segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

PRESIDENCIALISMO?! PORQUE NÃO? - PARTE II

Nota prévia: Há cerca de 3 anos, escrevi pela primeira vez sobre sistema de governo de STP onde defendia a implementação do sistema presidencialista. Depois de assistir a uma acutilante palestra do Prof. Doutor Jorge Miranda sobre “os caminhos do constitucionalismo São-tomense” na semana passada, apeteceu-me voltar a dissertar sobre o tema, que, uma vez mais, parece estar na agenda política em STP.

    A sala de conferências do hotel Praia quase que arrebentou pelas costuras. Mais de 150 membros da chamada elite intelectual são-tomense residente (porque há uma outra, na Diáspora) “bicaram” o trabalho para irem ouvir uma das sumidades portuguesas, no que toca ao direito constitucional, ou não seria ele também, o autor do projecto da nossa constituição democrática de 1991. Os presentes ouviram o ilustre professor afirmar que, apesar das sucessivas crises politicas e constrangimentos constitucionais, entende que o sistema semi-presidencialista é o que melhor se adapta à nossa realidade sócio-política e que temos que tentar ultrapassar algumas lacunas que ele encerra para tentar melhora-lo e resolver as recorrentes crispações e ressentimentos entre os homens da política, antes de pensarmos em muda-lo. Ressalvou também que nenhum sistema de Governo é perfeito e que, embora nada tenha contra o sistema presidencialista, em abstracto, receia que, como tem sido apanágio na América latina e no continente africano, com o tempo, ele possa fluir para uma ditadura absolutista, dada a (ainda) fraca consciência constitucional do nosso povo e das nossas instituições. Todos ouviram, pouquíssimos discordaram.

    Acredito que, para quem não conhece os labirintos da nossa realidade sócio-política, os argumentos apresentados pelo professor Jorge Miranda são difíceis de rebater, ainda mais quando encontramos facilmente tantos exemplos que corroboram a sua tese do presidencialismo = ditadura. No meu caso, correndo o risco de entrar em contra censo, afirmo que são esses mesmos argumentos que fazem de mim um presidencialista convicto.

    Em primeiro lugar, devo dizer que nunca evoquei razões históricas e culturais para defender o meu ponto de vista, como muitos erradamente o fazem, alegando a existência de uma espécie de consciência colectiva que aceita e quiçá, anseia pela figura do “chefe” máximo, único e omnipotente, em razão do nosso passado colonial e ditatorial, em que no primeiro caso, uma só figura, a do governador, encarnava os poderes executivos e em alguns casos, o legislativo e até o judicial à nível nacional e, à nível local, permitia o exercício exclusivo de tais poderes aos proprietários ou administradores das grandes roças. No segundo caso, com o advento da independência, na prática, os três poderes continuaram ao serviço de uma única figura que ditava as regras. O argumento máximo de defesa desta tese é que tanto num caso como no outro, as coisas funcionavam melhor do que agora e apesar das limitações de muitas liberdades, havia sobretudo, disciplina, trabalho e organização, valores que, com o passar do tempo têm visto a sua prática diminuir entre nós. Mesmo assim, sou pela liberdade, sempre!

 “O problema está nos homens e não no sistema”, oiço dizer recorrentemente.

    O que defendo é que, dada à nossa pequenez geográfica e demográfica e sobretudo, aos nossos sucessivos e intermináveis imbróglios políticos, é imperiosa a necessidade de se mudar o sistema, porque ao contrário do que muitos defendem, é o sistema que fornece as ferramentas que os homens têm utilizado para se digladiarem de forma permanente e, a esse ritmo, duvido que conseguiremos mudar a mentalidade do homem são-tomense a tempo de apanharmos o comboio do desenvolvimento. E se não conseguimos mudar o homem, porque isso implica em primeiro lugar, uma vontade clara para a mudança e, em segundo lugar, a observância de certas condições materiais e formais de que não dispomos actualmente, mudemos então o sistema, facilitando uma reorganização politica, administrativa e judicial que possa depois influenciar a mudança de mentalidade que precisamos para compor o puzzle do progresso.

    Senão vejamos, vivemos num país em que a política se transformou no elemento dominante e omnipresente; em que a prática político-partidária é vivenciada de forma pouco racional, a roçar o fanatismo em alguns casos; em que a politica de terra queimada e do bota-baixismo prevalece sobre os preceitos da oposição construtiva, dialogante e cooperante; em que os adversários políticos passam a ser de imediato, inimigos de morte e alvos a abater; em que os interesses pessoais e partidários têm precedência sobre qualquer desígnio nacional; em que o dinheiro se transformou na medida de todas as coisas, açabarcando a primazia que se dava aos valores tradicionais e estruturantes da nossa sociedade, nomeadamente o patriotismo; em que a palavra dada, os compromissos assumidos e o respeito pelo próximo deixaram de fazer escola; em que o incentivo ao ódio, ao rancor e às represálias na vida politica, tornaram-se práticas correntes e são passadas de geração em geração, com as naturais repercussões na vida pessoal dos seus autores, dada a pequenez da nossa sociedade. Temos um país em que os partidos políticos não têm ideologias identificadas e agendas politicas definidas e os seus militantes mudam de partido como se de roupa se tratasse; em que as coligações eleitorais e governamentais são feitas ao sabor dos interesses pessoais dos seus dirigentes, do cumprimento de algumas regalias para os seus membros destacados ou, em simples processo comercial de compra e venda de consciências, que é logo desfeito, ao mínimo contratempo. Um país em que a inveja crónica (uêcheismo) nos impede de conviver com o sucesso dos outros, mesmo que esse sucesso individual tenha reflexo no bem-estar colectivo e, um país em que grande parte da sociedade civil, dos jornalistas e dos grupos de pressão encontram-se corrompidos e a maioria das pessoas não consegue sequer pensar ou agir contrariando as simpatias partidárias, mesmo quando sabem que estão errados.

    Por tudo isso, como podemos condicionar o bom funcionamento do nosso sistema de governo com uma (utópica) mudança de mentalidade e consequente mudança na forma de fazer política do homem são-tomense? Como é que essa mudança acontecerá? O que tem sido feito para influencia-la? Ou melhor, já houve alguma acção clara por parte dos principais autores políticos que indicie uma vontade acesa de mudança, além das habituais declarações de intenções demagógicas e populistas?

    Como podemos falar em diálogo, concertação, criação de pontes de entendimento entre os homens, quando os próprios homens, pelas práticas correntes, demonstram não estarem para ai voltados? Como podemos sonhar com um projecto comum nessas condições? Como podemos pôr-nos de acordo em relação aos assuntos urgentes e estruturantes da nossa pátria, se não conseguimos nos entender em outros assuntos básicos?

Continua…

Um comentário:

  1. constituição e constituintes VS uma sociedade que enterrar-se e cada vez mais vai escavando um buraco para o seu próprio enterro, tudo ao favor do ódio e rancor e de uma ambição maléfica e desqualificada.

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