terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A EMERGÊNCIA DA 19º PROVÍNCIA.

Vivi em Luanda até aos 11 anos de idade e foi lá que estudei até a 5ª classe. Lá conheci os meus amigos de infância, roubei o meu primeiro beijo, fui pioneiro de Agostinho Neto e inclusive, aprendi o hino nacional de Angola antes mesmo de saber cantar o “Independência total” do meu País natal. Como se não bastasse, é lá que está enterrado o meu pai. Nesse período, apenas ia para São Tomé nas férias grandes e quando fui morar em São Tomé, passei a fazer o trajecto inverso, também nas férias grandes, até 1995, ano da minha ultima visita ao bairro do São Paulo, onde, apesar de dois acontecimentos traumatizantes (a morte do meu pai e a guerra pós eleitoral de 1992), fui muito feliz. Essa introdução (um tanto nostálgica) serve para enquadrar as fortes ligações que tenho com Angola e com os angolanos, para que não me venham acusar de xenofobia, depois de lerem esse texto.

As relações históricas entre São Tomé e Príncipe e Angola há muito que extravasaram o tradicional relacionamento diplomático entre dois estados amigos, sobretudo devido à ligação próxima entre os dois movimentos independentistas que acabaram por assumir o poder nos dois países logo após a independência, o MPLA e o MLSTP. Isso salta à vista de todos e creio que não estarei a exagerar se disser que no seio dos PALOPs, STP e Angola são mais “irmãos” do que os outros. Desde pequeno que tenho a noção desse relacionamento privilegiado, até pela forma condescendente, a roçar o paternalismo, que os angolanos sempre trataram os emigrantes são-tomenses (os santomistas ou santolas, como eles nos chamam) e sobretudo, pela facilidade com que os são-tomenses se integravam na sociedade angolana. Diziam na altura (meio a brincar) que São Tomé e Príncipe era a 19ª província de Angola, dada à nossa pequenez territorial e populacional, à dependência que tínhamos (e ainda temos) do petróleo angolano e à amizade pessoal e uma certa subserviência dos nossos dirigentes em relação aos dirigentes angolanos (nesse aspecto pensava que era só os dirigentes do MLSTP que rezavam por esta cartilha). Até há bem pouco tempo, achava um disparate essa afirmação, mesmo tendo noção que a dependência que sempre tivemos em relação à Angola estendia-se também aos outros sectores (económico, diplomático, social, militar e.t.c) mas hoje, se analisarmos bem as coisas e sobretudo, em razão das noticias que vieram a publico na ultima semana, começo a recear que, da forma como as coisas se têm desenvolvido, é apenas uma questão de tempo até que o nosso São Tomé e Príncipe seja “vendido” aos angolanos e nos tornemos de facto, na 19ª província de Angola.

Os angolanos (pessoas e empresas diferentes, é verdade, mas todos ligados ao comité central do MPLA) começaram por comprar a Rosema, o club Náutico e a empresa Porto Alegre. Depois compraram o banco Equador, a Enco, casas de praia, algumas roças, os terrenos mais cobiçados e as vivendas históricas da empresa Água Izé. Agora conseguiram a concessão do porto e do aeroporto de São Tomé, com previsão de “tomarem” parte da EMAE e da STPairways , sem mencionar outras negociatas que se ouve falar à boca pequena em São Tomé. Só falta mesmo tomarem de assalto a CST para terem o controlo quase absoluto sobre os sectores fundamentais da nossa economia. E como no mundo de hoje (e o de ontem também), o poder económico prevalece sobre o poder político, não me admira nada que daqui a pouco, o rumo do nosso País comece a ser definido pelo inquilino do Palácio da Cidade Alta, em Luanda (se é que já não é).

Haverá quem defenda que a privatização ou venda dessas empresas é a única saída, dado o estado de falência técnica em que se encontravam e a pouca capacidade do nosso estado para injectar “ferro” na nossa economia, mas era mesmo imperioso meter todos os ovos no mesmo cesto?! Não havia outra forma de se fazer esses negócios?! Com outros parceiros, quiçá?! E os terrenos?! E as roças?! E as casas que tê sido vendidas aos angolanos de forma desenfreada à peso de ouro, com reflexos irremediáveis no mercado imobiliário?! Ninguém se preocupa com isso?! É claro que o estado não deve meter o bedelho nos negócios privados, mas tem que estar alerta para as consequências desses negócios (totalmente desajustados à nossa realidade) num mercado tão pequeno e frágil como o nosso. Quanto aos negócios com o estado, a coisa até pode funcionar, mas qual será o preço que teremos de pagar?!

Há uns anos atrás, havia pessoas que no auge da desolação pelo rumo que tomou o País, ou melhor, pelo rumo que demos ao País, diziam que se calhar, o melhor era entregarmos outra vez STP aos portugueses ou á um outro País qualquer, para ver se a situação melhorava. Ao que parece, mesmo sem nos darmos conta disso, começamos a caminhar fatalmente para a concretização desse paradigma, e, ou muito me engano, consciente ou inconscientemente, a escolha já foi feita. Pensávamos que com derrota do MLSTP e consequente subida do ADI ao poder, as coisas podiam mudar de rumo (talvez em direcção ao Gabão, Nigéria ou mesmo, à Líbia), dado o certo “distanciamento” que sempre houve entre Luanda e os Trovoadas. Puro engano, como se viu na visita de estado, ou melhor, na convocatória de estado que o presidente angolano fez ao nosso primeiro-ministro, 38 dias depois da sua tomada de posse, logo apôs ele ter cometido o “desplante” de visitar primeiro o Bongó Filho e o Goodluck Jonathan.

Patrice Trovoada voltou de Angola a falar “outra” língua e como se começa a notar, não estava a brincar quando afirmou que iria terminar com a política dos dois parceiros estratégicos, implementada por Rafael Branco. Antes tínhamos dois, agora é só um. Quem viver, verá as consequências dessa opção.

HÁ QUEM LHE CHAME "MUDANÇA" - Parte III (final)

Nota prévia – Fui abordado (via email) por algumas pessoas que acharam estranho eu criticar assim o governo, sugerindo mesmo que estou a faze-lo por indicação de alguém, ao serviço da oposição ou por qualquer querela pessoal com o senhor Patrice Trovoada. Questionaram-me também sobre o facto de raramente elogiar os nossos dirigentes nos meus textos de reflexão/comentário/análise. Urge pois, prestar alguns esclarecimentos: Sobre o primeiro item, devo dizer que não escrevo ao serviço de ninguém, não tenho querelas pessoais com ninguém, não sou inimigo de ninguém e até onde sei, também não tenho inimigos (pelo menos declarados). O que faço é o exercício da cidadania activa e o que me move, é a vontade de contribuir de alguma forma para o debate plural e participativo na nossa sociedade, respeitando dois direitos fundamentais de qualquer cidadão num estado de direito democrático: O direito à liberdade de expressão e à opinião e o direito à indignação (e já ando nisso há quase 15 anos). Quanto ao segundo item, sou daqueles que só gasta os elogios quando as pessoas fazem algo fora do comum, que ultrapassa aquilo que se espera delas. Enquanto os nossos dirigentes se limitarem a fazer apenas o medíocre e de vez em quando, o normal, da minha parte, não receberão reconhecimento nenhum.

Posto isso, passo agora à conclusão dessa espécie de trilogia, onde apenas pretendo apresentar as razões e os factos que, segundo a minha opinião, levaram o governo de Patrice Trovoada a perder irremediavelmente o título de portador da bandeira da “mudança”.

Continuando na senda dos casos mais mediáticos que fizeram balançar os alicerces desse governo e inquinar a balança da opinião pública, temos o caso “Pierre Ngué”, onde o governo, numa tentativa afoita e mal planeada de repor a tal autoridade do estado, que anda por ai perdida há muitos anos, acabou por meter os pés pelas mãos, violando claramente a constituição da república e os direitos fundamentais básicos da pessoa humana. E pior, confundindo autoridade do estado com autoritarismo, insistiu no erro e desafiou o poder judiciário, metendo em cheque o princípio da separação dos poderes, pedra basilar de um estado de direito democrático. Isso é mudança?!

Ao nível das relações externas, fomos brindados com o caso “Jorge Amado”, onde o representante permanente e oficial do estado São-tomense junto ao estado Taiwanês, foi simplesmente enxotado e enxovalhado durante a visita oficial do ministro dos negócios estrangeiros de Taiwan à São Tomé e Príncipe. O nosso ministro dos negócios estrangeiros nem se dignou a receber o homem, alegando que o mesmo viajou para São Tomé sem o ter informado. E depois?! Caso o embaixador tivesse infringido alguma norma ou formalidade diplomática, não era caso para ser tratado em sede própria, seguindo os tramites legais e de preferência sem fazer muito alarido, no momento exacto em que um representante do estado onde ele está formalmente acreditado encontrava-se em visita oficial ao nosso País?! Será que mediram ao menos, as repercussões que esse caso podia ter junto aos Taiwaneses?! Será que se o embaixador Jorge Amado fosse um militante do ADI teria o mesmo tratamento?! Até quando vamos continuar a deixar que as querelas pessoais e partidárias interfiram nos assuntos de estado?! Um dos pressupostos da mudança não é acabar com essas situações de política de “terra queimada” e inaugurar uma nova era (mais saudável e produtiva) nas relações entre os partidos políticos e os seus dirigentes?!

Pouco tempo depois, fomos sacudidos por mais um caso mediático que voltou a por o governo de Patrice Trovoada na boca do povo, pela negativa: O caso “30 mil barris de petróleo”. O ministro secretário do governo, veio ventilar aquilo que parecia ser mais um caso de corrupção ligado ao governo anterior, lançando suspeitas sobre o desvio do dinheiro de um negócio que pouca gente conhecia e prometendo o levantamento de um inquérito sobre o assunto. No dia seguinte, quando nada fazia prever, veio dar o dito por não dito, dizendo que as pessoas haviam interpretando mal as suas palavras. O Parlamento (aleluia) decidiu pedir esclarecimentos e ficamos a saber que o buraco é mais fundo do que parecia, que afinal o dinheiro havia sido transferido, que houve precipitação e má fé do governo e até o presidente também foi metido no barulho. O caso está agora nas mãos do procurador-geral da república e pelo que vi, já deu para notar que será mais um que ficará em águas de bacalhau e o povo jamais será esclarecido. Isso é mudança?!

Por fim, quando pensávamos que o governo já tinha dado tudo de si, no que se refere à casos mal explicados, eis que surge o caso “São Lima”, onde tudo leva a crer que houve claramente uma tentativa de censura descarada e violação da liberdade de imprensa. Sobre isso já muito se disse e se escreveu, por isso, não vou alongar-me sobre o assunto. Apenas duas notas:

1 – Acho preocupante o silencio dos visados e mais ainda, que a única reacção conhecida tenha sido feita através do site do partido do poder. Como se costuma dizer: quem cala, consente.
2 - Dessa espécie de comunicado, saltou-me à vista duas passagens:
Quando o Governo soube que a jornalista São Lima iria consagrar mais ou menos 1h:30min do seu programa ao candidato Dr. Veigas, orientou a TVS”…

O que supõe ela trabalhar com, e para a realização dos objectivos do Governo e não contra ele. O facto de ter continuado com o Governo ADI sugere implicitamente São Lima ter aceite trabalhar em sintonia com e para os objectivos programáticos do actual Governo. São Lima não pode ser assessora de dia do Governo e opositora obstinada do mesmo Governo de noite. Para isso existe a imprensa privada.”

Cada um tirará as suas conclusões.

Para terminar, uma pergunta inocente ao senhor ministro dos recursos naturais: Porque razão adiou-se a divulgação dos valores das ofertas feitas no leilão dos blocos de petróleo da ZEE? Não será a essência de um leilão, a confrontação dos valores oferecidos sobre determinada coisa, para se decidir pelos valores mais altos?! Porquê tanto segredo?! Porquê esperar 60 dias para o anunciar?! Onde é que anda afinal, a tão apregoada transparência na gestão da coisa publica?!

… E assim, a “mudança” perde mais uma oportunidade de fazer mudança. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

HÁ QUEM LHE CHAME "MUDANÇA" - Parte II

Como ficou resumido no texto anterior, o governo do ADI tinha quase tudo ao seu favor para trilhar com sucesso o caminho espinhoso da verdadeira “mudança”, a tal que andaram apregoar na altura da campanha eleitoral e de que São Tomé e Príncipe tanto necessita para “dar certo”, como costumam dizer os brasileiros. Para isso, nem precisavam de resolver de uma assentada todos os problemas que nos afligem, até porque os nossos problemas estruturais não desaparecerão de um dia para outro, por passe de magia, mas era imperioso transmitirem sinais claros de que estão ao menos, empenhados em resolve-los e isso, para mal dos nossos pecados, não tem acontecido, muito pelo contrário.

Assim à vista desarmada e para começo de “conversa”, ocorre-me mencionar três medidas populistas assumidas por esse governo que, se fossem realmente aplicadas, garantiriam por si só, o corte radical com o passado recente e a consequente admiração e o respeito de grande parte dos São-tomenses que não votaram no ADI:

O senhor Primeiro-ministro aceitou o desafio de fazer a declaração pública dos seus bens e, em nome do combate à corrupção, disse que iria criar as condições para fazer disso, pratica corrente para os altos funcionários do estado. Disse também que, na era da “mudança”, os directores das empresas, institutos e organismos do estado seriam avaliados apenas pela sua competência técnica e produtividade, nunca pelas suas preferências partidárias e, num claro acto revolucionário, garantiu também, que, com raras excepções, as viaturas do estado deixariam de andar na “vadiagem” aos fins-de-semana e em horários nocturnos. Era a “mudança” a manifestar-se em todo o seu esplendor. E o que aconteceu na prática?!

Na questão da declaração pública dos bens do senhor Primeiro-ministro, passados 4 meses, continuamos a espera que se faça luz sobre esse assunto, não sabemos se por puro esquecimento, por excesso de viagens, perdão, de trabalho, por falta de tempo para fazer o inventário, ou por puro desinteresse mesmo. A verdade é que o homem fez-nos acreditar que iria marcar a diferença também nesse ponto e até agora nada! Isso é mudança?!

Na questão dos “directores” do aparelho do estado, obviamente que estávamos a espera que alguns fossem substituídos, por ocuparem cargos de confiança política, mas depois das afirmações do senhor Primeiro-ministro, fazendo apologia da competência e da produtividade, ninguém esperava a autêntica razia que houve nesse sector e a consequente promoção de militantes e amigos/familiares de militantes do ADI. Se por um lado podemos até aceitar que os que saíram eram todos incompetentes, dorminhocos e preguiçosos, por outro lado, é muita coincidência que apenas tenham entrado pessoas que se identificam com as cores amarela e azul, ou seja, voltamos aos maus hábitos do passado. Isso é mudança?!

Quanto à questão do limite de uso das viaturas do estado (para mim, a medida mais demagógica e populista desse governo, por ser de todo, incoerente e impraticável), num país em que o nível salarial é o que se sabe, o uso de viaturas do estado, de motorista, de segurança e até de casas do estado ou a atribuição de subsídio de habitação, além de servirem para dar alguma dignidade aos altos cargos públicos, tem que ser visto como um complemento salarial e uma medida de desencorajamento à corrupção, ainda mais no caso em concreto, em que muitos ministros e altos funcionários do estado não têm casa e viatura próprias. Creio que se o objectivo era agradar ao povo e mostrar uma atitude de responsabilidade na gestão da coisa pública, nesse item, os anunciados cortes no combustível e telefone estavam de bom tamanho, até porque como se veio a provar, essa medida não era de fácil implementação, por isso, inventaram as tais excepções e as credenciais de autorizações pontuais, que com o tempo, acabaram (as excepções) por se transformar em regra. Sem falar que os fiscalizadores, são subordinados hierárquicos dos fiscalizados, logo, a ameaça de represálias não lhes permite cumprir a sua função com o zelo exigido. Por tudo isso, essa medida estava desde o inicio ferida de impraticabilidade, mas foi anunciada com pompa e circunstancia e granjeou muita simpatia junto do povo pequeno, mas hoje, com ou sem credenciais, os carros do estado circulam a todas às horas e em todos os locais. Isso é mudança?!

Depois tivemos o célebre caso do deputado 28 na votação para a presidência da Assembleia Nacional, que nos fez perceber as razões do ADI não ter passado cartão à oposição na formação do seu governo minoritário, afinal, já tinham garantido a fidelidade canina de um dos deputados do MLSTP/PSD, que, contando com o deputado solitário (e solidário) do MDFM, lhes assegura a tão ambicionada maioria absoluta no parlamento. A prova maior desse pressuposto foi dada na elaboração do OGE para 2011, onde mais uma vez, a oposição não foi tida, nem achada no processo. Em que País sério do mundo, um governo minoritário elabora um orçamento sem negociar previamente com um ou mais partidos da oposição para ter garantias que o seu orçamento não seja chumbado?! (vejamos o exemplo de Portugal, onde o governo minoritário do PS teve que se vergar à algumas exigências do maior partido da oposição para ter garantias prévias de que o seu orçamento não seria chumbado no parlamento). Das duas, uma: Ou o primeiro-ministro é um irresponsável, temerário e está a abusar da sorte, ou tem mesmo um trunfo na manga, nesse caso, um deputado na manga. Isso traz-nos à memória os célebres encontros que aconteceram na “Favorita” no tempo do governo minoritário do Tomé Vera cruz, onde a ementa principal foi a compra dos deputados do ADI (ironia do destino). E já que falo do OGE, não será demais recordar que o senhor Patrice Trovoada assinou publicamente um compromisso com os habitantes da ilha do Príncipe onde garantia que se fosse governo, a RAP não seria esquecida e 10% do OGE seriam disponibilizados para alavancar o desenvolvimento de umas das mais esquecidas regiões do País. Esse acto valeu-lhe o apoio incondicional do UMPP de Tozé Cassandra, 40% dos votos e a eleição de 2 deputados na RAP. Agora sabemos que a dotação para a RAP no OGE de 2011 está longe do prometido e até é inferior ao valor do orçamento de 2010. Isso é mudança?!

Por último, uma pequena nota sobre o assunto do momento (que merecerá maiores comentários no próximo texto), que é o “São Lima gate”: O primeiro-ministro, o ministro da tutela e o director da TVS, que são os principais visados, ainda não se dignaram vir a publico dizer uma palavra sobre o assunto, remetendo a sua versão dos factos para uma espécie de comunicado publicado no site do ADI. O partido político no poder começa a confundir-se com o estado. Onde é que já vimos esse filme?! E isso parece-vos mudança?!

(continua)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

HÁ QUEM LHE CHAME "MUDANÇA" - Parte I

Em Agosto passado, uma nova onda de esperança invadiu o território de São Tomé e Príncipe e encheu o espírito martirizado e politicamente desiludido dos São-tomenses com o anúncio quase messiânico de dias melhores para todos, em todos os níveis. Tal facto deveu-se à inesperada vitória do ADI nas eleições legislativas, como castigo ao anterior governo (sobretudo) pelos sucessivos escândalos financeiros que envolveram os nomes da maioria dos seus membros e também, ao excesso de confiança, à desunião, guerrilhas internas e ao desnorte que se vivia nos outros grandes partidos da nossa praça. O povo expressou mais uma vez a sua vontade nas urnas e com algum mérito seu, mas, sobretudo por grande demérito dos outros, o ADI recebeu quase de mão beijada, uma benesse que nem nos mais coloridos sonhos do seu presidente parecia possível. Estava assim inaugurada (mais) uma nova fase no (des) governo do nosso querido São Tomé e Príncipe e outra vez, decidiram baptiza-la de “mudança”.

A nova “mudança” começou desde de cedo a querer mostrar serviço e alimentar a ingénua alma dos São-tomenses: Mesmo sem ter a maioria dos deputados que lhe garantiam a necessária sustentabilidade parlamentar para governar com alguma propriedade e segurança, o ADI, numa atitude irresponsável, decidiu avançar para um governo minoritário, sem tentar coligações e sem negociar acordos prévios que lhe garantissem no mínimo, a aprovação do OGE ou, em futuras crises politicas, a não aprovação de uma moção de censura, afinal, os partidários da nova “mudança” não se podiam misturar com os rostos do passado, não é?! (Ou estava na calha, nova compra de deputados?!) E depois, quem precisa do parlamento para governar São Tomé e Príncipe?! O povo aplaudiu!

Formaram um governo com rostos novos, alguns pseudo -independentes e a maioria, jovens quadros que não tinham ainda se lambuzado no mel do poder e que não carregavam o espectro da corrupção. Mas o que lhes sobrava em vontade de trabalhar, em “sangue na guelra” e em espírito patriótico, faltava em experiencia, maturidade política e quiçá, algum “jogo de cintura”, sempre necessário no embrulhado e imprevisível cenário político nacional. A maioria das pessoas nem notou que alguns sectores fundamentais do funcionamento do País, ficaram aparentemente sem “dono” no organigrama do novo governo (turismo, economia, e, pasme-se, agricultura e pesca), mas isso era só um detalhe irrelevante, talvez os dossiês desses departamentos seriam tratados num processo de rotatividade ou de improviso pelos ministros que estivessem mais desocupados em determinadas alturas, o importante mesmo era inovar e não imitar os antecessores, ou não seria pressuposto último da “mudança”, mudar, seja lá no que for. O povo voltou a aplaudir!

O novo primeiro-ministro entrou a todo gás, promovendo uma série de medidas populistas que ficam sempre bem nos tempos de mudança: apontou quatro grandes metas do seu governo que fizeram delirar a opinião pública nacional, mas esqueceu-se de explicar como pretendia atingi-las; garantiu que a corrupção seria sua inimiga de morte e respondendo a um repto lançado por um ilustre cidadão numa carta aberta, disse que iria fazer a declaração pública dos seus bens e mais, iria fazer disso, prática corrente para todos os altos dirigentes do estado; realizou uma série de “visitas surpresa” à sectores chaves da economia nacional, denunciou directores que dormiam muito, enumerou alguns que, segundo ele, não produziam o suficiente e criticou os funcionários atrasados; proibiu o uso de viaturas de serviço do estado aos fins-de-semana e em horário nocturno (o que obrigou os altos funcionários do estado a terminarem cedo o expediente e a não trabalharem aos fins de semana), cortou-lhes também o combustível e os gastos com os telemóveis; disse que passaria a premiar a competência e quem estivesse a fazer um bom trabalho, iria continuar no seu cargo, independentemente da cor política que vestisse; falou na reposição da autoridade do estado e dos valores democráticos; fez visitas de estado de emergência a vários países amigos para agradecer o “apoio” na campanha eleitoral, perdão, para estabelecer novas formas de cooperação e começar já o habitual peditório para o orçamento de estado. Trouxe de lá promessas de investimento, um hotel de 5 estrelas e uma factura avultada para os empobrecidos cofres do estado, perdão outra vez, as viagens e estadia foram oferta dos dirigentes dos países amigos. A “mudança”, afinal tinha vindo mesmo para ficar e o povo, extasiado, aplaudiu mais uma vez!

A nova dinâmica implementada pelo governo e as promessas de dias felizes contagiou tudo e todos. O presidente da república, o presidente da região autónoma do Príncipe, adversários de outras lutas, ilustres membros da sociedade civil e da diáspora São-tomense apoiaram publicamente o novo governo, manifestando a total disponibilidade para trabalharem em conjunto, lançando simultaneamente apelos dramáticos aos partidos da oposição para que deixassem “os homens” trabalhar em paz, por um São Tomé e Príncipe (finalmente) melhor. Até os mais cépticos, os compatriotas realistas e descrentes no futuro do País, habitualmente apelidados como “os do contra” decidiram dar-lhes o beneficio da duvida, acreditando que dessa vez, a coisa poderia ser diferente.

Era esse, o cenário de quase unanimidade, que o governo de Patrice Trovoada conseguiu promover no inicio do seu mandato (transportando-nos para os tempos áureos do PCD de 1991, também ele, portador da bandeira da “mudança”) e nada fazia prever o descalabro que hoje verificamos, ainda mais, sabendo que se avizinham as eleições presidenciais, onde acredito que o próprio Patrice Trovoada não resistirá à tentação de voltar a candidatar-se, deixando o governo do País nas mãos do primeiro-ministro sombra, perdão (hoje não acerto uma), do ministro secretário do governo, que já anda em treino intensivo para cumprir esse “destino”. Tinham pois, a faca, o queijo e até o fiambre na mão, mas, em menos de 4 meses, já perdemos a conta dos sucessivos casos e imbróglios que têm ensombrado o palácio do governo e posto em causa, não só o discernimento intelectual e competência técnica dos membros do governo, mas sobretudo, as “promessas” que prometeram, começando pelo caso “deputado 28” e terminando (para já) no caso “São Lima”. A tão anunciada e super propalada “mudança”, afinal não passou de mais um embuste. Triste sina a nossa.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

AINDA SOBRE O CASO "PIERRE N´DÉ".

Nos últimos tempos, um caso mediático tem merecido a atenção de todos os que seguem de forma mais ou menos atenta a realidade e actualidade de São Tomé e Príncipe. Falo naturalmente do braço de ferro jurídico protagonizado pelo Governo, na pessoa do senhor Ministro Carlos Stock e o cidadão camaronês Pierre N´Dé, suspeito da prática de fraude fiscal, contrafacção de bebidas alcoólicas e atentado à saúde pública, que na semana passada foi “convidado” a abandonar o país no prazo de duas horas a partir da notificação dos Serviços de Migração e Fronteiras, a mando do Ministro da defesa e ordem interna (um convite quase irrecusável, já que a sua residência foi cercada por vários elementos da policia nacional, que sem um mandado judicial, levaram-no para os calabouços).

Já muito se disse e se escreveu sobre esse caso, mas, por conversas tidas com alguns amigos e lendo e ouvindo algumas intervenções e comentários na rádio, televisão e no site do “tela non” (alguns comentários emotivos revelam até laivos de uma xenofobia camuflada, insuspeita até, num povo com fama de acolhedor e tolerante), dá para notar que ainda paira muitas duvidas na cabeça de muita boa gente, principalmente depois da tal nota de esclarecimento do Governo, que, além dos erros gramaticais, inaceitáveis a esse nível, revela considerandos jurídicos preocupantes, que evidenciam um certo desnorte em que o próprio Governo se encontra em relação a esse caso e faz-me concluir que o Ministro Stock precipitou-se, na prossecução do tal objectivo da reposição da autoridade do estado, adoptando mais uma medida populista para agradar “o povo”, na senda daquelas em que esse governo tem sido pródigo, ou então, mais grave ainda (já que ele é jurista), desconhece totalmente a constituição e as leis que jurou cumprir há menos de dois meses atrás.

Valendo-me de alguns conhecimentos que tenho a nível do Direito e como puro exercício de cidadania, decidi tentar sintetizar e esclarecer esse imbróglio como se de um caso prático da cadeira de Direito Constitucional se tratasse, com esperança de conseguir trazer alguma luz à discussão. Vamos então aos factos:

1 – O cidadão camaronês Pierre N´Dé reside legalmente em São Tomé e Príncipe há 8 anos e é titular de um cartão de residência valido até 2011.

2- O senhor Pierre N´Dé é suspeito de alguns crimes económicos e de atentado à saúde pública, segundo denuncia feita ao Ministério Publico.

3 – Por achar que o Ministério Publico denotou alguma demora ou incompetência em dar seguimento à tal denúncia, o Governo resolveu cancelar o título de residência do senhor Pierre e decretar a sua expulsão administrativa, sem sequer ser julgado pelos crimes graves que presumivelmente cometeu.

Chamo a atenção para o facto de não estar em causa a questão dos crimes que o senhor Pierre presumivelmente cometeu, e digo presumível, porque um dos traços estruturantes dos direitos fundamentais dos cidadãos é o princípio da presunção da inocência, que diz claramente que todos somos considerados inocentes até a sentença transitar em julgado. Quanto a esse ponto, caberá aos tribunais decidir se ele é culpado ou inocente e aplicar a respectiva sanção, como é (ou devia ser) apanágio de um estado de direito democrático e nunca ao Governo, sob pena da violação clara de um dos princípios sagrados do tal estado de direito democrático, que é o princípio da separação dos poderes.

CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DEMOCRATICA DE SÃO TOMÉ E PRINCIPE:

Artigo 6.º
Estado de Direito Democrático


1 - A Republica Democrática de São Tomé e Príncipe é um Estado de Direito democrático, baseado nos direitos fundamentais da pessoa humana.

Artigo 7.º
Justiça e Legalidade


O Estado de Direito Democrático implica a salvaguarda da justiça e da legalidade como valores fundamentais da vida colectiva.

Artigo 69º.
Princípio da separação e interdependência dos poderes


1 - Os órgãos de soberania devem observar os princípios da separação e interdependência estabelecidos na Constituição.

Ou, trocando por miúdos e definindo o princípio do estado de direito: Um estado de direito tem expressão jurídica ou constitucional através de princípios e regras jurídicas que se encontram dispersos pelo texto constitucional. Há uma subjugação do poder a uma serie de princípios e regras que concedem garantias, liberdades, igualdade e segurança às pessoas.

Como dizia, o que está em causa, é sabermos se realmente o Governo pode ou não, expulsar administrativamente do país um cidadão estrangeiro com o título de residência válido. Voltando outra vez à CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DEMOCRATICA DE SÃO TOMÉ E PRINCIPE:

Artigo 17.º
Estrangeiros em São Tomé e Príncipe


1 - Os estrangeiros e os apátridas que residam ou se encontram em São Tomé e Príncipe gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que cidadão são-tomense, excepto no que se refere aos direitos políticos, aos exercícios das funções públicas e aos demais direitos e deveres expressamente reservados por lei ao cidadão nacional.

Artigo 41.º
Extradição, expulsão e direito de asilo


3 - A expulsão dos estrangeiros que tenham obtido autorização de residência, só pode ser determinada por autoridade judicial, assegurando a lei formas expeditas de decisão.

Creio que o artigo 41/3 da nossa constituição não deixa margem à qualquer interpretação dúbia e rebate qualquer outro tipo de argumentação que o Governo poderia elencar, já que diz claramente que qualquer cidadão estrangeiro que tenha obtido uma autorização de residência (que é o caso do senhor Pierre) só pode ser expulso por autoridade judicial, ou seja, os tribunais. E como todos os juristas sabem (ou deviam saber), o princípio da primazia da constituição (outro princípio sagrado de um estado de direito) define claramente que nenhuma outra lei, pode moldar, modificar ou ser contrária aos preceitos constitucionais, aliás, não é em vão que a constituição de um país é muitas vezes apelida de “LEI FUNDAMENTAL “ ou ” LEI MÃE”.

Em condições normais, a situação ficava resolvida com a evocação do nº 3 do artigo 41 da nossa constituição, mas já que o Governo no seu comunicado fez alusão à uma outra lei, que tem baralhado à compreensão de muita gente, convém também esclarecer esse ponto de uma vez por todas. Trago então à baila a Lei nº 5/2008, Lei sobre o Regime Jurídico dos Cidadãos Estrangeiros em São Tomé e Príncipe, que desenvolve e complementa os preceitos constitucionais que tocam à situação dos estrangeiros no nosso país:

Artigo 54.º
Cancelamento do certificado de residência


1 - O certificado de residência é cancelado sempre que o seu titular tenha sido objecto de uma decisão de expulsão, por via judicial, do território nacional ou quando tenha sido emitido com base em declarações falsas ou enganosas, documentos falsos ou falsificados, ou através da utilização de meios fraudulentos.

5 - Pode ser cancelado o certificado de residência por razões de ordem pública ou segurança pública.

6 - É competente para o cancelamento o Ministério tutelar da Ordem Interna, com a faculdade de delegação no director do Serviço de Migração e Fronteiras.

Por descuido, má fé ou pura incompetência, o comunicado do Governo apenas faz referência aos pontos 5 e 6 do artigo 54, omitindo o ponto 1, que define claramente que neste caso, embora o Governo seja competente para cancelar o certificado de residência de um cidadão estrangeiro, apenas o pode fazer depois de uma decisão de expulsão por via dos tribunais. E se mesmo assim, ainda subsistir duvidas quanto à ilegalidade do acto de expulsão administrativa praticado pelo Ministro da defesa e ordem interna, a mesma Lei esclarece a situação num artigo posterior:

Artigo 74.º
Âmbito de aplicação e fundamentos da expulsão administrativa


1 - O regime da expulsão administrativa é aplicável ao cidadão estrangeiro não residente.

Posto isso, jeito de conclusão, posso dizer que o Ministro da defesa e ordem interna, num assombro de autoridade com cunho ditatorial meteu a “pata na poça” e agiu de forma precipitada, desrespeitando todas as leis da república e os direitos fundamentais da pessoa humana e pior, quer persistir no erro, fazendo passar a imagem a uma opinião pública bastante sugestionada e mal informada, de que o Governo é o dono da razão e que a Ordem dos Advogados e os Tribunais são os “maus da fita” e não querem deixar o Governo trabalhar na defesa dos interesses superiores da Nação. Onde é que andam, afinal, os juristas credenciados e competentes que fazem parte desse Governo?! Como poderemos lutar pela tão almejada credibilização da justiça se é o próprio poder executivo que sistematicamente inflige golpes desses à credibilidade do poder judiciário?! E noutro patamar, mesmo que tivesse razão no processo de expulsão administrativa, conceder apenas 2 horas para alguém que tem toda a sua vida estabelecida num país, pegar um avião e deixar tudo para trás, pelos supostos crimes em causa, é de uma desumanidade assustadora. Imaginem só se isso acontecesse com um conterrâneo nosso que luta pela vida, em algum país estrangeiro?! Será que o sentimento seria o mesmo?! Será que não estaríamos a essa hora a gritar quidalè e a condenar o país em questão e os seus cidadãos, acusando-os de xenofobia e quiçá, se fosse um país Europeu, de racismo?! Será que em algum momento alguém pensou que isso poderia causar algumas fracturas nas nossas relações com os Camarões?! Sem falar que no final, se a tal ordem de expulsão tivesse sido cumprida, os tais crimes graves contra a saúde pública que o homem supostamente cometeu e que estão na génese desse imbróglio todo, ficariam sem julgamento e consequente punição. E esta, hein?! Afinal é mais importante punir os supostos criminosos ou correr com eles do nosso país sem os fazer pagar pelos crimes que cometeram, abrindo um precedente grave que convidaria outros estrangeiros a fazerem o mesmo?!

Num país sério, essa trapalhada toda seria motivo suficiente para fazer rolar “a cabeça” de algumas pessoas, em defesa do princípio da legalidade da administração e do princípio da protecção da confiança dos cidadãos (outros princípios fundamentais de um estado de direito democrático), mas como sei perfeitamente que no caso de STP era pedir demais, um simples reconhecimento da parte do Governo de que cometeu um equívoco seria bem-vindo e ajudava a acalmar esse mar de reacções apaixonadas que tem se visto por ai, fundadas em informações falsas e simpatias partidárias, como já é de praxe em São Tomé e Príncipe. Se o homem cometeu um crime, que seja então julgado e punido. Se a pena for superior a dois anos de prisão, que lhe seja decretado também a pena acessória de expulsão. Mas que o processo siga pelas vias judiciarias, respeitando as leis e os direitos dos cidadãos e nunca pela via administrativa, obedecendo apenas a vontade de políticos que advogam a regra do “quero, posso e mando”.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

OS LONGOS TENTACULOS DO "BANHO".

Nota de introdução: “Banho” é o termo popular que em São Tomé e Príncipe designa o fenómeno de compra de consciência, ou compra de votos por parte de agentes dos partidos políticos, que tem sido prática comum e reiterada nos diversos processos eleitorais desde os meados da década de noventa. O “banho” pode ser dado em dinheiro “vivo”, em serviços ou em géneros.


A memória colectiva situa o aparecimento do fenómeno “banho” nas eleições legislativas antecipadas de 1994, ainda em pequena escala e praticado apenas por um partido político, a quem se atribui a paternidade da coisa (não menciono aqui o nome do partido porque apesar de todos saberem da sua existência, o “banho” é algo que ainda não foi cientificamente provado e nem juridicamente punido, logo, posso ser acusado de estar a prestar falso testemunho). Nas eleições presidenciais de 1996 o fenómeno já foi mais visível e acredita-se que teve um peso assinalável no resultado final das mesmas, tendo atingindo o seu “boom” nas eleições legislativas de 1998, quando todos os grandes partidos enveredaram definitivamente por essa prática. De lá para cá, foi sempre a subir e hoje, perto de atingir a maioridade, pode-se afirmar com toda propriedade (mesmo sem as tais provas cientificas) que o “banho” está entranhado no ADN dos processos eleitorais em São Tomé e Príncipe (incluindo as eleições para os órgãos internos dos partidos políticos e votações na Assembleia Nacional) e que, tirando os pequenos partidos políticos que não dispõem de liquidez financeira, todos os outros o praticam, em maior ou em menor escala, com mais ou menos meios, dependendo dos recursos que conseguem “mobilizar” junto dos parceiros estratégicos no estrangeiro (até para as batotices, somos dependentes da “boa fé” da comunidade internacional, pois nenhum partido politico em STP tem outra fonte de financiamento, já que o pagamento de cotas é quase inexistente e a subvenção do estado é o que se sabe).

Quanto à intensidade e qualidade, o “banho” varia consoante as possibilidades e interesses dos partidos e características do eleitorado. Há quem apenas pode apostar no tradicional “banho” de caneca, que muitas vezes nem dá para lavar os cabelos como deve ser; Há quem se dá ao luxo de dar “banho” de chuveiro, com água quente nas noites frias de gravana; Há quem, em momentos de desespero, invista no “banho” de piscina, com espreguiçadeiras a preceito para trabalhar o bronze, e por fim, há os que tomam “banho” de jacuzzi, com direito ao caviar, champagne e umas mãos finas e suaves a esfregarem…as costas. Normalmente, o “banho” de jacuzzi está apenas reservado aos membros do topo da cadeia alimentar, ou seja, aos altos dirigentes dos partidos que aproveitam para se lambuzarem no mel que jorra em abundância nessas alturas, desviando para uso pessoal, recursos (financeiros e não só) destinados aos seus militantes e também, às contratações sonantes (peixe gordo) que são feitas aos partidos adversários ou à sociedade civil. Talvez seja essa a verdadeira razão da propagação dessa chaga social, pois duvido que o “banho” subsistisse tanto tempo e tomasse a proporção que tem, se o único beneficiário fosse o povo pequeno.

Quanto à sua forma e alcance, a evolução do “banho” tem sido espantosa a todos os níveis: Antigamente eram os partidos que tomavam a iniciativa e procuravam os eleitores para os persuadir, e com pequenas quantidades de dinheiro e alguns brindes de campanha fazia-se uma festança e garantia-se a fidelização de um número considerável de eleitores, que por medo, ou por peso na consciência, normalmente acabavam por votar naqueles que lhes soltavam algum “ferro”. Actualmente, são os eleitores que tomaram o gosto à coisa e procuram os políticos, em vez de serem procurados por eles, as vezes até de forma anormalmente organizada, com listas pormenorizadas de supostos seguidores, com projectos fantasmas bem delineados(pessoais ou colectivos) em busca de financiamentos, com falsos atestados de óbito, pedindo apoio para enterrar a familia toda, com supostas informações valiosas sobre os adversários e até, com uma estratégia de acção a ser implementada nas zonas de residência durante o período de campanha, ameaçando “virar” para os outros partidos caso não sejam atendidas às suas “reivindicações”ou, recusando-se a votar sem antes garantir o seu quinhão, que ao sabor da inflação, atinge hoje valores astronómicos para a realidade São-tomense (lembro-me com algum saudosismo, do tempo em que 20.000 dobras e umas quantas cervejas nacionais “cano alto” era considerado um “banho” de chuveiro. Nos dias de hoje, isso nem dá para lavar o pó de gravana dos pés). Ou seja, antigamente eram os partidos que ofereciam, hoje, de certa forma, é o povo que exige, sabendo que é a única forma de “safar” a sua tese e ver realizados alguns projectos sociais nas suas áreas de residência (chafarizes, lavandarias públicas, geradores eléctricos, televisores, equipamentos de som para grupos de Bulauê, parabólicas, casas sociais e.t.c). Além disso, actualmente, o alcance do “banho” já não é tão linear e apenas uma pequena percentagem do eleitorado ainda vota em função das benesses que recebeu de um determinado partido, ou seja, o povo “abriu o olho” e percebeu que o voto é realmente secreto e que pode votar da forma que lhe apetecer e dar-se ao luxo de “comer” o dinheiro de vários candidatos ou partidos, sem dó e nem piedade, camuflado em falsas juras de fidelidade, pratica que é cada vez mais comum no eleitor São-tomense. De certa forma, pode-se concluir que, no que ao "banho" diz respeito, antigamente eram os políticos que enganavam o povo, agora é o povo que os engana.

Quanto à sua extensão temporal, existe o “banho” pré-eleitoral, que acontece nos meses anteriores a qualquer acto eleitoral; O “banho” eleitoral, que acontece durante o período das campanha eleitorais e por fim, o “banho” de boca de urna, que se desenrola na calada da noite, na véspera do dia das eleições e no próprio dia do voto. O “banho” pré-eleitoral normalmente é de âmbito colectivo, consiste no levantamento das necessidades das comunidades e na resolução de alguns problemas urgentes que podem levar algum tempo a se concretizar (chafariz, lavandaria, gerador, pequenas estradas, e.t.c. O que sob certo prisma, até nem é mau de todo) no patrocínio de festas de freguesia e as vezes, na contratação de influentes personalidades para defenderem as cores do partido no período eleitoral. O “banho” eleitoral é mais imediatista, consiste na entrega de materiais de instalação e utilização rápida (Televisores, parabólicas, chapas de zinco, bicicletas, motos, telemóveis), no patrocínio de festas e piqueniques, na oferta de saldos para telemóveis e senhas de combustíveis, na compra de cartões de eleitores supostamente de outros partidos, para subtrair alguns votos aos adversários e na entrega de algum dinheiro em determinadas situações. Por fim, temos o “banho” de boca de urna, que é um regabofe total, em termos de uangamento de dinheiro e consiste na entrega de determinados valores, directamente aos eleitores, na madrugada do dia de reflexão, em pequenas reuniões pré-programadas em quintais privados e no próprio dia das eleições, junto às assembleias de voto. Não é pois de estranhar que nas vésperas das eleições, as pessoas fiquem acordadas até a madrugada, a espera da visita do “pai natal” ou a existência de grupos de pessoas junto das mesas de voto, que exibem orgulhosamente os dedos ainda não machados pela tinta indelével, adiando até a última, a ida às urnas, esperançados em avistar nos arredores, alguém carregando um saco ou mochila, ou mesmo, carros misteriosos que estacionam discretamente nas traseiras dos locais de voto e mandam espalhar a notícia da sua presença. Tudo isso com o beneplácito dos membros da mesa, dos observadores internacionais e dos agentes da lei. Creio que, de todas as formas de “banho”, o de boca de urna é a pratica mais condenável e que é urgente e imperioso encontrar-se forma de a combater. Só para terem uma ideia da barbaridade da coisa, nas eleições do dia 1 de Agosto, ouviu-se falar em valores a rondar as quinhentas mil dobras por pessoa nos distritos de Mézochi e Água Grande, e em Cantagalo, houve quem oferecesse 50 dólares e 3 chapas de zinco a cada eleitor no dia das eleições. Mesmo descontando o tradicional “aumentar” dos São-tomenses, dá para ter uma ideia da proporção que a coisa já tomou.

No final, aparecem os dirigentes de alguns partidos políticos, qual meninos de coro, clamando inocência e lançando acusações hipócritas a determinada força politica, como sendo o único promotor do “banho” em São Tomé e Príncipe, tentando convencer a opinião publica de que não rezam pela mesma cartilha, para depois de garantir a vitoria, assumirem num órgão de comunicação social estrangeiro que afinal, o “banho” é um mal necessário e quem não o praticar, quem for ingénuo para lutar contra isso, acabará por ter mais prejuízos do que ganhos. E esta, hein?!

Felizmente, creio que o mito de combater o “banho” com mais “banho”, a desculpa de utilizar as mesmas armas que o adversário para não partir em desvantagem está a desvanecer e a classe política já começa a perceber que o “banho”, principalmente o “banho” de boca de urna, é cada vez mais ineficaz e que em última analise, tem algum efeito no reforço da convicção dos militantes mais ferrenhos e talvez, serve como “o canto da sereia” para alguns eleitores indecisos na hora da verdade, mas, cada vez tem menos impacto na consciência da maioria do eleitorado, que vai para as urnas já com uma opinião formada, com uma decisão tomada, baseada sobretudo nas suas ilusões, desilusões ou expectativas criadas em volta de um partido ou candidato. Por isso, penso que nem vale a pena nos matarmos a matutar soluções milagrosas para resolver o problema do “banho” em São Tomé e Príncipe, já que esse fenómeno acabará fatalmente por desaparecer a medida que os nossos políticos forem se dando conta que cada vez se “investe” maiores quantias de dinheiro e os resultados correspondem cada vez menos às suas expectativas, já que dependem cada vez mais de outros factores que são normalmente negligenciados. Mesmo os que continuarem a persistir nessa pratica, por causa do tal “banho” de jacuzzi, encontrarão resistência nos seus parceiros internacionais, que não estarão dispostos a manter a torneira infinitamente aberta, a troco de coisa nenhuma. Dois grandes partidos sentiram isso na pele nas eleições passadas, veremos até onde vai a temeridade e teimosia dos outros dois. Se por acaso estiver errado nas minhas conclusões e a coisa continuar, cada vez com maior intensidade, que Deus se compadeça então com a alma da nossa pobre democracia e consequentemente, com o destino da nossa nação.

AH, PORQUE SOU JOVEM E TAL...(PARTE II)

Ponto prévio: No texto anterior, falei da necessidade da renovação e rejuvenescimento da nossa classe política ser feita de forma sustentada e equilibrada, respeitando alguns critérios de selecção que nos garantam à partida, algum acréscimo de qualidade e a esperada evolução positiva do nosso cenário político com a introdução de novos (e mais bem preparados) actores políticos que possam fazer a diferença e romper com os maus costumes do passado. No fundo, explanei o meu ponto de vista sobre a forma que achava mais equilibrada e sustentada para que a ascensão da juventude no cenário político fosse mais profícua, quer para a própria juventude, quer para o País. Agora, irei mais fundo na análise dessa questão e, sob outra perspectiva, tentarei dar maior ênfase às dificuldade e aos entraves que muitas vezes alguns jovens, mesmo sendo competentes, qualificados e já com uma folha de serviço apreciável, encontram para singrar na cena política São-tomense, até porque, no primeiro texto, falei no abstracto e no geral, enquadrado num cenário de normalidade, que como sabemos nem sempre é o que se verifica na sociedade São-tomense.

“Nem sempre conseguimos construir o futuro para a nossa juventude, mas podemos construir a juventude para o futuro” – Franklin Roosevelt, ex-presidente dos E.U.A


Desde os primórdios da humanidade que o conflito inter-geracional é parte integrante e acutilante das sociedades humanas, manifestando-se em todos os sectores e actividades possíveis, variando a sua intensidade e visibilidade na proporção directa dos interesses que estejam em jogo. Nesse eterno conflito, normalmente os mais velhos encaram os jovens como uma ameaça aos seus domínios e utilizam todas as artimanhas para tentar impedir ou no mínimo, retardar ao máximo o alcançar das suas pretensões, o que leva a que muitas vezes a transição não seja feita de forma totalmente pacífica.

Em São Tomé e Príncipe, não é preciso fazer-se uma análise muito profunda à nossa sociedade para percebemos que é na política onde esse choque de gerações se manifesta em todo o seu esplendor, e nos dias de hoje, com mais intensidade do que nunca. Num lado, temos os anciões lá da tribo, serena e confortavelmente instalados na cubata do poder e relutantes em “largar o osso” por iniciativa própria e no outro, temos os jovens aspirantes, cada vez mais “olho aberto”, mais inconformados e impacientes, a exigirem por direito próprio, um lugar ao sol. Num lado, temos a experiencia, a maturidade e a casmurrice a dizerem constantemente que ainda têm muito a dar e que o seu prazo de validade ainda não expirou, reivindicando “o direito inviolável” à oportunidades consecutivas para continuar no poleiro, dizendo à juventude para ter calma, para crescer e aparecer, que a sua hora vai chegar (mas não dizem quando), e no outro lado, temos a irreverência, a impetuosidade e o fervor juvenil, que exige a renovação e clama por oportunidades para provar que já está preparada para dar um contributo frutuoso à causa e que pode fazer melhor do que os mais velhos. No meio de tudo isso, temos os outros membros da tribo, a maioria silenciosa, que ao fim de 35 anos de muitos sonhos e anseios adiados, começam também a manifestar sinais claros de alguma preferência por novos rostos, novas mentes e consequentemente, novas formas de se fazer política. Como sair então desse imbróglio?

Tal como acontece na natureza, nos casos daqueles animais que vivem em comunidade, submetidos à uma liderança bem identificada, sempre que um “mancebo” quiser por em causa a liderança do macho Alfa, tem que desafia-lo para um mano-a-mano em que o vencedor assume (ou reassume) automaticamente o lugar de líder até ao próximo duelo. Nesses casos, a iniciativa do duelo nunca parte do líder, e os aspirantes só avançam quando sentem que estão suficientemente preparados enfrentar o “chefe” com algumas hipóteses de sucesso. Era também assim que as coisas se resolviam entre nós, humanos, há alguns milénios atrás, antes de descobrirmos que podíamos usar melhor a “mona” e consequentemente, criar algumas regras para tornar a nossa vida em comunidade mais civilizada.

Trouxe esse exemplo à baila para, fazendo as naturais adaptações para a nossa realidade política, reforçar o meu ponto de vista sobre a necessidade de ser os “mancebos” a terem uma atitude proactiva nesse “combate” e também focar a necessidade de estarem minimamente preparados para enfrentar o poder instituído com algumas hipóteses de sucesso, caso contrário, perecerão no campo de batalha ou, se por um golpe de sorte, forem bem sucedidos, o seu reinado não será sustentado em alicerces profundos, logo, não terá os efeitos esperados e será efémero.

Não foi por acaso que escolhi uma célebre frase do Roosevelt sobre a juventude para iniciar o meu texto, a verdade é que os nossos dirigentes têm se esquecido de preparar a juventude para o futuro, sobretudo em termos de liderança política, talvez por esquecimento, talvez por desleixo ou talvez por conveniência, de modo a mantê-la impreparada, acomodada e eternamente dependente deles, para não ousarem um dia rebelarem-se e fazer-lhes frente. Felizmente para os jovens, as recentes eleições colocaram definitivamente o assunto da renovação na agenda de todos os partidos políticos São-tomenses e de repente, algo que já devia ser debatido há muito tempo, de forma equilibrada e concertada, de modo a se fazer uma transição gradual onde seria de todo interessante mesclar a experiencia dos mais velhos com alguma imaturidade dos mais jovens, ganha contornos de urgência, e o partido que não for suficientemente esperto para apanhar o comboio, mesmo já em andamento, corre o sério risco de ficar para trás, ou de sofrer uma debandada sem precedentes dos seus militantes mais novos. Esperemos pois, as cenas dos próximos capítulos para sabermos quem realmente escutou o sussurro da maioria silenciosa.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

AH, PORQUE SOU JOVEM E TAL...

“ A juventude é inconformada, irreverente e até incómoda, mas é precisamente isso que se espera dela.” - Francisco Sá Carneiro, ex-primeiro-ministro Português.

Nunca em São Tomé e Príncipe as palavras “juventude” e “renovação” estiveram tanto em voga como nos dias de hoje e tudo graças aos resultados surpreendentes das eleições autárquicas e legislativas que, segundo o senso colectivo, consagraram o ADI, sobretudo por causa da tão propalada renovação dos candidatos que apresentou ao eleitorado e penalizaram os outros partidos, sobretudo, afirma também o senso colectivo, por causa dos ditos “dinossauros”, gastos, cansados, ultrapassados e avessos à renovação das suas estruturas de direcção, que, mais uma vez, contrariando até, as expectativas dos seus militantes, decidiram submeter-se ao veredicto popular. No que me diz respeito, até acho que esse aspecto não foi assim tão relevante no desfecho dessas eleições, já que, por exemplo, da parte do ADI, o partido vencedor, a estrutura dirigente que saiu do ultimo congresso é praticamente a mesma dos últimos anos, com a diferença de ter havido alguma injecção de “sangue novo” na comissão politica e agora, com a provável nomeação de um jovem para a vaga do “adiado” Secretário-geral, já que ganharam as eleições e é conveniente assumir claramente a tal aposta na juventude. Como uma renovação pressupõe a saída de alguns, para a entrada de outros, creio que em última análise não podemos aplicar o adjectivo “renovado” ao ADI, que se limitou a contratar (e o termo “contratar” não é aqui utilizado de forma inocente) algumas jovens promessas da sociedade civil e de outros partidos para, estrategicamente se apresentar ao eleitorado de cara lavada chamando a si a personificação legítima da mudança. Não querendo fazer juízos de valor sobre quem quer que seja, sou obrigado a reconhecer que essa táctica até teve algum impacto, sobretudo junto da população urbana. Fora isso, como sempre, as duas campanhas do ADI foram centradas e centralizadas na figura do seu presidente e não me lembro de ver algum jovem a discursar nos comícios ou a fazer companhia ao Patrice Trovoada nos seus cartazes de propaganda política, com duas ou três honrosas excepções que ele fazia questão de mostrar ao povo nas passeatas, nos tempos de antena e nos comícios, qual “contratações galácticas” do ultimo defeso. Duvido pois, que a maioria da população tenha escolhido o ADI apenas por causa da dita renovação do partido, até porque, como é prática comum em São Tomé e Príncipe, a esmagadora maioria dos candidatos às Câmaras distritais e à Assembleia Nacional apenas são conhecidos pelos iluminados que se dão ao trabalho de consultar a lista publicada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Quais foram então os verdadeiros motivos da vitoria do ADI? Isso são contas do outro rosário, a que me dedicarei numa dessas tardes de ócio. Retornemos então à questão da “renovação” e “juventude”.

Em condições normais, há três vias de um jovem atingir uma posição de destaque dentro de uma instituição, grupo ou mesmo estrutura familiar: Em primeiro lugar, pela conquista própria, em resultado da demonstração de competências e qualidades que marcam a diferença e o levam a uma promoção natural, inquestionável e sustentada dentro do grupo ou instituição; Em segundo lugar, através do beneplácito ou anuência do poder instituído, ou seja, com a devida “autorização” ou sugestão dos mais velhos, em resultado de uma necessidade momentânea, por questões de conveniência/interesse ou até pela imposição de preenchimento de cotas obrigatórias; Por ultimo, através da selecção natural, que “obriga” a substituição dos membros mais antigos por questões de envelhecimento avançado ou falecimento. Posso também considerar uma quarta via, em que os três factores acima elencados são combinados em doses variadas.

Naturalmente que na pratica as coisas não são assim tão lineares e as vezes há pormenores imprevistos e imprevisíveis que fazem alterar a ordem dos factores com influencia no resultado da equação e claro, as tais excepções que confirmam a regra. De qualquer forma, sou daqueles que defendem que apenas pela primeira via se tem alguma garantia de sucesso e afirmação sustentável dos jovens, e consequentemente da instituição que servem, já que, com raríssimas excepções, apenas pela primeira via se consegue dar o verdadeiro valor ao mérito e premiar a competência. No caso especifico do panorama político São-tomense, em que a promoção dos jovens no seio dos partidos políticos pode ter reflexos na governação do País, é pois, recomendável alguma prudência e responsabilidade na concretização do pressuposto da renovação. Porque se podemos nos dar ao luxo de arriscar irresponsavelmente na escolha e promoção de jovens quadros nas nossas empresas ou instituições privadas, com a desculpa do empreendorismo, revitalização ou seja lá o que for, assumindo os riscos inerentes a essa escolha e acatando as consequências negativas, caso as haja, o mesmo não devemos fazer, quando estão em causa os interesses públicos e os destinos de uma nação.

Posto isto, tenho que concordar com o autor da frase de abertura desse texto e dizer que a juventude tem que ser sim, inconformada, irreverente e até incómoda, se necessário, mas também tem que ser responsável, ponderada, convicta e paciente, acrescento eu. Principalmente aquela juventude com queda para a politica, a quem brevemente será entregue (ou conquistarão) as rédeas do destino de São Tomé e Príncipe. Inconformada na busca incessante de oportunidades para provar o seu valor e dar mostras de competências para assumir determinadas responsabilidades, mas responsável, para ter a noção das suas limitações e saber dizer “ainda não” sempre que a missão, apesar de aliciante, se manifestar demasiadamente complexa; Irreverente na forma de produzir novas ideias e novos conceitos, ou mesmo na procura de novas formas de abordar os conceitos e as ideias antigas, mas ponderada, para não cair na tentação de radicalizar as suas acções e excluir á pressa, a experiencia dos mais velhos, onde apesar de tudo, ainda se pode ir beber algumas coisas úteis; Incómoda na forma de se fazer ouvir e de exigir algum espaço para crescer e dar também a sua contribuição à causa, mas paciente, para não queimar as etapas necessárias para uma afirmação plena e sustentada no cenário político; Por ultimo, mas não menos importante, a juventude tem que ser convicta na defesa dos seus ideais, na procura de uma nova forma de pensar a politica e o País e não deixar-se enganar por truta e meia e contribuir assim, para a degradação de valores que hoje se verifica na nossa sociedade, em geral, e na politica, em particular, de forma a podermos todos esperar coisas bonitas e positivas daqueles que um dia já foram apelidados de “homens do amanha”.

Infelizmente, no estado actual das coisas, atendendo a ausência de convicções fortes e de objectivos comuns, e sobretudo, aos ziguezagues e reviravoltas inimagináveis na forma de pensar e de agir de grande parte dos aprendizes de políticos da nossa geração, acredito cada vez menos na possibilidade de sermos nós a mudar o rumo das coisas. Não creio pois, que se possa esperar coisas positivas de jovens que são colocados em lugares de destaque dos partidos, atendendo apenas à sua data de nascimento como critério de selecção, em resposta demagógica a um pedido de renovação vindo do eleitorado. Não creio também que se possa esperar coisas positivas de jovens que, sob o signo de uma ambição desmedida e sede pelo poder, forcem a sua escalada nas estruturas internas dos partidos políticos apenas porque são jovens e formados, negligenciando outros factores importantes, como a inexperiência, a imaturidade política e as vezes, uma incompetência preocupante que se nota à vista desarmada. E por último, não creio naturalmente que também se possa esperar coisas positivas de partidos políticos que se negam a renovar-se e a rejuvenescer-se de forma sustentada e equilibrada, e que apenas escancaram as janelas de oportunidades aos jovens, em caso de necessidade estratégica ou por desaparecimento físico de um dos membros com lugar cativo. Pelo bem de São Tomé e Príncipe, espero que o tempo, quiçá os contratempos, me mostrem que afinal estou errado e que ando aqui a debitar reflexões estúpidas, sem fundamentos nenhuns. Era bonito, não era?!

domingo, 20 de junho de 2010

CAMPANHA ELEITORAL OU GUERRA CIVIL?!

Há algumas semanas atrás, o Comandante da Policia Nacional de STP, afirmou, aquando da entrega de novas armas ao comando nacional, que a polícia encontrava-se agora melhor preparada para enfrentar de forma implacável o período conturbado das eleições que se avizinham. Esta semana, foi o Comandante do exército a fazer declaração semelhante, pedindo uma maior neutralidade dos “tropas” no processo eleitoral e redobrada atenção, para o caso de serem chamados a intervir. Juntando à isso, o “clima” pesado de rivalidades exacerbadas que já se sente no ar em vários pontos do País e as declarações incendiarias de alguns dirigentes políticos, que vêm por em causa a legalidade e a justeza do processo eleitoral, antes mesmo dele acontecer, lançando o mais lenha para a fogueira, duas questões pertinentes ganham relevo: Será que conseguimos desvirtuar de tal forma o real papel das campanhas eleitorais no nosso processo democrático, ao ponto de ser necessário colocar a polícia nacional e o exército em alerta máximo?! Afinal, estamos a nos preparar para uma campanha eleitoral ou para uma guerra civil?!

É claro que gostaria de acreditar que os comandantes das forças militares e de segurança pública estão a exagerar nas precauções ou que andam um pouco desenquadrados da nossa realidade, assim como todos os outros, que a nível público ou privado têm manifestado essa mesma preocupação, mas, a realidade, a sempre dura realidade, começa a mostrar-nos que o Pachire e o Vicente podem afinal, ter grande razão.

Infelizmente, já há algum tempo que é prática comum em São Tomé e Príncipe confundir-se “adversários políticos” com “ inimigos de morte” e numa sociedade tão pequena e politizada como a nossa, a falta de discernimento na compreensão desses dois conceitos tão diferentes, tem contribuído de forma decisiva para a deteorização da nossa jovem democracia e para o extremar das relações entre os membros da nossa classe política, o que fatalmente condiciona o comportamento dos militantes e simpatizantes dos vários partidos políticos, com consequências graves, a nível social e não só. Esse clima de frequente tensão nas alturas das eleições é o expoente máximo desse paradigma.

Infelizmente, os São-tomenses ainda não compreenderam que em democracia, as pessoas têm a liberdade para escolher e apoiar os candidatos e os partidos que bem entenderem, pelos motivos que bem lhes apetecer. Em democracia, assim como na vida, é natural as pessoas alimentarem convicções e ideais diferentes e é muito normal, as pessoas defenderem teses e projectos diferentes, ou até, defenderem de forma diferente, as mesmas ideias e os mesmos projectos, sem que para isso, tenhamos que ser inimigos de morte, sem que para isso, tenhamos que ser incivilizados e violentos na afirmação do nosso ponto de vista, porque em última análise, pelo menos em teoria, há um objectivo comum que devia nos unir nesse mar de diferenças pseudo-ideológicas.

Infelizmente, os São-tomenses ainda não se deram conta que a politica, além de ser um “mal” necessário, pode em certa medida, ser uma coisa bonita e proveitosa, onde até a demagogia e o populismo, em doses comedidas, constituem-se como ingredientes acutilantes do próprio processo; Onde o diálogo e a tolerância devem ser as ferramentas mais importantes para se construir consensos e desbravar as diferenças, e onde a violência, o jogo sujo e a selvajaria não podem em hipóteses algumas, ser promovidas, ou sequer, toleradas.

Infelizmente, os São-tomenses ainda não perceberam que, num País com as particularidades do nosso, onde todos somos conhecidos, amigos ou familiares de todos, onde grande parte do eleitorado tem a hipótese de estar frente-a-frente com os candidatos dos seus distritos, em reuniões e manifestações políticas, na época da campanha eleitoral e expor os seus anseios, falar dos seus problemas, ou até, passar-lhes reprimendas e gritar “quidalé”, a nossa democracia podia e devia ter contornos menos problemáticos e mais profícuos, o que por si só, tornaria a nossa politica mais bonita e estimulante.

Infelizmente, os São-tomenses ainda não se aperceberam que as eleições não são uma questão de vida ou morte e que as vitorias e derrotas, e a própria alternância do poder, são traços estruturantes de uma democracia saudável. Não há pois, que tentar vencer a qualquer preço, ludibriando batoteiramente os adversários e viciando as regras do jogo. Não há pois, que promover desentendimentos inúteis e rivalidades extremas entre “irmãos”, abrindo feridas profundas que demoram a sarar, nos casos em que saram.

O que ganham, afinal, os nossos políticos quando no alto dos seus palanques, limitam-se a apelidar todos os seus adversários de ladrões e corruptos, de forma leviana, quase sempre sem provas concretas, atiçando e inflamando o ódio popular contra a própria classe?! O que ganham os nossos políticos quando patrocinam os habituais panfletos anónimos que são largados na calada da noite, quase sempre com informações falsas, caluniando de forma irresponsável os seus adversários e manchando de forma indelével a sua reputação?! O que ganham, afinal, os nossos partidos políticos quando induzem ou mandam os seus militantes rasgarem cartazes de propaganda dos seus adversários?! O que ganham os nossos partidos quando instruem os seus militantes a invadirem e acabarem com reuniões dos seus adversários nas suas zonas de residência?! Ou até quando lhes pedem para nem sequer admitirem que os adversários “entrem” nas suas “zonas”para fazer campanha, chegando mesmo ao ponto de correrem com eles à pedrada?! - Esquecem-se que há pessoas maldosas que se aproveitam dessas situações para acordarem ódios antigos ou resolverem de forma menos ortodoxa, desentendimentos mal explicados no passado, criando uma espiral de violência que depois, sob o signo da retaliação, acaba por gerar mais violência ainda. Por fim, o que ganham os nossos políticos ao lançarem constantemente suspeitas de fraude sobre os nossos escrutínios eleitorais, demonstrando um desrespeito arrogante pela vontade soberana do povo e descredibilizando um processo, no qual, eles próprios são parte activa?!

Felizmente, tal como na nossa bisca 61, baralhamos e voltamos a dar as cartas, sempre que descobrimos que o jogo está “remado”, acredito que ainda vamos a tempo de dar a volta por cima e fazer desaparecer o espectro da “eminente convulsão social” sempre presente na s alturas da campanhas eleitorais em São Tomé e Príncipe. Precisamos apenas que haja vontade política, coragem para assumir a ruptura definitiva com o passado, sem estar a espera que os outros o façam primeiro e bons exemplos que venham de cima, porque como dizia o outro:”Dar o exemplo não é a melhor forma de influenciar os outros, é a única!”. Porque em ultima analise, independentemente da difícil situação económica e social do País e dos problemas gravíssimos que ainda temos para serem resolvidos, esse tipo de tensão popular na altura das eleições, esse ódio visceral dos eleitores contra os políticos e partidos que não são da sua escolha, são causados e incentivados pelos próprios políticos, que se aproveitam de qualquer situação de insatisfação popular para em primeira instancia, tirar dividendos políticos, “queimar” os adversários e só depois, em raras situações, dar um contributo positivo para a resolução desses problemas.

Custa assim tanto encontrarmos uma nova forma, mais positiva e frutuosa de pensar a nossa politica e o nosso País?! Custa assim tanto enterrarmos o machado de guerra e aprendermos a aceitar e respeitar as opções de cada um, dentro da diferença e diversidade politica que hoje caracteriza a nossa sociedade?! Custa assim tanto debatermos e divergirmos nas nossas ideias e convicções, sem criar rancores e inimizades?!

E aos políticos em particular, custa assim tanto aproveitar o período de campanha eleitoral para apresentar projectos, debater ideias e apontar um rumo ao País, em vez de se perderem nos ataques pessoais e conversas de beira de estrada, desprovidas de qualquer substância útil?!

Custa assim tanto instruir os militantes para que abandonem o habitual espírito tendencialmente belicista e encarem esse processo com serenidade, calma, tolerância e o necessário respeito pelos adversários?!

Custa assim tanto, transformar esse período de campanha eleitoral num “leguelá” colectivo, animado e colorido, aproveitando até a possibilidade de se comer, beber, dançar e assistir a concertos de graça?!

Custa assim tanto, em caso de derrota, aceitar “à primeira” os resultados das eleições e felicitar os vencedores, como aconselham os bons costumes democráticos e não estar constantemente a incendiar as hostes dos militantes com acusações de fraude e batota?!

Talvez até custe ou talvez a coisa já nem tenha remédio… E eu aqui armado em optimista. Que ingenuidade a minha!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

AFINAL, O MUNDIAL É MESMO EM ÁFRICA!

Depois de 18 edições, 80 anos de existência e depois de se ter realizado 10 vezes na Europa, 4 vezes na América do sul, 3 vezes na América do norte e 1 vez na Ásia, o segundo maior evento desportivo do mundo acontece esse ano em África. Depois de séculos de sofrimento e privações, de décadas de luta árdua pela conquista de direitos básicos que outros povos têm como garantidos há muito tempo, uma das maiores conquistas dos tempos modernos e um dos sonhos colectivos mais entusiasmantes dos africanos, desde a conquista das independências dos nossos países, começou a materializar-se no passado dia 11: O campeonato do mundo de futebol chegou finalmente à África, à nossa África. Apesar de ser a África do sul o país a ter o privilégio e o mérito de sediar o mundial de futebol, creio não estar a exagerar ao afirmar que, pela primeira vez na história, um continente inteiro sente e vive o mundial como seu. Este é pois, o mundial de todos nós, africanos!

Os outros membros da FIFA, os não africanos, quiçá imbuídos ainda num espírito neo-colonialista, desde sempre torceram o nariz a essa conquista. Os jornalistas ocidentais, quais profetas da desgraça, criticaram logo a decisão da FIFA e traçaram os piores cenários de insucesso, exaltando sempre os atrasos nas obras, as convulsões sociais, as dificuldades de segurança e tudo mais que podiam agarrar para tentar convencer o mundo que tinha sido um erro atribuir-se à um pais africano a responsabilidade de organizar tamanho evento. Disseram aos seus conterrâneos para não viajarem para a África do sul; alertaram-nos de forma doentia para os inúmeros perigos que estariam a sua espera; criaram gabinetes de crise para emitirem documentos em tempo recorde, prevendo que seriam todos assaltados assim que pisassem o solo sul-africano e em alguns casos, destacaram os seus próprios seguranças para proteger os seus cidadãos e atletas, já que não depositam confiança mínima nas forças policiais lá do gueto. Ainda hoje, já com o campeonato a decorrer, cada assalto que acontece, cada falha logística que se verifica, cada doente de com sida que morre, cada sem-abrigo que se encontra, cada desempregado que se descobre é logo noticia de abertura de telejornal e manchete de jornal, para mostrarem ao resto do mundo que afinal tinham razão, que os selvagens, analfabetos, corruptos e polígamos africanos não podiam nunca ter o direito de realizar um evento de escala planetária, como se esses fossem problemas exclusivos da África do sul, como se não houvesse também desemprego na Europa, como se não houvesse também crime nas Américas ou como se não se morresse também de fome e de sida na Ásia. Seria bonito se assim não fosse, mas infelizmente, essas chagas sociais são, também elas, de escala planetária.

Afinal, por obra e graça de Deus, os estádios ficaram prontos, os aeroportos, os hotéis, as estradas, a segurança e toda a logística acessória também está a funcionar dentro dos parâmetros razoáveis e o primeiro mundial em solo africano está a acontecer. Tem havido algumas falhas de organização?! Sim! Tem acontecido algumas situações complicadas a nível de segurança?! Sim! Mas se até hoje ninguém conseguiu organizar um mundial perfeito, por que carga de água se exige isso da África do sul?!

A cerimónia de abertura foi bonita, majestosa e imponente, digna de um mundial de futebol e das melhores cerimónias de abertura que pude assistir até hoje (a melhor, para mim, foi a dos jogos olímpicos de Pequim em 2008) e não pude deixar de emocionar-me quando o Jacob Zuma declarou oficialmente o inicio do mundial, de mãos dadas com o Joseph Blatter, esse irresponsável e teimoso presidente de FIFA, que a par do próprio presidente da África do sul e do Mandela, foi um dos grandes obreiros dessa conquista que enche de orgulho todos os africanos. Disseram que o homem era louco por acreditar na competência e dedicação dos africanos; disseram que a decisão de levar o mundial à África escondia uma agenda política secreta, quiçá uma rede de corrupção e jogos de interesse e até definiram vários países suplentes que estariam de prontidão para receber o mundial em ultima hora, já que era garantido o fracasso dos africanos, mas no fim, e como sempre acontece, o sonho comandou a vida e o nosso mundial africano é hoje uma realidade.

Que continue a correr tudo dentro da normalidade e que as selecções africanas, empolgadas pelo som estridente das vuvuzelas, consigam superar-se e surpreender o mundo desportivo, apoiadas nas estatísticas favoráveis, que mostram que apenas por uma vez, o mundial não foi ganho por uma selecção do mesmo continente do País organizador. Teremos nós, direito à essa cereja no topo do bolo?! Quem viver, verá!

segunda-feira, 15 de março de 2010

“PRÍNCIPE” – CRÓNICA DE UM BARCO COM O “CORPO SUJO”

Depois de 34 anos de independência e mais de uma dezena de governos; Depois de milhões e milhões de dólares de ajuda externa e de créditos mal empregues; Depois de muitos anos de luta acesa e desesperada; Depois de varias tragédias e um numero elevado de vitimas inocentes; Depois ensaiadas algumas soluções improvisadas e mal sucedidas, a população de São Tomé e Príncipe teve finalmente direito a um barquinho novinho em folha para fazer a ligação entre as duas parcelas do território nacional. Com o nome “Príncipe”, decidiram baptiza-lo.

Rezam as crónicas que foi construído de raiz, atendendo às particularidades e necessidades do povo de São Tomé e Príncipe e equipado com o que de melhor há no mercado em termos de equipamentos de navegação, conforto dos utentes e qualidade dos motores. Um autentico Ferrari dos mares, em comparação aos “Elizabetes”, “Pagués” e “Thereses” a que estávamos habituados. Como tal, decidiu-se (e bem) que os futuros “motoristas” dessa autentica “bomba” fossem fazer uma formação intensiva (e caríssima) em Barcelona, que lhes concederia o grau académico de “ Doutorados em Príncipe”.

A primeira viagem do “Príncipe”, de Barcelona à São Tomé correu de forma excepcional e rápida, segundo relatos dos próprios tripulantes, que exacerbaram também todo o seu contentamento pela performance do barco, na travessia do mediterrâneo e de quase meio oceano Atlântico. Tudo corria às mil maravilhas: Barco novo, bonito e eficiente, tripulação bem preparada (?) e até as peças sobressalentes lembrou-se de comprar atempadamente. A população de São Tomé e sobretudo, a do Príncipe exultou de alegria quando o barco deu entrada pela primeira vez na baia de Ana Chaves. Era a materialização de um sonho antigo e totalmente legítimo.

Chegado à São Tomé, começaram a surgir os problemas por todos conhecidos, que têm ensombrado por completo essa grande conquista do governo de Rafael Branco:

A nível do processo de compra do barco, estão por esclarecer as suspeitas de sobre facturação por parte do ministro da tutela, que justificou a diferença de quase 600 mil dólares no valor do barco com a compra das peças sobressalente (30 mil dólares) e com a estadia e formação dos 5 tripulantes, que ao que parece, estavam, hospedados no hotel “Ritz” de Barcelona, onde uma diária não fica menos de 400 euros e faziam as suas refeições no “El Bulli”, um dos mais caros restaurantes do mundo. Ainda a esse nível, ficou por esmiuçar, a questão dos dois iates que vieram “à reboque” do “Príncipe”, alegadamente pertencentes ao ministro e ao comandante. Foram ofertados, ouviu-se dizer! Por que carga de água alguém oferece tamanhos brindes aos representantes de um estado que apenas serviram de intermediários circunstanciais num negócio?! De repente veio-me à cabeça aquela lei nos EUA que define que os representantes do estado apenas podem aceitar ofertas que não ultrapassem o valor de 150 dólares. Porque será?!

A nível administrativo, o imbróglio na definição dos preços das passagens e do modelo de gestão do barco foram parcialmente ultrapassados com algum bom senso, prevalecendo a ideia de que o barco faz mais falta à população do Príncipe do que a de São Tomé, logo, aquela teria quer ser “ajudada” numa espécie de discriminação positiva. Nada tenho a dizer contra essa medida. Falta resolver a questão da tutela do barco: Continua na ENAPORT? Passa para o governo regional do Príncipe ou se vai pela via da privatização? Seja qual for a resolução, espero eu impere o bom senso e que sejam salvaguardados os superiores interesses da população.

A nível do funcionamento técnico, a curta vida do “Príncipe” não podia ser mais atribulada. Dizem que as suas qualidades e funcionalidades afinal não se adequam às necessidades de São Tomé e Príncipe, constatou-se que o tempo de ligação entre as ilhas é na realidade quase o dobro do que estava projectado e para culminar, sofreu uma “avaria” logo na primeira viagem comercial, seguindo-se de outros problemas técnicos que o obrigaram a subir ao estaleiro ao fim de 1 mês e meio de laboração. O comandante e o director da ENAPORT disseram que os problemas técnicos eram derivados de erros de construção, o primeiro-ministro, apôs falar com os responsáveis da empresa construtora, disse que as avarias identificadas eram consequências de erro humano e caíram-lhe todos em cima. Eu e mais alguns leigos em matéria de navios, achamos estranho que o “príncipe” tenha sido capaz de percorrer mais de 9000 kms na sua grande viagem de Barcelona à São Tomé sem sobreaquecer os motores e conseguido atingir a velocidade projectada (25 nós), e não conseguisse fazer o mesmo nos meros 150 km de mar que ligam São Tomé ao Príncipe. Será que o nosso mar é assim tão complicado? Será que foi uma questão de puro azar? Será que foi sabotagem, como muitos já sugeriram? Ou os nossos “doutores-tripulantes” sentiram a falta dos seus professores espanhóis que os haviam assessorado na viagem de Barcelona?

Como o barco ainda estava coberto pela garantia, chamou-se os técnicos espanhóis para resolverem o problema e simultaneamente, contratou-se um perito independente para averiguar as causas da avaria. Parece que, tanto os técnicos da empresa construtora, como o perito chegaram a conclusão de que a avaria foi provocada por erro humano no manuseamento do “Ferrari”, que supostamente teria sofrido um acidente que não foi relatado às autoridades. Afinal, o primeiro-ministro tinha razão.

Resolvidos os problemas técnicos, o “Príncipe” voltou outra vez ao mar, mas por lá não ficou muito tempo. Na semana passada fomos surpreendidos com a notícia do encalhamento do barco ao largo da baia de Ana Chaves apôs uma noite de temporal. Estava um marinheiro de plantão, mas não conseguiu controlar a embarcação e nem rentabilizar os 2000 cavalos de potência dos motores para impedir que o barco andasse a deriva e fosse beijar as areias brancas da praia Brasil. Qual será a desculpa desta vez? Erros de fabrico? Incompetência? Negligencia? Sabotagem? Ou simples “corpo sujo”?

Espero que se decifre o mais rápido possível as causas de tantos contratempos e que se tenha pulso firme nas acções que forem necessárias tomar para dar volta a situação, para depois não virmos chorar sobre o leite derramado se algo de mais grave acontecer.

Se realmente o barco tiver defeitos de fabrico, troquem-no e peçam as respectivas indemnizações!

Se foi por incompetência da tripulação, troquem-na também ou contratem um supervisor qualificado para fazer um acompanhamento mais próximo até que os homens ganhem “calo”!

Se foi por negligência, responsabilizem os culpados que andam a brincar com tamanho investimento.

Se foi sabotagem, identifiquem os delinquentes, os mandantes e punam-nos exemplarmente.

Se por outro lado, concluírem que se trata de uma questão de puro “corpo sujo”, em virtude do barco ter sido comprado num dia aziago ou do mau-olhado da oposição, mandem vuzar o barco com um “pumbú” de três dias e tocar um “djambí” no convés para afastar os maus espíritos.

quarta-feira, 10 de março de 2010

MORREU ALDA DO ESPIRITO SANTO

Junto a minha humilde voz ao coro de vozes que manifestam a sua desolação por esta perda irreparável para a nossa nação e aproveito para hipotecar junto a família enlutada os mais sentidos votos de pesar. São Tomé e Príncipe ficou mais pobre desde ontem, acreditem!

Tive o privilégio de conhecer pessoalmente a Dona Alda nos finais da década de oitenta, quando fazia parte de um grupo de estudantes da Trindade, que sob o incentivo de um professor (confesso que já não me lembro se foi o professor “Chandinho” ou o professor Bernardo), teve a pretensão de aventurar-se no mundo da poesia (pensávamos na altura que tal façanha estava ao alcance de qualquer comum mortal), na tentativa de fazer surgir novos valores nas letras de São Tomé e Príncipe. Reunimo-nos duas ou três vezes com ela para apresentar os nossos escritos e pedir orientações e posso dizer sem qualquer demagogia que foi ela que definitivamente plantou em mim o gosto pela leitura e escrita. Deu-nos um conselho valioso (“…para escreverem bem, têm que ler, ler muito”) e dois livros para cada um: Um de prosa e outro de poesia. A mim calhou o “Sagrada esperança” do seu amigo Agostinho Neto e o “Terra morta” de Castro Soromenho. Foram os primeiros livros “a sério” que li na minha vida e ainda os conservo no meu antigo quarto, na roça do meu avô, nos arredores da Trindade, tinha 12 ou 13 anos na altura.

Pensei em varias formas de lhe prestar uma singela homenagem, mas nada me parece mais apropriado do que faze-lo na linguagem que ela melhor entendia: A linguagem da poesia.

- Dona Alda, embora não tenha o génio e o talento que lhe eram reconhecidos, arrisquei esses versos para si. Que Deus a tenha no seu eterno descanso!


MAMÃ GRANDE

Shiu! Não façam barulho, mamã grande está a dormir…
E quando ela dorme, o silêncio tem que reinar
E quando ela dorme, ninguém pode chorar ou rir
Porque se ela deixar de dormir, será incapaz de sonhar

Shiu! Não façam barulho, mamã grande está a sonhar…
E quando ela sonha, suas memórias consegue rever
E quando ela sonha, a inspiração sai a ganhar
Porque se ela deixar de sonhar, será incapaz de escrever

Shiu! Não façam barulho, mamã grande está a escrever…
E quando ela escreve, mentalidades consegue mudar
E quando ela escreve, dá um sentido ao nosso viver
Porque se ela deixar de escrever, será incapaz de lutar

Shiu! Não façam barulho, não agora…
Mesmo que mamã grande já não sonhe
Mesmo que mamã grande já não escreva
Mesmo que mamã grande já não lute
Porque nem a morte a fará morrer em nós

sábado, 2 de janeiro de 2010

CONVERSAS SOLTAS XIV - Ainda sobre a eleição do PR para o cargo de PR do MDFM.‏

* Dois São-tomenses, minimamente inteligentes e cultos, um deles até com conhecimentos básicos de Direito, comentavam assim os últimos acontecimentos políticos no País:

São-tomense 1 – Ouviste ontem a mensagem de fim do ano dos presidentes?

São-tomense 2 – Dos presidentes?! Como assim?!

1 – Então?! Do presidente da Republica e do presidente do MDFM.

2 – Ah pois é, já me esquecia que agora são dois em um. Grande embrulhada!

1 – Podes crer! Como já há muito que não vivíamos um clima de instabilidade e crise política, bateu uma nostalgia no Fradique e lá resolveu voltar aos bons velhos tempos.

2 – …E isso era tudo o que não precisávamos, há três meses de terminar uma legislatura que apesar de tudo, não foi tão complicada como se previa. Mas afinal, o homem pode, ou não pode ser duplo presidente?

1 – Epá sócio, sabes que eu já nem sei quem tem razão?! O Fradique acha que sim, o MLSTP, o PCD e uns gajos de uma organização lá de Portugal chamada yahoo group acham que não. A RDPÁfrica foi ouvir a opinião de dois grandes constitucionalistas Portugueses e um acha que sim e o outro diz que não. Agora só temos que esperar que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé digam qualquer coisa. Em princípio, eles é que têm a ultima palavra sobre esse assunto.

2 – Volto a dizer: Grande embrulhada! Mas aqui no País não há nenhum constitucionalista ou coisa parecida? Será que isso não era motivo para os jornalistas promoverem um debate público sobre o tema? Incomoda-me que num assunto tão sério como esse, as duas únicas opiniões de carácter técnico sejam de dois estrangeiros. Onde é que anda a malta do Direito de São Tomé?! Era bastante interessante saber o ponto de vista deles. Será que se isso acontecesse em Portugal ou noutro lado qualquer, as pessoas iriam se dar ao trabalho de ouvir a opinião dos especialistas São-tomenses?!

1 – Estavas a espera de quê? Os homens é que fizeram a nossa constituição, pá! E digo mais, não me espantaria nada mesmo se os Juízes do STJ fossem consultar um deles antes de decidirem na tal acção que o MLSTP pretende interpor em Tribunal.

2 – Enfim…É o nosso destino de tudo-dependentes! Mas qual desses gajos é mais forte? Quem fala mais alto?

1 – Epá, pelo que sei, são os dois doutorados e professores catedráticos, mas acho que o Jorge Miranda, o que defende a tese do Fradique, tem mais nome que o Bacelar Gouveia.

2 – Aié? Então já está no papo, o Fradique vai limpar essa boca sem problema. As pessoas são sempre influenciadas pelos homens mais fortes.

1 – Até podes ter razão, mas vamos ter que esperar para ver.

2 – Mas diz-me uma coisa: Como é que dois gajos doutorados e catedráticos podem ter opiniões contrárias sobre a mesma lei? Isso é um bocado estranho.

1 – Meu caro, nunca ouviste falar na diferença que há entre a letra da lei e o espírito da lei?

2 – Espírito da lei?! Isso é para os gajos que têm olho leve ou quê? Isso não terá mais a ver com simpatias e interesses?

1 – Nada disso, pá! No Direito, as vezes, mais importante do que está escrito na lei, é a forma como essa lei é interpretada. Por isso é que os dois têm opiniões diferentes. Eles estão a interpretar a lei de maneiras diferentes. O Bacelar Gouveia vai pelo que está escrito na lei e diz que a função de presidente da Republica é incompatível com qualquer outra função, seja pública ou privada, o Jorge Miranda, interpreta de outra forma e diz que a função de presidente de um partido político, é um cargo essencialmente político e por isso, não entra no âmbito público nem no privado.

2 – Espera ai… Então, pela lógica desse Jorge Miranda, se o que é politico não entra no domínio publico e nem no privado, em economia, por exemplo, quando se fala em sector público e sector privado, propriedade pública e propriedade privada, tem que se falar também em sector político e propriedade política?! Mesmo em relação ao Direito, sempre tive a noção que se dividia em Direito publico e Direito privado, não fazia ideia que existia uma secção autónoma de Direito Politico. Então e os cargos de primeiro-ministro, de ministro e de deputado, não são cargos políticos e públicos inerentes à existência de partidos políticos? Por que carga de água é que o cargo de presidente de um partido político não entra no domínio público e nem no privado?

1 – Não faço a mais pálida ideia. Mas se o homem afirma isso publicamente, deve ter lá os seus argumentos privados.

2 – Epá, não me lixem! Não percebo nada de Direito, mas acho que o cargo de presidente de um partido político tem que ser enquadrado no âmbito público ou privado, não se pode criar uma terceira via. Senão posso também criar uma quarta via e dizer que as palaiês e os pescadores exercem funções essencialmente piscatórias, logo, o Fradique se quisesse, podia tomar o lugar da Pochí, como líder das palaiés ou do sun Pêma, como chefe dos pescadores da praia Gamboa. Ou então, como o cargo de comandante da polícia é uma função essencialmente policial, podia-se criar também uma quinta via e ele podia assumir o lugar do Vicente. E já agora, porque não, assumir o cargo do Afonso Henriques como presidente da câmara do comércio, já que se trata de um cargo essencialmente comercial/empresarial e ele até tem experiencia nessa área? Quem cria cinco vias, mais uma não fazia diferença. Levando isso ao extremo, temos que admitir então a possibilidade de passar a existir até casas de banho políticas, além das públicas e privadas. Se calhar vou sugerir ao presidente da Assembleia que mande colocar umas placas nas casas de banho do palácio dos congressos com a inscrição: Toilette política.

1 – Até podes ter razão, mas a questão de fundo é que, independentemente de tudo, das questões jurídicas e constitucionais, num regime semi-presidencialista como o nosso, em que o presidente é considerado o árbitro do sistema, o fiel da balança, ele nunca se devia envolver nas questões político-partidárias, até por imperativo ético e moral e a bem do regular funcionamento das instituições. E nessa área, temos o exemplo do próprio presidente de Portugal, que antes mesmo de ser eleito, cancelou a sua inscrição como militante do PSD e apresentou-se como candidato independente de qualquer cor partidária. Não se pode falar em estabilidade e paz institucional, em coabitação e bom relacionamento entre o Órgão presidente da Republica e o Órgão Governo, quando o jogo a partida está viciado, já que uma das partes é simultaneamente jogador e arbitro. E o resultado dessa promiscuidade está a vista: A primeira decisão de fundo que o homem tomou foi romper com a coligação de governo e mandar recolher os seus ministros às boxes, em clara represália ao facto do MLSTP ter manifestado a intenção de levar o caso ao tribunal. Não se importando com as consequências que isso terá para o País. Tomemos como exemplo, a situação do ministro Raul Cravid que estava na linha da frente nas conversações com os trabalhadores grevistas da ENASA e que agora vão ter que ficar suspensas.

2 – Não creio que essa coisa de romper a coligação foi só um acto de represália. Cá para mim, isso foi já uma jogada política para o MDFM desmarcar-se de qualquer coisa que tenha corrido mal a esse Governo. O homem já está de olho nas eleições legislativas. Aliás, todas as decisões que o Fradique tomar, tudo o que ele disser daqui para frente será com o objectivo de defender a sua posição e tentar amealhar o maior número de votos para o MDFM nas próximas eleições. Digam o que disserem, vai ser impossível separar o presidente da Republica do presidente do MDFM e cabeça de lista às eleições legislativas de Abril ou Maio!

1 – Epá, de qualquer forma o mal já está feito. Só nos resta esperar que os juízes do Supremo digam de sua justiça.

2 – Vamos lá ver se os homens também têm olho leve ou não. Só espero que a decisão deles seja respeitada, seja ela qual for!

1 – Vai ser uma decisão com efeitos devastadores, para um lado ou para outro. Não gostaria de estar na pele deles.

2 – Olha, eu é que não me importava nada de estar no lugar deles. Com tantos interesses em jogo, pode rolar muito ferro.

E dito isso, deram por terminada a troca de ideias.