam passar essa oportunidade, atendendo também ao facto da maioria dos eleitores serem do sexo feminino.


Se o Obama fosse Branco e por obra de forças sobrenaturais ou de uma conjuntura especial, derrotasse a senadora Hillary Clinton nas primárias democráticas, talvez pudesse também derrotar o Republicano McCain nas eleições de 4 de Novembro, aproveitando o desastre Sarah Palin e a crise financeira que eclodiu em Wall street, tendo em conta que o povo Americano tendencialmente prefere os Democratas aos Republicanos em assuntos económicos, mas de certeza absoluta que estas eleições deixariam de ser tão “especiais”, tão comentadas, tão participativas e tão expectantes para os Americanos e para o resto do mundo. Poderia causar alguma curiosidade o facto de o McCain ter escolhido uma mulher para Vice-presidente, mas isso já não seria algo novo e poderíamos todos estar ansiosos por conhecer o substituto do W. Bush, mas não “beberíamos” as eleições como o fizemos e nem tomaríamos partido de forma tão desavergonhada e afirmativa como o fizemos pelo Obama negro.

Porque se o Obama fosse branco, não teria a sua história de vida singular para apresentar ao eleitorado fazendo sonhar os mais desfavorecidos, enfatizando a realidade de qualquer um conseguir ser tudo o que quiser nos EUA, mesmo nascendo pobre, sendo de uma minoria étnica e tendo um nome esquisito. Não quebraria a barreira racial e não mostraria ao mundo que a América realmente está a mudar e esta a ultrapassar os traumas do passado que tantas complicações tem causado aos Americanos. O Obama branco, mesmo defendendo os mesmos ideais, mesmo assumindo as mesmas opções politicas estratégicas, não teria o peso da história para sustentar a verdadeira mudança que o Obama negro encarnava e se calhar não reuniria tantas afinidades de quadrantes tão diferentes do complexo mosaico cultural Americano que a certa altura quase que decidiram apostar no ar simpático e na experiencia do velho MacCain.

Será então que o Obama negro é hoje o “nosso” Obama apenas por ser negro?
Naturalmente que não, mas sobretudo por o ser.

O Homem tem carisma, é inteligente, bem parecido, tem sentido de liderança, é excelente orador, pensa pela sua cabeça e tem tido a “estrelinha da sorte” em algumas ocasiões da sua vida, mas tenho quase a certeza de que a sua súbita ascensão politica e a repercussão que teve a sua eleição no mundo inteiro só foi possível porque depois do desastre que foi a administração Bush, estávamos todos ávidos de uma mudança a sério e o tom de pele mais escura do Obama despertou numa esmagadora maioria o sentimento de curiosidade por um cenario nunca antes experimentado e a esperança de que a aposta na novidade e no implausivel poderia ser a unica solução na conjuntura actual para tirar a America da situação em que se encontra. Se é verdade que a cor da sua pele teve papel preponderante na sua ascensão ao cargo de homem mais poderoso do planeta, não é menos verdade que o que contará daqui para frente será a sua competência, o seu bom senso, o seu sentido de estado, a sua inteligência, a sua capacidade em escolher bem e ter pulso sobre a sua equipa e a sua visão estratégica para a América e o mundo de forma a poder deixa-lo um pouco melhor do que o encontrou e embora ainda seja muito cedo, já deu para ver em apenas dois dias de governação que Barack Hussein Obama é totalmente merecedor das altas expectativas mundiais que pesam sobre as suas costas e se nada de muito excepcional acontecer, irá cumprir de forma brilhante o destino para o qual, acredito eu, foi fadado. Que Deus dê vida longa aos seus inimigos, para que assistam de pé às suas vitorias!



Queluz, 22 de Janeiro de 2009-01-23