quarta-feira, 10 de agosto de 2011

PRESIDENCIAIS 2011 - RELATÓRIO & CONTAS ( PARTE II)

(CONTINUAÇÃO)

2 – Sobre outros aspectos importantes:
Patrice Trovoada – O primeiro ministro de STP, nas vestes de presidente do ADI foi um dos maiores protagonistas dessa campanha eleitoral. A demora do ADI em apresentar um candidato presidencial das suas fileiras, leva-me a tirar duas conclusões: Em primeiro lugar, confirmou a tese de que o próprio Patrice estava bastante tentado a avançar como candidato, mas encontrou alguma resistência junto dos seus colaboradores mais próximos que lhe chamaram à razão, visto que estaria a assinar a sua sentença de morte política, caso avançasse. Em segundo, revelou a escassez de nomes de “peso” nas fileiras do ADI. Tirando o próprio Patrice e depois da debandada dos dissidentes que formaram a UDD, sobra um conjunto de jovens promessas que ainda não se afirmaram no panorama politico nacional. Só lhe restou a alternativa de apelar mais uma vez ao “mais velho” Evaristo, que confessara numa entrevista à TVS meses atrás, que só continua na política activa porque o partido precisa dele, em razão do tal défice de figuras de “peso”. Patrice apostou o seu prestígio pessoal nessa candidatura e envolveu-se de forma desesperada nessa empreitada, passando a imagem de que estaria muito mais coisas em jogo do que uma simples disputa eleitoral. Foi figura de destaque nos comícios do seu candidato, lançou ataques pessoais aos seus opositores directos, ameaçou o povo com a bandeira da instabilidade caso o seu candidato não ganhasse, abriu os cordões à bolsa de forma escandalosa e perdeu. Agora tem que conviver com um presidente a quem chamou preguiçoso, vingativo, cínico e outras coisas mais.

Fradique de Menezes – O presidente cessante. Já vai tarde e não deixará saudades. Foi claramente um erro de casting que os Trovoada (pai e filho) patrocinaram e o povo assinou por baixo. De temperamento impulsivo e sem noção nenhuma do sentido de estado, teve dois mandatos complicados a nível do relacionamento com os outros órgãos de soberania. Demitiu sucessivos governos, criou o seu partido político, fez-se eleger presidente do seu partido, desrespeitou por inúmeras vezes a constituição, criou várias crises políticas sem motivos sustentáveis, quis forçar a mudança do sistema de governo sem o aval do parlamento, sofreu um golpe de estado, participou no esquema de compra de deputados e no último ano, lançou a ideia de criar colónias de são-tomenses no estrangeiro. Palavras para quê? Olha-se para a sua folha de serviço nesses dez anos como presidente da república e não se vislumbra uma obra, uma iniciativa ou ideia que tenha contribuído para o bem-estar dos são-tomenses. Mau demais para ser verdade.

Campanha eleitoral – E mais uma vez o país parou. Desta vez, por dois meses. A começar pelo primeiro-ministro, passando pelos ministros, secretário de estado, deputados, directores, chefes de departamento e funcionários públicos no geral, quase todos andaram metidos na campanha, uns a tempo inteiro, outros em part time. Os trabalhadores do sector privado tiveram que meter férias ou licença sem vencimento, de qualquer forma, esse tipo de absentismo em massa, trás sempre consequências para a produtividade das empresas. Há situações em que as pessoas até abandonam voluntariamente os empregos, porque em caso de vitória, têm já tachos garantidos. É sempre assim em STP, na época da campanha eleitoral. Toda a gente quer safar a “sua tese”, de uma forma ou de outra.

Estabilidade – Foi a palavra mais ouvida nessas eleições. Começou por significar o resumo do manifesto eleitoral do candidato do governo, repetida até à exaustão nos cartazes, nos comícios, nas entrevistas e nos tempos de antena, ao ponto do povo começar a achar que estabilidade era ter o presidente e o governo da mesma cor política, de forma que o governo pudesse fazer um mandato completo. Depois foi adoptada por grande parte dos outros candidatos e aí o povo ficou baralhado. O que significa afinal a estabilidade? E qual o papel do parlamento na garantia dessa mesma estabilidade, num cenário de governo minoritário? Ninguém se deu ao trabalho de esclarecer o povo.

“O banho” – Continua firme e hirto e faz já parte do Adn dos nossos processos eleitorais. É a alegria da malta, o chiquilá dos pobres, parafraseando uma das candidatas presidenciais. Actualmente, ninguém em STP consegue sequer conceber a ideia de uma campanha eleitoral sem o “banho”. Nenhum partido ou candidato pode ter a veleidade de querer ganhar eleições em STP sem dar “banho”. É essa a nossa realidade e ao que parece já começamos a exportá-la para outras paragens. De eleição para eleição a coisa vai piorando (ou melhorando na perspectiva de muita gente) e chegamos ao ponto das pessoas recusarem-se a votar ou a aceitar os brindes de campanha se não se lhes “molhar a mão”. Nessas eleições falou-se em “banho de água mato” e a prova é que nas vésperas do dia 17 de Julho, as dobras esgotaram-se nos cofres bancos comerciais. Dá que pensar, não dá?

Lei eleitoral – A nossa lei eleitoral data de Novembro de 1990, altura da abertura democrática. Até hoje nunca foi revista ou actualizada e em alguns aspectos considero-a já obsoleta. Nessas eleições ficou mais do que expressa a necessidade de uma revisão urgente dessa lei de forma a adapta-la à nossa realidade político – económica e corrigir certos aspectos formais que na prática têm se revelado inadequados. Dou-vos dois exemplos: É hoje caricato, exigir-se apenas 250 assinaturas para a apresentação de uma candidatura presidencial e dado que os boletins de voto são feitos no estrangeiro, há uma necessidade imperiosa de se alargar os prazos para apresentação e apreciação das candidaturas pelo Tribunal Constitucional, de forma a se evitar que os boletins sejam impressos antes da deliberação final do Tribunal e aparecerem depois, candidatos excluídos a constarem nos boletins de voto.

Tribunal Constitucional – Esteve debaixo de fogo do Ministério Público e da Ordem dos Advogados por causa do processo de readmissão da candidatura de Delfim Neves. O Ministério Público deu um parecer negativo à pretensão do candidato anteriormente excluído, um dos Juízes é cunhado do interveniente directo no processo e teve a lata de não se declarar impedido, o outro, alegou como justificação do seu voto, motivos éticos e morais, dado que o candidato já havia gasto milhares de euros na preparação da sua campanha. E a lei, como é que fica nessa historia toda? A pergunta ficou no ar…

Debates – Mais uma vez, não tivemos a oportunidade de ver os candidatos num “mano – a – mano” televisivo ou radiofónico. Na primeira volta, em razão do número elevado de candidatos, essa lacuna foi compreensível. Na segunda volta, fiquei sem entender a razão de não se ter promovido nenhum debate entre os dois candidatos. Compreendo que nenhum deles tenha desafiado o outro, já que os dois têm sérias dificuldades de comunicação e ambos teriam muito a perder nesse debate, mas não entendo o porquê de nenhum órgão de comunicação social ter lançado um repto público (se calhar até sei os motivos, mas apetece-me fazer figura de parvo). Aí está uma coisa que devia ter força de lei, para o bem da nossa democracia. Espera aí! Quem faz as leis são os políticos e à maioria deles não convém nada mesmo que sejam obrigados a debater ideias e projectos (e não só) a torto e a direito na altura das campanhas eleitorais. Santa ingenuidade, a minha.

Represálias – 21 anos depois da instauração do regime democrático em STP, as pessoas ainda não interiorizaram os conceitos básicos que moldam esta realidade. A prática do contraditório, o debate saudável de ideias e opiniões e a liberdade de opção política ainda são exercidos de forma camuflada e contida por muita boa gente com receio das represálias a nível profissional, principalmente nos funcionários do estado.

Dinheiro – Se eu vos disser que nessa campanha eleitoral, a nível dos gastos gerais dos 10 candidatos, foram movimentados mais de 15 milhões de dólares, ficariam chocados, não é? E se eu vos disser que apenas uma candidatura conseguiu mobilizar quase 50% desse valor, ficariam escandalizados, não é? Então é melhor não dizer nada. Aviões que aterram na calada da noite, em manobras arriscadas numa pista sem iluminação e que trazem malas e caixas de sei lá o quê. Pessoas com malas suspeitas que desembarcam em STP e passam pela ala VIP do aeroporto sem serem revistadas ou controladas. Transferências milionárias que são feitas através dos milhares de bancos comerciais que agora proliferam na nossa praça, sem controlo ou justificação da proveniência do dinheiro e.t.c, e.t.c. Tudo isso acontece num país que vive de mãos estendidas e onde falta tudo. Num país em que nada é feito, com a desculpa de que não se consegue mobilizar fundos para o OGE. Num país em que a própria realização de eleições depende da boa vontade dos parceiros internacionais. Dá que pensar, não dá?

terça-feira, 9 de agosto de 2011

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS - RELATORIO & CONTAS ( PARTE I)

Terminado mais um processo eleitoral, chegou a hora de fazer um balanço final.

1 – Sobre os candidatos:

Manuel Pinto da Costa – A terceira foi de vez. Depois de ter sido derrotado em duas eleições passadas, (re) apareceu com a aura de salvador da pátria, carregando a bandeira de candidato independente e suprapartidário. De “pai grande” o apelidaram. Conseguiu reunir a sua volta grande parte dos seus camaradas do super dividido MLSTP, pessoas de todos os partidos e quadrantes da sociedade e, mais importante, garantiu o apoio financeiro do seu amigo José Eduardo dos Santos. O povo, cansado de ver as suas expectativas de mudança goradas e ávido de uma liderança firme que restituísse a autoridade de estado, a disciplina e a ordem que havia antigamente, não tendo identificado um outro candidato com o perfil de “cara mamão”, decidiu conceder-lhe uma oportunidade para tentar redimir-se dos erros do passado, negligenciando por completo o facto de estarmos agora num regime democrático onde o presidente tem os poderes bastante limitados. O tempo dirá se o próprio Pinto da Costa também está interessado em limpar a imagem de velho ditador. Da minha parte, tem para já, o benefício da dúvida e a esperança de que possa mais uma vez, ser o presidente de transição que ajude a projectar STP para um novo patamar, a nível da necessária consolidação democrática. Foi claramente o grande vencedor.

Evaristo Carvalho – Candidato surpresa do ADI. Apareceu tardiamente, depois de nenhum dos candidatos da família da mudança ter conseguido convencer Patrice Trovoada a apoia-lo e do próprio Patrice ter sido “obrigado” a desistir da ideia de avançar ele mesmo. Homem simples, pacato e com fama de conciliador. Não teve problemas em assumir que essa nunca tinha sido a sua ambição pessoal e talvez por isso, revelou-se um candidato apagado demais, que não conseguiu empolgar nem as bases do ADI. Mesmo assim, com a estrutura partidária e a máquina do estado ao seu serviço, apoiado de forma desesperada pelo presidente do seu partido que decidiu tomar as rédeas da coisa e fazer dessas eleições quase uma questão de vida ou morte, relegando-o para segundo plano e, dispondo de recursos financeiros nunca antes vistos, conseguiu um resultado surpreendente a todos os níveis. O ADI e o Patrice saíram a perder, mas o Evaristo não. Aliás, o Evaristo pouco ou nada tinha a perder.

Delfim Neves – Candidato de recurso do PCD, que não conseguiu encostar-se a nenhum outro grande partido e não quis arriscar o apoio á Filinto Costa Alegre. Quando formalizou a sua candidatura era também cidadão português. Foi por isso afastado da corrida há poucos dias do inicio da campanha eleitoral. Num volte face digno de figurar nos anais da história das decisões patéticas da justiça do nosso país, conseguiu adquirir o bilhete de reentrada na corrida eleitoral, depois de uma semana em Lisboa, onde de forma pouco clara, conseguiu o comprovativo da perda da nacionalidade portuguesa… apenas no dia 4 de Julho. Regressou ao país em apoteose, chegando mesmo a fazer alusão á intervenção divina que preconizava assim, a sua vitoria nas eleições, contra tudo e todos que o quiseram afastar por medo da derrota eminente. Delfim Neves é um animal de campanha e conhece o “terreno” como poucos políticos em STP, por isso, mesmo com uma semana de atraso, com o apoio da estrutura do PCD e demonstrando uma insuspeita pujança financeira, alcançou surpreendentemente o terceiro lugar nas eleições. É claramente a figura maior no actual PCD, mas fico na dúvida se não terá desbaratado grande parte do seu capital político ao apoiar o Pinto da Costa na segunda volta, coisa totalmente contra natura, para os militantes de base do PCD. O tempo dirá. Ainda não consegui perceber por que carga de água é conhecido (e tratado) em STP como “Obama”. Cada coisa que desce…

Maria das Neves – Seria a candidata natural do MLSTP se Aurélio Martins não tivesse lhe passado a perna. Mulher aguerrida, lutadora, mas que abusa do populismo e do capital político que acumulou por ter sido a primeira mulher a chefiar um governo em STP. Dizem que teve o apoio financeiro de alguns amigos de Luanda, da OMA e de Dilma Rouseff. Fez uma campanha vazia de conteúdo, folclórica até, agarrada a esperança de o povo pudesse a eleger apenas pelo facto de ser mulher. As contas saíram-lhe furadas, mas conseguiu um resultado interessante, cuja cereja no topo do bolo será a presidência do MLSTP, que em princípio, contará com a “bênção” de Pinto da Costa, no congresso extraordinário que já está a ser cozinhado. Sob certo prisma, também foi uma das vencedoras dessas eleições.

Elsa Pinto – Outra candidata que tinha esperança em triunfar numa sociedade ainda bastante machista. Mais inteligente e mais bem preparada do que a sua camarada de partido, foi traída pela ambição desmedida e pela pressa de querer marcar um encontro com a historia. Foi a candidata que mais falou nos tempos de antena e das que mais se destacou nas entrevistas que a TVS fez aos candidatos. Ainda não tem o carisma e aceitação que Maria das Neves goza junto dos militantes e dos barões do MLSTP e só por isso é que não avançará com uma candidatura à presidência do seu partido. Bem aconselhada e sabendo fazer uma leitura acertada dos “timings” políticos, pode ir longe.

Filinto Costa Alegre – Para mim, o candidato com melhor perfil nessas eleições. Um nacionalista que nunca virou as costas ao seu país nas horas das grandes batalhas colectivas. Apresentou um projecto alternativo e liderou aquela que foi reconhecidamente a campanha mais organizada dessas eleições. Talvez por algum défice de notoriedade, talvez por não ter tido os mesmos recursos que os outros ou talvez por ter se equivocado na analise que fez ao contexto politico actual, a sua candidatura não passou, mas no final, manteve a coerência e honestidade intelectual, decidindo não apoiar nenhum dos candidatos que passaram a segunda volta, que representavam precisamente o oposto daquilo que defendia. Acredito que a sua luta pela libertação económica de STP não tenha ficado por aqui.

Aurélio Martins – Recebeu a presidência do MLSTP quase de mão beijada e tinha tudo para ser feliz, se soubesse ser paciente e também não fosse traído pela ambição desmedida. A sua tarefa nem era assim tão difícil. Só tinha que tentar unir o seu partido e cumprir a palavra dada, abstendo-se de concorrer às eleições presidenciais, garantindo o apoio do MLSTP á Maria das Neves, que facilmente derrotaria as pretensões que a Elsa Pinto alimentava em ser a candidata oficial do MLSTP. Não o fez e apostou alto demais. Não só ficou atrás de todos os candidatos da família do MLSTP, como conduziu o partido aos piores resultados de sempre numas eleições em STP. Num país “normal”, seria ele próprio a tomar a decisão de demitir-se ou no mínimo, a convocar um congresso extraordinário para aferir o nível da sua (im) popularidade junto das bases do partido. Pelo contrário, garantiu que tem condições para continuar na liderança, mas no fundo, já deve estar a sentir que o seu “reinado” no MLSTP tem os dias contados. Por tudo isso, fica com o prémio de maior derrotado dessas eleições.

Helder Barros, Jorge Coelho e Manuel Deus Lima – Sem sequer garantirem as condições logísticas e financeiras mínimas, decidiram avançar como candidatos presidenciais. Não acrescentaram rigorosamente nada a esse processo eleitoral e prova disso foi o facto de os três juntos não terem conseguido sequer 1000 votos. Tinham o direito de apresentarem as suas candidaturas? Claro, sem dúvidas. Mas ficou mais uma vez expressa a necessidade imperiosa de se apertar os critérios de aceitação dos candidatos, a fim de se evitar os aventureiros de ocasião, ávidos de protagonismo temporário que só tornam mais complexo e cansativo o processo (Boletins de voto mais extensos, períodos de tempos de antena mais longos, impossibilidade de se promover debates e.t.c). Vamos ser sérios. Embora a lei assim o permita, há requisitos mínimos para se avançar com uma candidatura presidencial, pelo menos, com uma candidatura que pretenda ser credível. De qualquer forma, conseguiram acrescentar mais umas linhas nos seus C.V´s pessoais.

Liberato Moniz, Francisco Rita e Gilberto Gil Umbelina – Também poderiam ser enquadrados no leque dos aventureiros. Por negligência ou não, “esqueceram-se” de renunciar as respectivas nacionalidades estrangeiras antes de formalizarem as suas candidaturas, tal como Delfim Neves. Tendo inclusive prestado falsas declarações, ao Tribunal Constitucional. Por essa razão, viram as suas candidaturas excluídas do processo eleitoral. Dos três, apenas Liberato Moniz tentou virar o jogo a seu favor, mas não tem o “peso” e o jogo de cintura de Delfim Neves. O engraçado é que mesmo sem serem candidatos presidenciais de facto, viram os seus rostos impressos nos boletins de voto. Uma falha na nossa lei eleitoral de que falarei adiante. De qualquer forma, ficaram assim com uma bonita recordação.

Continua...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

"EU VOU VOTAR DE GRAÇA?"

No passado dia 17 de Julho, na primeira volta das eleições presidenciais, era esta a pergunta que ecoava na boca da esmagadora maioria dos eleitores são-tomenses. Nos luchans, nas roças, nas ruas das cidades e vilas de STP e, pasme-se, nos círculos eleitorais da diáspora. Os eleitores elevavam assim à parede do escândalo, um fenómeno que carinhosamente convencionamos apelidar de “banho”. O “banho” que lava de forma efémera a miséria do povo e ainda define os resultados eleitorais em STP. O “banho” que corrompe os nossos princípios éticos e que transformou a nossa democracia numa grande mentira. O “banho” que outrora se caracterizava pela COMPRA de consciência dos eleitores e que hoje evoluiu para a VENDA desalmada da dignidade de um povo.

Nas eleições legislativas de 2010, foi perceptível a vitória do voto de protesto sobre o “banho”, porque o povo, cansado do constante adiar da realização dos seus anseios, decidiu em larga maioria, conceder uma oportunidade ao único grande partido da nossa praça que ainda não havia chefiado um governo (embora seja ponto assente que esse mesmo partido também se tenha esmerado na boca de urna). Os analistas de ocasião precipitaram-se a declarar a morte do “banho” como factor preponderante no resultado de umas eleições e vaticinaram o regresso à normalidade democrática em poucos anos, porque aparentemente, seria insustentável os partidos políticos manterem aquele nível exorbitante de gastos, sem garantias de vitoria. A verdade é que nem um ano se passou para que pudéssemos constatar que afinal, as eleições de 2010 foram a excepção que confirma a regra e que o “banho” contínua de boa saúde e recomenda-se.

O povo são-tomense percebeu que na época das eleições, por alguns dias, ele passa a ser o centro das atenções e os políticos estão dispostos a tudo fazer para angariar o maior número de votos possíveis, por isso, fazem de tudo para tirar o máximo proveito dessa situação de vantagem temporária, já que é a única altura que estão em condições de reclamar uma parte do bolo financeiro que é disponibilizado pelos parceiros internacionais e amenizar por breves momentos, a situação de miséria a que foram votados por esses mesmos políticos. Hoje em dia, nas campanhas eleitorais em STP, quase ninguém está preocupado com os projectos e programas dos partidos, apenas uma minoria liga ao perfil ou ao passado dos candidatos e à quase nenhum eleitor, faz diferença que não haja debates sobre as ideias e as propostas que os candidatos e partidos apresentam ou mesmo que não apresentem nenhumas, porque simplesmente deixaram de acreditar que o país tenha solução e é-lhes indiferente as implicações que os seus votos terão no nosso futuro colectivo, assim, o ginbolo (dinheiro) tornou-se definitivamente a medida de todas as coisas e o critério supremo para definição do sentido do voto, ou melhor, para a definição da própria vontade de votar ou não.

Hoje em dia, as eleições em STP transformaram-se num gigantesco banquete financeiro em que cada um, dirigentes partidários, candidatos e eleitores vendem a alma ao diabo para conseguir garantir o seu quinhão. O eleitor são-tomense profissionalizou-se e transformou-se num verdadeiro perito na arte de extorsão, utilizando artimanhas requintadas para conseguir arrancar o máximo de dinheiro do maior número de candidatos ou partidos, porque se aperceberam que assim que acaba as eleições, as hipóteses de sequer, contactar com os eleitos, desaparece de imediato. Agora, chegamos ao cúmulo de ver pessoas a recusarem exercer o seu dever cívico se ninguém lhes “molhar a mão”, porque encaram esse pressuposto como uma obrigação de todos aqueles que precisam (desesperadamente) do seu voto. Agora, nas campanhas eleitorais em STP, cobra-se para tudo e mais alguma coisa e o eleitor transformou-se em figurante de luxo que exige ser pago a peso de ouro para participar nessa festa popular.

Hoje em dia, ninguém ousa convocar os eleitores para uma reunião de esclarecimento nas zonas de residência ou mesmo atender a um pedido para um reunião, sem “fazer um gesto” no final para agradecer aos presentes (cujo número chega a duplicar nos últimos minutos da reunião) a paciência que tiveram para ouvir as suas propostas. A não concretização “desse gesto”, pode significar a renuncia imediata da mensagem e do candidato, na melhor das hipóteses, ou, insultos e até agressões físicas, na pior das hipóteses.

Ninguém se atreve a fazer uma passeata sem garantir combustível, lanche e “subsídio de participação” a toda gente, inclusive aos motoqueiros e os populares que se juntam à festa, no meio do caminho, sem sequer serem ”convidados” e que depois vão aparecendo na sede de candidatura nos dias seguintes a reclamar o seu pagamento, com ameaças de distúrbios e, nessas alturas, pelos sítios onde passam, só se ouve dizer: “gente quer dinheiro só, gente quer dinheiro só” ou “se não trás dinheiro, nem vale a pena entrar aqui”.

Ninguém arrisca fazer um comício ou qualquer outro tipo de grande evento público, sem antes garantir um subsídio aos participantes e transporte aos que residem nos locais mais distantes, mesmo que se tenha como cabeça de cartaz, cantores de renome, nacionais e estrangeiros, para animar a festa, sob pena da mesma ficar condenada ao fracasso.

Nenhum activista ou dirigente ousa fazer acções de campanha porta a porta, sem ter o ginbolo para deixar aos residentes em forma de lembrança por ter lhes incomodado em suas casas com o “falar von von” de campanha. E em muitos casos, chega-se ao cúmulo de se renunciar brindes de campanha, se esses não se fizerem acompanhar de umas notas de dobra.

Mensagem?! Projectos?! Ideias?! Debates saudáveis?! O povo quer é dinheiro e o resto é tanga. Mas mesmo assim, cumprindo todos esses requisitos, no dia de votação, as pessoas recusam-se a exercer o seu direito cívico se não receberem o chamado “banho” de boca de urna, o derradeiro estímulo para votarem, ou a derradeira hipótese que têm para safar mais uns tostões aos desesperados políticos de ocasião. “Eu vou votar de graça?”, perguntam aos incrédulos "benfeitores", que se vêm forçados a soltar mais umas notas, sob pena de serem castigados na urna por tamanha falta de consideração ou ultrapassados pelos adversários mais abonados.

“Eu vou votar de graça?” É esse o grito de revolta de um povo que foi mal habituado e que agora se revela insaciável no banquete das eleições em STP; é esse o derradeiro acto dos figurantes da vergonhosa peça de teatro em que se transformou os nossos processos eleitorais; “Eu vou votar de graça?” é pois, a expressão máxima da crise de valores e de princípios que hoje graça indiscriminadamente na sociedade são-tomense, de alto a baixo, é a cereja no topo do bolo da indiferença e da descrença com que os são-tomenses olham hoje para o seu futuro colectivo. É, para os pessimistas, a pergunta que simboliza a morte anunciada do estado de direito democrático que sonhamos um dia construir no nosso São Tomé e Príncipe.

Está provado que o dinheiro é a condição necessária para as pessoas saírem de casa para votar. No próximo domingo teremos uma ideia do impacto que esse dinheiro (ainda) tem na definição dos resultados eleitorais em STP. Quem viver, verá.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

CONVERSAS SOLTAS XV - PINTO vs EVARISTO (Parte I)

Dois cidadãos eleitores, politicamente esclarecidos, trocavam assim duas ideias sobre a 2ª volta das eleições presidenciais em STP:

Eleitor 1 – Como é sócio, já sabes em quem vais votar nessa 2ª volta?
Eleitor 2 – Claro! O meu voto é sempre do Pinto e o teu?
E1 – Epá, eu vou votar no Patrice.
E2 – Patrice ou Evaristo? Que eu saiba, o candidato é o Evaristo, embora as vezes pareça o contrario.
E1 – É tudo a mesma coisa, pá. Eles defendem as mesmas ideias e querem o mesmo para o país. Só que o Patrice é mais novo, tem mais força, mais jeito para falar e fazer política, por isso é que ele aparece mais que o Evaristo. Ele não pode deixar o mais velho cair.
E2 – Ahm, então é essa a explicação…Ainda bem que reconheces que o Evaristo tem estado apagado e que o Patrice é que tem aparecido mais e comandado as coisas. Acho que isso é apenas uma amostra do que será as relações entre o presidente e o Governo caso o Evaristo ganhe. Como muita gente suspeita, iríamos ter um presidente pau mandado.
E1 – Também não é bem assim. O Evaristo é um homem discreto, de consenso, que não gosta de provocar roturas, mas isso não quer dizer que seja fraco ou pau mandado.
E2 – Aié? Então que nome se dá a um homem que reconheceu publicamente que não entrou nesta corrida por vontade própria? Um homem que chegou mesmo a dizer numa entrevista à TVS que para ele, depois dos 65 anos os políticos deviam abandonar a politica activa e dedicar-se a outras actividades? E mais, disse que nem queria ser presidente da Assembleia Nacional e que foi forçado a aceitar porque era o número dois do seu partido. O Evaristo tem 70 anos e que eu saiba, ser presidente da república é estar na política activa, ou não?
E1 – Epá, as pessoas podem mudar de ideias. O homem agora pensa de forma diferente depois de responder ao apelo patriótico do seu partido. Depois, o Pinto até é mais velho que ele e também é candidato.
E2 – Sim, o Pinto é mais velho, mas não foi o Pinto que estabeleceu o limite de 65 anos para a reforma politica e acho que ser candidato à um cargo tão importante como a presidência da republica, acima de tudo, tem que ser um acto de vontade e o Evaristo disse claramente que nunca sentiu essa vontade. Essa é a grande diferença entre eles.
E1 – Nesse aspecto tens razão. O Pinto tem até vontade de mais.
E2 – Não é vontade de mais, é perseverança. O homem acredita que ainda tem muito a dar ao país e por isso pede ao povo uma oportunidade para corrigir a má imagem que deixou no passado e contribuir para a união dos santomenses e o progresso de STP.
E1 – Pois é, só é pena que ele não tenha encontrado outras formas de contribuição nos 20 anos que ficou em casa a descansar, a espera de uma oportunidade para voltar ao poleiro. Não te incomoda o facto do homem achar-se um predestinado e só dar o ar da sua graça no período das eleições presidenciais?
E2 – Não vamos estar a falar sempre do passado, pá. O que me incomoda é a grave crise de liderança que o país enfrenta. Nós precisamos de um líder, de uma figura com carisma e peso institucional e com sentido de estado para credibilizar o cargo de presidente da república, fazer as pessoas voltarem a acreditar nos políticos e ajudar a meter isso nos eixos.
E1 – E esse líder é o Pinto?! O país precisa é de estabilidade para que o desenvolvimento chegue e não de um ditador armado agora em democrata.
E2 – Vocês só sabem falar nessa tal de estabilidade… O projecto de sociedade do Evaristo resume-se a uma palavra: Estabilidade. Ao menos sabes o que é isso?
E1 – Claro. Estabilidade é ter o presidente e o primeiro-ministro do mesmo partido. Assim ninguém empata ninguém e o presidente deixa o governo trabalhar em paz. È disso que o país precisa para avançar.
E2 – Isso para mim tem outro nome…Então por essa lógica, nem valia a pena haver eleições. Nomeava-se o Evaristo presidente e poupávamos uns tantos milhões, já que achas que essa estabilidade apenas tem a ver com a cor política dos candidatos presidenciais e do Governo.
E1 – Eu não disse isso. Mas hás de convir comigo que no contexto actual, é o Evaristo que melhor pode garantir a estabilidade governativa no país.
E2 – Pela lógica do ADI, sim. A eleição do Evaristo significa transformar o país num bar aberto para os desmandos do Patrice, sem um contra poder para fiscalizar as acções do governo.
E1 - Isso não é verdade. Teremos sempre o parlamento para fiscalizar o Governo. Não te esqueças que o ADI não tem maioria parlamentar.
E2 – Ahahah…Fazes-me rir…Achas que em caso de vitoria do Evaristo, o Patrice teria dificuldades em comprar um ou dois deputados para cimentar o seu poder absoluto? É também por isso que vou votar no Pinto, para impedir que o país regresse a ditadura.
E1 – És engraçado. Vais votar num ex ditador para que o país não volte a ditadura…Com o Pinto é que isso será garantido. O homem não esta habituado a governar em democracia, a ser contrariado e a ter um papel secundário na condução dos destinos do país. Ele vai ter dificuldades em aceitar os actuais poderes limitados do presidente e vai logo criar complicações para o governo cair e fazer regressar o MLSTP ao poder.
E2 – Em primeiro lugar, o Pinto é um candidato independente que já não tem nada a ver com o MLSTP. Em segundo lugar, depois do vosso chefe Patrice ter andado a fazer aqueles ataques pessoais ao Pinto, acredito que fica difícil haver uma boa convivência entre o presidente e o governo… Por outro lado, o Pinto tem reagido bem, de forma pedagógica e a maneira como ele lidar com isso, em caso de vitória, vai nos mostrar o sentido da sua presidência. Acredito que o seu sentido de estado vai falar mais alto.

(continua)

terça-feira, 14 de junho de 2011

O PRESIDENTE QUE MERECEMOS

É comum ouvirmos dizer que cada povo tem os dirigentes que merece e, no nosso caso, acreditamos tão cegamente na premissa que somos um povo “má raça”, burro, bandido, invejoso e preguiçoso que desde que nos tornamos independentes fomos interiorizando e aceitando a triste sina de que, por causa desse handicap, nos está vetado o simples desejo de ter melhores e mais capazes dirigentes, porque não os merecemos. Essa espécie de desígnio nacional prevaleceu nos primeiros quinze anos da nossa independência, onde pouco ou nada fizemos para contrariar o tipo de liderança que nos foi imposta e, com o advento da democracia, mesmo ganhando o direito de escolher livremente os nossos líderes, continuamos a promover a mediocridade e a incompetência, salvo raras excepções, fazendo sistematicamente escolhas erradas e pior, conformando-nos com essas escolhas erradas, porque há muito tempo que nos acomodamos à ideia de que não merecemos coisa melhor, logo, acreditamos que estamos fatalmente condenados a ter que escolher o menos mau, entre os maus.

É sobretudo por esse pressuposto que verificamos hoje a existência de um número sem precedentes de candidatos ao cargo de presidente da república. Por termos colocado a fasquia em tão baixo nível, por termos sido tão desleixados nos critérios de selecção dos nossos líderes, qualquer um acha que reúne os requisitos necessários para exercer o cargo do mais alto magistrado da nação. Sei perfeitamente que a nossa constituição estabelece como condição básica, a idade superior a 35 anos e a cidadania são-tomense de origem, mas todos estamos conscientes que em termos práticos, esse é um critério formal que visa garantir que apenas os “verdadeiros”filhos da terra estejam habilitados a exercer o cargo de presidente da república, mas para atingir tal patamar, é necessário muito mais do que isso. Ou pelo menos, devia ser necessário muito mais do que isso, se nós, enquanto povo, tivéssemos contrariado desde o inicio a ideia de que apenas merecemos dirigentes e líderes “fracos” e estabelecido parâmetros de exigência mais elevados para que poucos se sentissem qualificados para abraçar tão nobre causa. Se é verdade que hoje em dia, qualquer um, com um bocado de sorte, jogo de cintura e muito dinheiro pode ser presidente de São Tomé e Príncipe, é mais verdade ainda que na conjuntura actual, precisamos urgentemente de um BOM presidente, ou melhor, merecemos no mínimo, um BOM presidente e, não tenhamos dúvidas, dos candidatos e pré candidatos conhecidos, a esmagadora maioria não está à altura desse desafio.

Em condições normais, apenas dois ou três são-tomenses em cada geração podem alimentar a esperança de serem eleitos presidentes da república. Esse facto, só por si, reflecte a importância, exclusividade e a responsabilidade do cargo, por isso, de uma vez por todas, nós, enquanto povo que conquistou a liberdade de escolher os seus líderes, a bem do nosso futuro colectivo, temos que começar a mentalizar-nos que somos muito melhores do que aquilo que muitos querem fazer transparecer e, assumindo como verdadeira a premissa de que cada povo tem os governantes que merece, temos que exigir mais qualidade e maior competência de todos aqueles que têm a pretensão de liderar os destinos da nossa pátria. Para começar, temos que exigir a actualização da lei eleitoral e a implementação de critérios mais apertados para que as eleições presidenciais (e as outras também) não se transformem numa feira de vaidades, onde a maior parte dos candidatos decide concorrer apenas para se auto-promover, dar o seu “show” e safar algum “ferro” dos mais fortes, na campanha eleitoral, em troca de apoio camuflado. Não sejamos também, hipócritas: Para um país com apenas 170.000 habitantes é inadmissível a proliferação de candidatos que se verifica na actual corrida ao palácio cor-de-rosa (não me venham falar em prova de maturidade democrática ou coisas do desse género). Assim como é admissível permitirmos que pessoas sem escrúpulos se aproveitem da facilidade de se tornarem candidatos presidenciais para pedir dinheiro aos chamados “doadores internacionais” e empresários estrangeiros, oferecendo contrapartidas mirabolantes que ceifam logo a esperança de um futuro melhor para todos os são-tomenses, caso sejam eleitos. É inadmissível permitirmos que pessoas com problemas pendentes na justiça, com provas dadas de incompetência e má fé na gestão da coisa pública possam aspirar o cargo de presidente da república e, de uma vez por todas, não podemos continuar a permitir que pessoas que mal conhecem a constituição que vão jurar defender, que carregam o espectro da corrupção, que servem interesses obscuros e que encaram a presidência da república como o meio ideal para engordar as suas contas bancárias, através de negociatas opacas e usurpação de bens públicos, possam sequer, sonhar em ser candidatos presidenciais. Porque, volto a frisar, o primeiro passo para termos o presidente que merecemos, é começar a estabelecer critérios de selecção sérios (formais e não formais) que permitam a emergência dos bons candidatos e façam com que os maus candidatos passem a ser a excepção e não a regra, caso contrário, jamais nos libertaremos das amarras da mediocridade e incompetência que se instalaram confortavelmente pelas bandas do palácio cor-de-rosa.

É claro que em última analise, o povo será sempre soberano nas suas escolhas, mas custa alguma coisa sermos mais exigentes? Custa alguma coisa assumir que merecemos mais e melhor? Podemos começar já a mudar de paradigma no próximo dia 17, mostrando um cartão vermelho à todos aqueles que apenas se lembram do povo nas alturas das eleições, aos que nunca moveram uma palha para defender os mais necessitados, aos que demonstram uma ambição desmedida e uma ânsia desenfreada pelo poder, aos que apenas entraram nessa corrida para vender depois o seu apoio na segunda volta, aos que, tendo ocupado vários cargos de responsabilidade, apresentam uma folha de serviços oca, aos que sempre se abstiveram de exercer os deveres basicos de cidadania, aos oportunistas, aos incompetentes, aos preguiçosos, aos levianos, aos parasitas, aos delinquentes e aos populistas, cujas candidaturas, vazias de convicções, ideias e de projectos, chegam a ser um insulto à nossa inteligência colectiva. Não podemos estar a apostar sempre nos mesmos jogadores, nos mesmos treinadores e na mesma táctica e esperar que o resultado do jogo mude. Está na hora de termos um presidente credível, sério, competente, trabalhador, dedicado, com sentido de estado, com provas dadas de elevado patriotismo, que não esteja comprometido com nenhum partido político, que seja uma referência para todos nós e que ponha São Tomé e Príncipe e os são-tomenses sempre em PRIMEIRO LUGAR, para finalmente podermos construir juntos, UM PAÍS PARA TODOS. Não acham que já o merecemos?

segunda-feira, 9 de maio de 2011

CONVOCATÓRIA PARA MUDAR SÃO TOMÉ E PRINCIPE

“ Seja a mudança que você quer ver no mundo” – Gandhi

Começou há cerca de duas semanas o recenseamento eleitoral de raiz nas comunidades são-tomenses da diáspora, onde as contas oficiosas apontam para a existência de cerca de 60 mil “filhos da terra”, espalhados por Portugal (25.000), Angola (20.000), Gabão (12.000) e Guiné Equatorial (3.000). Há quem garanta que esse número peca por defeito, mas mesmo sem dados estatísticos concretos, creio que não estarei muito longe da verdade se disser que entre 30% a 35 % da nossa população encontra-se actualmente a residir fora do território nacional (imaginem o que seria de STP se todo esse capital humano fosse aproveitado em todas as suas valências). No caso de Portugal, soube pelo presidente da ACOSP (Associação da comunidade de são-tomenses em Portugal) que estavam inscritos no SEF (Serviços de emigração e fronteiras) até 2009, cerca de 17 mil cidadãos são-tomenses com situação de residência regularizada. Se juntarmos à esse numero, os que se encontram em situação ilegal, as centenas de estudantes de cursos profissionais que têm chegado nos últimos tempos e todos aqueles que têm a dupla nacionalidade, creio que não é de todo ilusório falar-se na existência de uma comunidade de 25.000 são-tomenses em terras lusas.

Infelizmente, por variadíssimas razões, o recenseamento eleitoral em Portugal (acredito que nas outras paragens também) não está a corresponder às expectativas da EMBSTP/P e das várias associações e personalidades que se têm engajado de forma incisiva na luta árdua de fazer espelhar no número de eleitores, a dimensão da nossa comunidade aqui residente. Ao tradicional comodismo, desinteresse, descontentamento, indiferença e descrença dos são-tomenses na classe política e no resultado efectivo dos processos eleitorais, junta-se a desorganização e o atraso na planificação dos trabalhos por parte das entidades responsáveis, a descoordenação entre o CEN, EMBSTP/P e as associações da comunidade, a lentidão, impreparação e aparente desmotivação dos agentes recenseadores por suposta falta de pagamento dos seus honorários, a distribuição geográfica pouco eficiente das brigadas de recenseamento e a falta de publicitação pormenorizada e abrangente do próprio processo de recenseamento (apesar de estar a passar o spot na RdpÁfrica, não acredito que as pessoas saiam de suas casas para irem consultar primeiro o calendário de trabalho no nosso consulado para depois se dirigiram ao posto de recenseamento e, o calendário que anda a circular nos jornais digitais está incompleto e nem todos tem tido acesso às actualizações e emendas que tem sofrido. Sem referir o facto da geração menos jovem não estar muito ligada às modernices da internet). Todos esses factores têm contribuído para a fraca adesão dos cidadãos da diáspora à esse processo tão importante na definição do nosso futuro colectivo e o resultado desse “défice” de cidadania é que em 15 dias apenas foram recenseados cerca de 2.000 eleitores no tal universo de 25.000 emigrantes são-tomenses que residem em Portugal. Muito pouco, dirão alguns. Muito pouco mesmo, digo eu, com alguma desilusão.

A democracia, logo a seguir à independência, é claramente a nossa mais valiosa conquista colectiva e a expressão máxima dessa realidade é a possibilidade de podermos eleger livremente os nossos dirigentes e assim, condicionar de forma directa a condução do nosso destino enquanto povo soberano. Pela força do voto, podemos premiar aqueles que servem bem os interesses do nosso país e censurar todos os que dele se têm servido apenas para obter ganhos pessoais ou partidários. Pela força do voto podemos manifestar de forma assertiva o nosso grau de desilusão pelo estado actual do nosso país e fazer ouvir de forma efectiva os nossos anseios e frustrações colectivas e, apenas pela força do voto podemos influenciar a VERDADEIRA MUDANÇA no panorama político nacional por que tanto clamamos e esperamos. Portanto, VOTAR É PODER e nós, enquanto cidadãos no pleno gozo dos nossos direitos, enquanto patriotas que aspiram um futuro melhor para o nosso São Tomé e Príncipe, não devemos nos abster conscientemente desse processo e entregar de mão beijada “o ouro ao bandido”. A distância geográfica e o abandono a que fomos votados pelos nossos governantes não podem servir de desculpa para o quase total alheamento dos problemas da “terra” que se tem verificado em grande parte dos nossos emigrantes, porque mesmo que achemos (erradamente) que os problemas do país não nos afectam mais, mesmo que tenhamos melhores condições de vida do que a maioria dos nossos compatriotas que por lá ficaram, mesmo que tenhamos o nosso emprego que nos permite comprar ou alugar uma casita e um carrito e levar uma vida “minimamente confortável”, que nos permite saborear o bacalhau e o bom vinho tinto de Portugal, que nos permite vestir bem, ter acesso às escolas e hospitais com alguma qualidade e até em alguns casos, cometer a extravagancia de ir passar férias no nosso país todos os anos e “exibir” os nossos euros, não nos podemos esquecer dos nossos familiares, amigos e conhecidos que continuam por lá, sem emprego, sem saúde, sem educação, sem estrada, sem água, sem luz eléctrica e sem perspectivas nenhumas de melhoramento das condições básicas para terem uma existência digna. Não nos podemos esquecer que apesar de todas as “mordomias” que temos no estrangeiro, nunca nos sentimos totalmente realizados e felizes longe do nosso solo pátrio e todos sonhamos um dia regressar à “grota”, por isso, era até conveniente que ela se encontrasse em melhores condições do que a deixamos. E por ultimo, não podemos nos esquecer do facto dos nosso compatriotas estarem sistematicamente a acusar-nos de cobardia e de comodismo, já que passamos a vida a “mandar bocas” e a reclamar de tudo e de todos para depois, na prática, pouco ou nada fazermos para mudar o rumo das coisas, nem mesmo quando temos a possibilidade de expressar o nosso sentido de voto de cinco em cinco anos, nas eleições presidenciais (com que “cara” poderemos continuar a nos queixar do facto de não votarmos nas eleições legislativas, se continuarmos a desprezar dessa forma o direito que já conquistamos de votar nas presidenciais?)

Por tudo isso, tomo a liberdade de convocar os meus concidadãos residentes na diáspora para começarmos a mudar São Tomé e Príncipe. Não falo apenas de uma mudança que se materialize na troca de rostos e de nomes das pessoas que nos governam, mas numa mudança efectiva na forma de fazer política, na forma de nos relacionarmos e discutirmos os problemas colectivos, na nossa própria mentalidade e sobretudo, na nossa atitude em relação aos deveres de cidadania. Embora essa responsabilidade cívica não se esgote na participação activa na vida política, não podemos de modo algum desperdiçar a janela de oportunidade eu se abre agora com as eleições presidências, cujo resultado afectará positiva ou negativamente as nossas vidas de forma incontornável. Se é certo que não podemos correr o risco de voltar a fazer uma escolha errada, acima de tudo, não podemos nos negar o direito e o dever de participar no processo de escolha. Vamos pois, começar por encarar de outra forma o processo eleitoral em todas as suas formas de expressão, vamos começar por participar e encorajar os outros a participarem nesta festa da democracia, com a convicção de que apenas por essa via poderemos condicionar o poder político e com a esperança renovada de que desta vez, os resultados podem sim, ser diferentes.

Portanto, em razão de todos os pontos focados, lanço um veemente apelo à todos aqueles que ainda não se resignaram, à todos aqueles que ainda acreditam que STP “pode dar certo”, aos responsáveis das diversas associações de são-tomenses na diáspora, aos lideres comunitários, aos representantes dos partidos políticos, aos representantes das diversas candidaturas e a todos os cidadãos de boa vontade, no sentido de nos mobilizarmos e ajudarmos o CEN e a nossas Embaixadas e Consulados a revitalizarem o processo de recenseamento eleitoral de forma a termos uma verdadeira correspondência entre os números de cidadãos de cada comunidade e o número de eleitores. Vamos sugerir de forma responsável as alterações e ajustes que acharmos pertinentes, vamos arranjar as condições logísticas necessárias para que as brigadas de recenseamento cheguem mais próximo dos cidadãos, vamos publicitar de forma mais vigorosa esse processo, utilizando todas as formas de comunicação que estão ao nosso alcance, vamos exigir mais trabalho e maior organização por parte dos agentes recenseadores e se concluirmos que o tempo de que dispomos é escasso, vamos também exigir o prolongamento do processo de recenseamento por mais uma ou duas semanas, porque nessas coisas da democracia, o povo é quem mais ordena e se o povo estiver organizado e unido, pode ordenar TUDO.

Não se esqueçam, VOTAR É PODER, NÃO DEIXEMOS QUE OS OUTROS DECIDAM O NOSSO FUTURO POR NÓS.

(Passem a mensagem)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

NO PAÍS DOS "BRINCA - NA - AREIA"

Nota prévia: “Brinca – na - areia”, na gíria do futebol, é o nome dado aos jogadores tecnicistas e talentosos que normalmente empolgam o publico e dão espectáculo com os seus dribles e jogadas mágicas, mas que na prática, pouco ou nada produzem em prol da equipa. São individualistas, egoístas, pouco dados aos rigores da disciplina táctica e alheiam-se das jogadas assim que perdem a bola, não ajudando a equipa quando ela tem que defender. Fazem desesperar os companheiros de equipa e contribuem de forma objectiva para a subida da tensão arterial de qualquer treinador, mas, por incrível que pareça, é deles que o povo gosta.

Ultimamente, cada vez que oiço ou leio notícias sobre o nosso São Tomé e Príncipe, lembro-me das palavras do senhor Procurador-geral da Republica quando foi ouvido na 5ª comissão da Assembleia Nacional há umas semanas atrás: “Nesta República democrática, andamos todos a brincar uns com os outros””, afirmou ele, do alto da sua perspicácia intelectual, todo feliz da vida, por ter chegado a uma conclusão que nos tem escapado esses anos todos. Na altura registei com agrado o facto do nobre Procurador-geral não se ter excluído do grupo dos brincalhões. Só por isso, subiu uns pontos na minha consideração. O facto é que 35 anos depois da nossa independência, temos uma nova teoria para explicar o nosso falhanço enquanto nação soberana: Sofremos todos do complexo de Peter Pan, ou seja, não nos fizemos HOMENS e continuamos a olhar o País como se fosse a nossa casinha de brincar! Já agora, convém sublinhar que também não me excluo do lote dos brincalhões, porque se uns têm usado e abusado das brincadeiras, em muitos aspectos, os que assistem impávidos e serenos e pouco ou nada fazem para inverter a situação, têm também a sua cota parte de responsabilidade nesse brinca – brincando colectivo. Portanto, podemos dividir a classe dos brincalhões entre os activos e passivos. Trocando por miúdos ou melhor, falando em “futebolês” corrente: Há os “brinca – na – areia”, que vão ludibriando a torcida com o seu arsenal de dribles e jogo de cintura, e há o povo carneiro que os aplaude e os promove à ídolos instantâneos, não se apercebendo que a equipa, enquanto um todo, se vai afundando num mar de derrotas consecutivas.

Mergulhando de cabeça nessa tese que o iluminado Procurador – geral trouxe ao debate, constatamos numa primeira analise que, infelizmente, as brincadeiras que vão acontecendo no nosso País, já não têm nada a ver com o tradicional jogo de bola de peúga num terreno baldio qualquer, nem com inocente jogo de lata ou o saudoso (e saudável) “papá com mamã” (brincadeiras realmente infantis e inocentes). Hoje em dia, ancorados nas pranchas do progresso e do desenvolvimento tecnológico, a que se junta a ambição desmedida e um sentido de impunidade afinadíssimo, andamos mais virados para a Batalha naval, pôker, Age of Empires, Paradise gangsters ou o Comand & Conquer e similares, todos eles, jogos de estratégia, de conquista de poder e de usurpação de recursos de outrém (financeiros, naturais, humanos e.t.c). Os nossos brincalhões, hoje em dia, são pois, peritos na arte de manipular, fazer batota, roubar, enganar, explorar e sobretudo, não olham aos meios para atingirem os fins preconizados. Trocando agora por graúdos: A expressão máxima da tese da “brincadeira” em termos objectivos, é a facilidade com que nos entregamos às politiquices e às intrigas “palacianas” e confundimos as relações institucionais com as relações pessoais, dando sistematicamente mais valor às segundas, para o bem e para o mal e, qual meninos mimados, estamos sempre a fugir às nossas responsabilidades e deveres, colocando a culpa de tudo que está errado nos outros, assumindo apenas a paternidade das coisas boas, que vão sendo cada vez mais raras, diga-se de passagem. Noutro patamar, estamos sistematicamente a empolar o que é acessório e secundário, relativizando ou mesmo negligenciando por completo o que é realmente importante, sem falar do facto da nossa sociedade encontrar-se super politizada em todos os níveis e estratos sociais, o que fatalmente acaba por amordaçar o nosso pensamento crítico e corromper o nosso discernimento. Hoje em STP, muito pouca gente consegue pensar e emitir opiniões sobre o País com total independência partidária e menos ainda o conseguem fazer de forma frontal e responsável, sem se esconderem no anonimato dos panfletos, dos fóruns de discussão on line ou no agora, muito em voga, espaço de comentários do jornal “Tela non”. A política tornou-se o factor determinante na vida das pessoas e sobrepõe-se até às relações familiares, comerciais e institucionais. O que conta acima de tudo em STP é saber se alguém “é nosso ou não”. Se somos de um determinado partido e queremos "safar a nossa tese", avalisamos e defendemos suinamente tudo que esse partido faz, esteja certo ou errado e condenamos e criticamos tudo que os outros partidos fazem, estejam certos ou errados. Se o partido da nossa simpatia está no governo, tudo o que faz de errado é culpa do governo anterior ou são manobras da oposição para criar instabilidade política e não os deixar trabalhar. Ou seja, os nossos correligionários passam a ser os melhores e os maiores em tudo, autênticos paladinos da verdade e os únicos que querem trabalhar para o povo, a quem não conseguimos, em circunstância nenhuma, reconhecer incompetência, burrice ou má fé. O mérito e a competência apenas são elogiados e reconhecidos quando nos convém ou quando servem os nossos desígnios partidários, caso contrário, arranjamos logo um pequeno defeito para empolar o nosso tradicional “bota – abaixismo” ou lançamos boatos e inventamos calúnias para esconder a inveja latente, que nos impede de conviver com o sucesso dos outros, mesmo que esse sucesso tenha impacto significativo na concretização dos nossos anseios colectivos. E o pior é que somos facilmente manipulados pelos caciques da tribo, que, de forma sistemática e leviana vão fomentando e perpetuando esse tipo de situação, usando e abusando do populismo barato e de jogadas de bastidores para ir semeando a discórdia e a confusão entre o pessoal da plebe, descredibilizando pessoas, instituições e, pasme-se, órgãos de soberania, de tal forma que as vezes, torna-se quase impossível distinguirmos “os artistas” dos “chefes de bandido” nos jogos de estratégia que vamos assistindo em STP.

Para mal dos nossos pecados, nesses últimos tempos, o que não tem faltado são exemplos que continuam a confirmar essa “risonha” realidade. Os “brinca – na – areia” continuam a dar o seu show, a empolgar o povo e a ludibriar os adversários, com as suas fintas estonteantes, pontapés de bicicleta e cruzamentos de trivela. O engraçado é que olhamos para o Placard e por baixo do nome da nossa equipa vislumbramos um expressivo 0 (zero). Golos que é bom, nada! Resultados positivos, que é o que se espera, nem vê-los! E já andamos há 35 anos nessa brincadeira.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

"O POVO É QUEM MAIS ORDENA"

Zeca Afonso celebrizou essa frase na música que despoletou, por assim dizer, a revolução dos cravos no dia 25 de Abril de 1974, que, como sabemos, derrubou a ditadura do Estado Novo e fez implantar a democracia em Portugal. O ano de 2011 trouxe-nos (para já), mais dois exemplos que confirmam a validade intemporal dessa premissa: Os povos da Tunísia e do Egipto, empolados por uma necessidade desesperada de melhoria das suas condições de vida e simultaneamente, pela vontade frenética de abraçar e vivenciar os preceitos da democracia representativa, saíram às ruas e ORDENARAM o fim dos regimes ditatoriais do Ben Ali e Hosni Mubarak que os governavam há 23 e 30 anos, respectivamente. O efeito de contágio dessas corajosas acções é já inegável e irreversível e, embora muitos outros ditadores daquela zona de África (e não só) comecem a precipitar a implementação de algumas reformas “ de fachada” nos seus regimes, creio que não tardará muito para que a revolução também lhes bata à porta, ou melhor, lhes entre pelo palácio dentro, sem bater à porta e sem pedir permissão, como aliás, deve ser apanágio de uma “boa” revolução.

Ao assistir o desenrolar desses acontecimentos, não pude resistir à tentação de imaginar um cenário semelhante no nosso São Tomé e Príncipe e essa tentativa de dar asas às ilusões esbarrou logo numa questão fundamental: Será que nós, São-tomenses, seriamos capazes de nos congregar em volta de um objectivo ou sonho comum de forma a forçar a criação de condições para torna-lo realidade?! Duvido muito, mas, embora pareça contraditório, quero acreditar que seja possível. Já perceberão porquê.

Naturalmente que a nossa revolução, a acontecer, não seria para conquistar a independência ou a democracia, porque essas, com maior ou menor sacrifício, com maior ou menor luta, já as conquistamos e, com maior ou menor expressão, já as vivemos. Mas nós, enquanto povo de um País consecutivamente adiado, com problemas estruturais graves, sentimos que ainda temos muitas conquistas a fazer e certamente muitas delas requererão a emergência de uma alma revolucionária que até hoje tem andado perdida ou subjugada pela pacatez e comodismo que caracteriza o homem São-tomense, cuja expressão máxima podemos encontrar no nosso tão falado “leve – leve”, que, consciente ou inconscientemente, adoptamos como filosofia sagrada da nossa existência. “Leve – leve” para tudo, “leve -leve” sempre.

Noutro patamar, como ficou mais uma vez provado na Tunísia e Egipto, uma revolução para ser bem sucedida carece de 5 ingredientes fundamentais: União, altruísmo, coragem, sacrifício e perseverança. Ou seja, exactamente todas as características que desapareceram (ou nunca chegaram a fazer parte) do ADN da maior parte do povo São-tomense. Somos egoístas; somos desunidos; somos invejosos; somos cobardes e poucos dados à sacrifícios, principalmente à sacrifícios colectivos. E se juntarmos à tudo isso, a facilidade com que actualmente se vende e se compra consciências no nosso País, concluímos que qualquer tentativa para desencadear uma revolução morre logo à nascença. Senão vejamos: Em STP, se alguém tiver a brilhante ideia de “inventar” uma revolução, o nosso tradicional comodismo o convence logo a desistir, dizendo que não vale a pena lutar, que as coisas não vão mudar. E se ele for teimoso e quiser mesmo assim avançar, terá sérias dificuldades em arranjar apoiantes para a sua causa, mesmo que ela seja uma causa colectiva. Se por um passe de magia, conseguir convencer os outros a juntarem-se à ele e avançar com os protestos na rua, a nossa cobardia nos fará recuar assim que a polícia de choque aparecer, ou, no limite, assim que alguém levar com um cassetete no lombo ou um tiro intimidador for disparado para o ar pelas “forças opressoras”. Se mesmo assim, houver pessoas decididas à darem o corpo ao manifesto, como quem diz, à dar o lombo aos cassetetes e o peito à balas, sacrificando-se por um bem maior, o nosso egoísmo e desunião falará mais alto e acabaremos por nos dispersar de imediato, todos contentes por não termos maculado o nosso querido lombinho. E se mesmo assim, num cenário já utópico, decidirmos continuar com a revolução e enfrentar unidos, todas as consequências desse acto corajoso, o poder instituído chamará os cabecilhas da coisa para uma reunião à porta fechada e lhes acenará com uns tostões em troca da rendição incondicional (se calhar isso acontecia assim que o nosso revolucionário conseguisse juntar uns gatos pingados e ameaçasse fazer barulho). Saiam todos contentes do tal encontro, recolhiam os megafones e cartazes, se os houvesse, anunciariam aos outros coitados o fim da revolução e dirigiam-se para o bar mais próximo, onde iam vangloriar-se da sua esperteza saloia e gastar parte do dinheiro arrecadado na comemoração, que hoje em dia é sinónimo de “ comer água” como se não houvesse amanha. É por tudo isso que tenho sérias dúvidas que sejamos capazes de nos “revolucionar” como mandam as regras.

Por outro lado, se quisermos ser optimistas, sob certa perspectiva, podemos afirmar que em São Tomé e Príncipe já vai havendo uma espécie de “minis revoluções” de tempos em tempos, a título individual ou envolvendo pequenos grupos de pessoas, embora o facto de não serem acções consertadas de massas, lhes confira por ora, o redutivo título de “pequenos motins”: Os protestos sobre a falta de água e luz em determinadas zonas; Os protestos sobre a falta de géneros de primeira necessidade no mercado ou sobre o aumento dos preços dos mesmos; Os protestos sobre a situação da justiça; Os protestos contra a exagerada cedência de roças e terrenos aos políticos, também em determinadas zonas; Manifestações de determinados sectores da sociedade (ora jovens, ora motoqueiros, ora funcionários públicos, ora palaiés) e.t.c. Todas essas “minis revoluções”, na sua essência, têm se revelado inócuas e infrutíferas, já que são efémeras, dispersas no espaço e no tempo, não conseguem mobilizar a opinião pública de forma sustentada e duradoura e, são facilmente reprimidas, por acção da policia, pela intimidação politica ou pela força do dinheiro. Sem falar que na prática, nada de concreto conseguem alcançar, além do sistemático renovar de promessas. De qualquer forma, é por esses pequenos laivos de indignação sectorial que quero acreditar que o nosso espírito reivindicativo não está totalmente morto e que sim, que podemos nos congregar em torno de um desígnio nacional e nos “revolucionar” de verdade, como um povo que ORDENA e constrói o seu futuro, caso a situação do País venha a tornar-se realmente incomportável. Continuemos então, com as nossas “minis revoluções” e quem sabe um dia, com a prática, conseguimos dotar-lhes dos elementos necessários para que elas se tornem GRANDES. Acredito que a próxima tenha já data marcada para finais de Julho, nas eleições presidenciais. Vamos ver se o dinheiro continua a falar mais alto do que o nosso amor à pátria.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

DESPORTO ESCOLAR: UMA NECESSIDADE URGENTE.

Na semana passada, uma boa notícia fez-me viajar por alguns dos momentos felizes da minha adolescência e num exercício de pura nostalgia, deliciei-me com as lembranças de capítulos, pessoas e lugares que me marcaram nessa vida. Falo do regresso do desporto escolar aos estabelecimentos de ensino de São Tomé e Príncipe, anunciado pelo Secretario de estado da juventude e desporto. O desporto escolar no meu tempo, envolvia muitas valências e varias modalidades, mas a sua vertente competitiva a nível do futebol era sem dúvida, a parte mais apetecida. Quem viveu a experiencia dos campeonatos de futebol 5 inter-turmas nas escolas secundárias, saberá certamente do que falo e não deixará de sentir uma certa saudade dos momentos de camaradagem, união e convívio que esses campeonatos nos proporcionaram, além do natural amor à prática do desporto, que esses jogos despertavam na malta jovem.

Lembrei-me primeiro da minha turma da 6ª classe, na ex-Associação dos socorros mútuos na Trindade, uma espécie de posto médico abandonado que durante alguns anos foi transformada em escola secundária improvisada com 5 salas de aulas. A turma G era a turma dos mais velhos, quase todos repetentes e apenas por um atraso no processo da minha transferência de Luanda, fui para lá remetido. Ainda bem. No campeonato do ano lectivo 88/89, a nossa turma dominou e “massacrou” os adversários, terminando a competição só com vitórias, tanto no sector masculino, onde pontificava o Kichu, jovem talento que mais tarde chegou mesmo a envergar a camisola da equipa principal de futebol 11 da Trindade, como no sector feminino, onde davam cartas, a Alcinda “mulata”, ponta de lança mortífera e uma guarda-redes aguerrida que defendia tudo que havia para defender, cujo nome não consigo recordar. Na altura, a timidez em mostrar os meus dotes futebolísticos em público e o excesso de craques, impediram-me de fazer parte da equipa. Como era o benjamim da turma, tive que contentar-me com a posição de homem da logística (vulgo, “aguadeiro”). Os fins-de-semana de competição eram uma festa que apenas por motivos maiores alguém falhava. Assistíamos os jogos, ríamos, brincávamos, gozávamos com os adversários, as vezes zangávamo-nos, mas no fim, éramos todos felizes.

Lembrei-me depois da minha turma da 7ª classe, ainda na ex-Associação dos socorros mútuos. No sector masculino, a turma B já não foi tão bafejada pela sorte no que toca ao talento futebolístico, por isso, no campeonato do ano lectivo de 89/90 ficamos nos últimos lugares, embora me lembre do nosso esforçado guarda-redes, o Hermes, de Monte Café, cujas exibições impediram-nos de levar várias “cabazadas” e que mais tarde, tornou-se titular da equipa de futebol 5 de Belém. No sector feminino, à Alcinda, juntaram-se a Carla e a Joly, formando um trio de respeito que foi impedido de celebrar a vitória no campeonato pela batotice do professor de edução física, árbitro da final que jogamos com a 7ª C, a turma da qual ele era director. Desses tempos, lembro-me sobretudo que os dias de jogo eram também pretexto para as raparigas saírem de casa para os namoricos e, dos momentos de diversão que passávamos no “Vasco”, um “fundo” de um riacho que passava por trás da escola nova da Trindade, cujo nível relativamente raso da água não nos impedia de “dar cabeça fundo” com toda propriedade. No final dos jogos, era no “Vasco” que íamos festejar as vitorias e amargurar as derrotas e lá, adversários de ocasião transformavam-se todos em companheiros de brincadeiras e éramos todos felizes. Ah, lembrei-me também do “matraquilo” velho do senhor Ministro (era esse o nome do homem), em Uba-flôr, para onde muitas vezes transportávamos a saudável rivalidade inter-turmas em torneios improvisados. Uma “mão”, custava na altura 20 dobras. Bons tempos!

Lembrei-me também da minha turma da 8ª classe, já na “escola nova” e por incrível que pareça, passados quase 20 anos, ainda sei os nomes de quase todos os meus ex-colegas ex-professores da turma A. Sinal de que as memorias daqueles tempos continuam bem vivas na minha mente. Na altura éramos todos como uma família e cultivávamos valores que hoje em dia não passam de miragens no deserto de egoísmo e futilidades que se transformou a nossa sociedade. Também nesse ano lectivo de 90/91 o campeonato de futebol inter-turmas teve um sucesso retumbante, embora a nossa equipa feminina não tenha participado por falta de jogadoras (as nossas colegas na altura eram muito “finas” e estavam mais viradas para o clube de poesia criado pelo professor Chandinho) e a equipa masculina tenha sido eliminada na fase final. Ficamos em 3º lugar, se bem me recordo e como prova da marca indelével que esses momentos deixaram em mim (acredito que em todos os outros também), fica aqui, como puro exercício de memória, a constituição da nossa equipa na altura: Nelson Bixi-pô na baliza, Diallo e Agnaldo na defesa (os duplex, como lhes chamávamos), Nilton Garido e Adriano na frente, sem falar dos suplentes de luxo: Laureano, Maizí, Ailton, Gilberto e eu. Um verdadeiro “dream team”.

Com a passagem para a 9ª classe, tivemos que abandonar a nossa querida e pacata Trindade para irmos estudar no Liceu Nacional, na cidade Capital. Desse tempo, no ano lectivo de 91/92, lembrei-me primeiro do facto de alguns colegas terem desistido de continuar a estudar por falta de recursos dos seus pais para lhes pagar a deslocação diária à capital, que mesmo nos falecidos autocarros “ Scania”, ainda ficava caro. No que ao desporto escolar diz respeito, naquele ano, houve um campeonato de futebol 5 e de voleibol, mas apenas no sector masculino. Fomos eliminados logo na primeira volta, nas duas modalidades. Como escolhi o Futebol 5, não posso falar do que se passou no voleibol. No futebol 5, mesmo a grandisosidade do liceu não dispersou o entusiasmo dos alunos. A titulo informativo, fiquem a saber que a culpa da nossa derrota foi claramente o facto de não terem utilizado as “estrelas” da Trindade (eu e o Diallo) e também devido ao excesso de individualismo dos nossos melhores jogadores (senhores Braulio, Burindá e Botelho, a culpa foi vossa, “ouviram”?! Lol). No final do jogo, discutimos bastante, já que era ponto assente que tínhamos melhores jogadores que o adversário, ficamos uns dias amuados, mas depois passou. Aprendemos a lição e hoje continuamos grandes amigos. É essa, a última lembrança que tenho do desporto escolar em São Tomé e Príncipe, na sua vertente de competição.

Nesse remoer de memórias que fatalmente me fez visitar outros aspectos da minha adolescência, uma parte de mim desejou que o tempo voltasse atrás e que, para além das experiências inesquecíveis que a prática do desporto escolar me proporcionou, pudesse também reviver outras situações que hoje em dia, os alunos do secundário, infelizmente deixaram de vivenciar: As festas do 1º de Junho que eram comemoradas até à 7ª classe e onde mais importante do que a roupa e sapatos novos, era o convívio entre alunos e professores; Os “esbanjos” que assinalavam com pompa e circunstancia as lições nº 100 de cada disciplina; A inocência dos namoros de adolescente e os beijos roubados na hora de saída da escola; O companheirismo e a entreajuda entre os alunos, sempre presentes nas horas das provas trimestrais e que se estendiam às épocas dos exames, onde os mais aplicados, os que ficavam dispensados, faziam questão de ajudar os colegas com maior dificuldades nas horas de estudo, sem pedir nada em troca; O respeito e a admiração que nutríamos pelos professores e que eles faziam por merecer e por ultimo, os dias de trabalho cívico na escola. Sim, senti saudades dessa invenção socialista introduzida pelo MLSTP no nosso País. Senti saudades dos sábados que íamos capinar, lavar e pintar a nossa escola, a escola que nos ensinaram a amar e cuidar, a construir e a conservar.

Posto isso, creio que não restam dúvidas sobre o papel preponderante que o desporto escolar pode ter na vida dos nossos estudantes e na sua formação cívica. Não falo apenas do benefício que trás à saúde e da possibilidade de poder-se descobrir alguns talentos nessas competições, mas falo sobretudo do impacto que esse tipo de competição pode ter na vida social dos alunos e na formação do seu carácter. Falo do espírito de equipa, de união e de camaradagem que deve ser cultivado desde tenra idade; Falo do convívio e sociabilização que essa actividade promove entre os alunos, num ambiente diferente da sala de aulas e da possibilidade de poderem ocupar os tempos livres com uma actividade saudável e barata em vez de andarem na "má vida"; Falo da possibilidade deles aprenderem a compartilhar sucessos e insucessos e lutar por objectivos e sonhos colectivos e, falo também da necessidade de se incutir nos nossos jovens desportistas os valores do fair play e da competitividade saudável, para que deixem de cultivar pelos seus adversários, sentimentos como ódio, a inveja e “sede de sangue” que de uma forma geral, graça no desporto São-tomense e influencia o comportamento dos praticantes, dirigentes e adeptos. Por tudo isso, saúdo veementemente a ideia do Secretario da juventude e desporto em ressuscitar a pratica do desporto escolar e faço votos que ele consiga levar esse projecto à bom porto( como quem diz: Que haja dinheiro e vontade politica). É claro que me alegraria muito mais se fosse anunciada a reforma geral do nosso sistema de educação, mas isso são contas do outro rosário.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O LONGO CALVARIO DOS DOENTES DOS PALOP EM PORTUGAL

No passado dia 10 de Janeiro, o canal de televisão portuguesa TVI, no seu programa semanal “Repórter TVI”, trouxe ao conhecimento público a realidade assustadora dos doentes dos P.A.L.O.P que são evacuados dos seus países para tratamentos médicos em Portugal e que, chegando aqui, são votados ao abandono pelas respectivas embaixadas. A reportagem intitulava-se: “Viagem sem regresso”.

Embora tenha visto os spots publicitários da dita reportagem e marcado na minha agenda mental a “obrigação” de assisti-la, apenas ontem, depois de ouvir alguns comentários de amigos num jantar na quarta-feira, lembrei-me de assistir o programa no site da dita estação de televisão (bendita internet). Ao ver a reportagem, a primeira coisa que saltou à vista, foi a semelhança dos problemas e complicações por que passam os doentes de junta médica dos países dos P.A.L.O.P em Portugal (pelo menos os de STP, Guiné e Cabo Verde, já que a reportagem não foca nenhum caso concreto de Angola e Moçambique. Mas que de certeza que também existem) e depois, a descoberta de alguns esquemas e trafulhices que estão inerentes a atribuição dessas mesmas juntas médicas, que nem me passavam pela cabeça.

No que diz respeito à São Tomé e Príncipe, são conhecidas as carências que temos a todos os níveis no nosso sistema de saúde que fazem com que apenas as “doenças básicas” sejam tratadas localmente com algumas hipóteses de sucesso; são conhecidas as falhas e erros graves nos diagnósticos feitos nos nossos hospitais; são conhecidas as dificuldades que os doentes beneficiados de junta médica enfrentam e o tempo que desperdiçam para conseguirem que as finanças desbloqueiem a verba das passagens (as vezes os familiares vendem a alma e os bens para pagarem uma parte da passagem aérea) e os entraves que a embaixada de Portugal mete na obtenção do visto; é conhecida a propensão do nosso sistema em atribuir juntas médicas às pessoas de famílias com nome de peso na praça ou a parentes e amigos de ministros e directores de ocasião, que as vezes nem a merecem e, sobretudo, é por demais conhecida a situação a que os nossos doentes e respectivos acompanhantes são votados assim que chegam a Portugal, onde, com a desculpa de falta de verbas, sobrevivem com subsídios miseráveis (os sortudos), com a o apoio dos familiares que residem cá ou são obrigados a trabalhar ilegalmente, na limpeza e nas obras (ainda doentes) para poder arcar com as despesas médicas (basta passarmos pela embaixada no dia de atendimento dos doentes para confirmarmos o desespero e a revolta que lhes vai na alma). Sem falar dos casos em que os doentes, por causa da “burocracia”, chegam já em estado quase terminal, não restando outra solução, senão chamar o padre, em vez do médico, para lhes conceder a extrema-unção. O que eu não suspeitava é que essas mesmas situações acontecessem com os doentes dos outros países dos P.A.L.O.P em termos tão iguais, inclusive de Cabo Verde, onde o tão comentado desenvolvimento sócio-económico sugeria que já estivessem em outro patamar a esse nível (atenção que o facto de constatarmos que os outros estão na mesma posição, inclusive os que têm melhores condições económicas, não nos deve impedir de reconhecer que o panorama é confrangedor e que algo tem que ser feito urgentemente para ao menos, remediar a situação).

O que eu não sabia, é que, dos dois mil doentes (sim, 2.000 doentes!) São-tomenses que recebem actualmente assistência médica em Portugal, apenas trezentos são ajudados pela nossa Embaixada (um orçamento de 20.000€ mensais, segundo fonte da Embaixada, que dá cerca de 66€ por pessoa, para pagar a casa, o passe, alimentação, vestuário e medicamentos. Tudo modu, dirão alguns!); O que eu não sabia é que há pessoas que estão condenadas a ficarem a vida toda em Portugal por necessidade de fazerem a hemodiálise, pois em pleno sec. XXI, o nosso País ainda não dispõe de condições para esse tipo de tratamento; O que eu não sabia é que existia situações de compra de juntas médicas, onde os próprios agraciados ou familiares trocam o passaporte para uma vida melhor por míseros tostões; O que eu não sabia, é que o estado português gasta mais na assistência social aos doentes dos P.A.L.O.P em Portugal do que os próprios governos desses países, pelo facto de ter constatado que o aumento dos sem-abrigo nas ruas de Portugal está directamente ligado a esse fenómeno, do qual padecem principalmente os doentes que não têm uma estrutura familiar capaz de os socorrer, na ausência do amparo que supostamente deviam encontrar nas suas representações diplomáticas.

O que fazer então, para melhorar essa situação? Eis a pergunta que se impõe.

O ideal seria cortar o mal pela raiz, ou seja, criar condições no nosso País para evitar, ou no mínimo, reduzir a atribuição de juntas médicas aos doentes, que passa necessariamente pela reforma completa do nosso sistema de saúde: Reestruturação do hospital central e do hospital do Príncipe a nível dos equipamentos e recursos humanos, reactivação dos hospitais de Monte Café, Agostinho Neto e Água Izé, nem que fosse por parcerias público-privadas( as tantas até era viável), melhoramento das condições gerais dos postos de saúdes distritais, criação de condições de trabalho interessantes para cativar os recursos humanos nacionais da área da medicina que proliferam na nossa diáspora, sobretudo em Portugal, aposta séria na formação de médicos, enfermeiros e auxiliares e.t.c, e.t.c. Mas como sabemos que tudo isso dá trabalho e custa muito dinheiro ( dinheiro que dizem que não temos), podíamos começar por credibilizar e tornar mais transparente o processo de atribuição de juntas médicas, melhorar a qualidade dos diagnósticos, aumentar os subsídios para os doentes ( em contrapartida, diminuir o per diem dos dirigentes políticos e obriga-los a se instalarem também em casa de familiares nas viagens ao estrangeiro) e tentar conseguir acordos com as câmaras locais, institutos públicos, ONG´s ou mesmo fundações, de forma a garantir ao menos apoios ao nível de residência e alimentação e não deixar que os outros estejam sistematicamente a resolver os problemas por nós. O estranho é que esse é um problema antigo, conhecido de toda gente, inclusive tem sido tema recorrentemente abordado com sucessivos primeiros-ministros e ministros em reuniões com membros da comunidade, nas suas passagens por Portugal, mas, de promessa em promessa, de adiamento em adiamento, os nossos doentes continuam a sofrer na pele as consequências da eterna falta de meios e ausência de espírito criativo dos nossos governantes.

Como as imagens valem mais do que as palavras, deixo aqui o link para os que queiram assistir a reportagem. Aviso já que embora contenha a habitual dose de sensacionalismo que a TVI impregna nas suas reportagens, há cenas emocionantes que podem facilmente arrancar umas lágrimas no canto do olho:

http://www.tvi.iol.pt/mediacenter.html?mul_id=13371873&load=1&pos=7

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CRÓNICA DE UM PARLAMENTO PREGUIÇOSO.

“Até quando querem fazer de nós, submissos idiotas úteis?”

Descobri essa frase numa das crónicas semanais da jornalista portuguesa Maria João Avillez na revista “Sábado”, referindo-se à classe política portuguesa, e não pude deixar de reflectir sobre a universalidade dessa questão, que podia muito bem ser colocada à esmagadora maioria dos políticos e politiqueiros desse planeta, sem mudar uma vírgula sequer. Naturalmente que não tenho a presunção de filosofar sobre a política mundial e nem sequer, sobre a política em si, naquilo que são os seus fundamentos e objectivos, mas depois de ler a essa frase, dei por mim a pensar que em São Tomé e Príncipe, de uma forma ou outra, estamos sempre a fazer essa pergunta ao presidente, ao governo e aos tribunais, negligenciando por completo o quarto órgão de soberania nacional, quiçá o mais importante, que é o parlamento, órgão com competências e poderes importantíssimos no nosso sistema de governo e que se os usasse, poderia influenciar ou condicionar de forma assertiva as decisões do poder executivo, consequentemente, o rumo da nossa nação. Se duvidas houvessem quanto à importância da Assembleia Nacional no nosso panorama político, o artigo 92 da constituição elucida-nos:
“A Assembleia Nacional é o mais alto órgão representativo e legislativo do Estado”

Posto isso, a pergunta que se impõe é a seguinte: Será que nestes 20 anos de vigência da actual constituição, que coincide com a abertura democrática no nosso País, a Assembleia Nacional tem cumprido o seu papel, enquanto o mais alto órgão representativo e legislativo do Estado?!

Claro que não! Digo eu, peremptoriamente. Naturalmente que sendo um órgão colegial, o todo (A. N) não pode ser analisado sem as partes (os deputados) e nesse ponto, é justo dizer que até temos alguns (poucos) deputados com certa craveira intelectual e com reputada capacidade de trabalho, aliás, seria também desonesto não reconhecer que na primeira e segunda legislatura do pós democracia a nossa Assembleia Nacional era mais participativa e gozava de alguma credibilidade junto da população, em razão da competência e capacidade intelectual de grande parte dos deputados que a compunham e da ausência de tantos escândalos financeiros ligados aos deputados, como acontece hoje, mas em termos gerais, as competências da Assembleia Nacional, principalmente na área de produção de legislação têm sido claramente subaproveitadas, por interesses obscuros, por incompetência ou simples preguiça mental. Até a sua credibilidade tem se perdido no tempo e hoje, constatamos que a Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe, no que toca a sua funcionalidade e produtividade, há muito que se transformou num gigante adormecido, que não exerce nem 1/3 dos poderes que a constituição lhe confere. Aliás, outra coisa não seria de esperar, no estado em que ela se encontra. Como pode, por exemplo, a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão fiscalizador, quando a maioria dos deputados que por lá passam, apenas o fazem para obter o famoso e ultra desejado passaporte diplomático e a aconchegante imunidade parlamentar?! Como pode a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão legislador, quando de uns anos a essa parte, na sua essência, apenas se tem limitado à aprovar ou reprovar Orçamentos de estado, Grandes opções do plano e volta e meia, moções de censura?! Como pode a Assembleia Nacional cumprir o seu papel de órgão essencialmente político, quando a função de deputado é vista como um “emprego” em part time ou uma ocupação secundária para os nossos empresários, comerciantes, caixeiros-viajantes, advogados, pseudo-escritores, médicos, carpinteiros, taxistas e afins?! Sem mencionar o facto da “qualidade” e reputação dos nossos deputados serem cada vez mais duvidosas e de se dedicarem mais às lides e intrigas partidárias do que propriamente às funções de deputado. Aliás, como deputados, quase só se preocupam com situações que possam traduzir-se em algum ganho pessoal ou partidário. Fora isso, nada interessa, nem mesmo os superiores interesses de quem os elegeu.

Foquemos um exemplo prático do desleixo e da preguiça (para não lhe chamar outra coisa) que reina nas bandas do palácio dos congressos: Para quem não sabe, a actual Assembleia Nacional tem poderes de revisão constitucional ou seja, como a última revisão da nossa constituição aconteceu em 2003 e são precisos cinco anos para que se possa despoletar novo processo ordinário de revisão constitucional, os deputados eleitos em Agosto do ano passado, estão automaticamente legitimados para desencadear novo processo de revisão constitucional. Mesmo assim, alguém ouviu falar, na intenção de alguns deputados avançarem com propostas de revisão constitucional?! E sobre a intenção de rever e actualizar algumas leis obsoletas que nos causam sérios problemas, ouviram alguma coisa?! Afinal, o que andaram os nossos deputados a fazer nesses últimos quatro meses?! Eu respondo: Aprovaram o OGE, o GOP, discutiram o caso dos 30.000 barris de petróleo e ouviram as lamentações do Procurador-geral da república na comissão dos direitos humanos.

Sabemos que as leis são feitas no abstracto, obedecendo a um horizonte de sentidos e valores que têm a sua lógica num certo enquadramento temporal e contexto social, mas a sua aplicação prática nos pode revelar lacunas e falhas que não eram claras na altura da sua concepção e noutros casos, o próprio tempo, a evolução natural das sociedades e mentalidades nos obrigam a rever os nossos conceitos. No caso da nossa actual constituição, passados 20 anos sobre a sua concepção e 7 sobre a última revisão, esperava da parte dos nossos deputados um sinal claro de que é chegado o tempo de se abrir um debate sério sobre alguns pontos desajustados e / ou desactualizados da nossa constituição e de algumas leis, dos quais, posso sem esforço enumerar alguns:

- Muita gente tem questionado o nosso sistema de governo (semi-presidencialista) e atribuído a ele a culpa de muitas das crises políticas que enfrentamos. Não será altura para abrirmos um debate sobre esse ponto e, dependendo das conclusões, pensar séria e responsavelmente em alternativas viáveis?!

- A nossa lei eleitoral e lei dos partidos políticos datam de 1990, quando não tínhamos ideia nenhuma de como seria a nossa experiencia democrática. Não será altura para actualizar e adaptar essas leis à nossa realidade actual, de forma a eliminar verdadeiras aberrações ali contidas, como o facto de se poder criar e manter um partido politico com apenas 250 militantes ou a inexistência de cláusulas barreira, que tem facilitado a proliferação de pequenos partidos políticos sem expressão eleitoral?! E o que dizer dos valores das multas ali previstas?!

- Nesse momento, quase 1/3 da nossa população reside fora do País. Não é chegada a altura para se criar as condições para que esses emigrantes possam votar nas eleições legislativas e eleger no mínimo, dois representantes na Assembleia Nacional?!

- Temos 55 deputados para cerca de 160.000 habitantes, o que dá uma média de 1 deputado por cada 3.000 habitantes. Não será altura para revermos a composição da nossa Assembleia Nacional?! Temos deputados que durante a legislatura não produzem nenhum projecto de lei, que marcam presença apenas nas sessões obrigatórias e que não fazem nenhuma intervenção no plenário. Não seria melhor privilegiar a qualidade em vez da quantidade?! Não seria melhor reduzir o número de deputados e dar-lhes melhores condições para se dedicarem exclusivamente ao cargo de deputado, eliminando assim os conflitos de interesses inerentes ao facto de serem deputados e simultaneamente, exercerem funções remuneradas no sector privado?!

E a obrigatoriedade da declaração publica do património para as pessoas que ocupam os mais altos cargos do Estado?! Não devia ter força de lei, em nome da luta contra a corrupção?! E todo o acervo da nossa legislação que está obsoleta e emperra o sistema judiciário, não devia começar a ser actualizado?! E o tal artigo 72, sobre as incompatibilidades da função do presidente da república?! Não justifica por si só, uma revisão constitucional para tornar mais fácil a sua compreensão e evitar que outros presidentes caiam na tentação de querer ser também presidentes de partidos políticos?! O que tem andado a fazer afinal, o nosso parlamento, enquanto órgão legislativo por excelência?! Quase nada! É claro que isso dá trabalho e tem custos, mas se bem me lembro, foi para isso que foram eleitos, ou não?!

Em jeito de conclusão, permita-me a Maria João Avillez que dê um torcicolo no pescoço da sua frase de modo a colocar essa questão não ao presidente, não ao governo, não aos tribunais e nem ao parlamento, como como acabo de fazer, mas à todos aqueles que de alguma forma, não se querem resignar à essa realidade que nos é imposta:

“Até quando VAMOS CONSENTIR que façam de nós, submissos idiotas úteis?”